Discutir sobre Hermenêutica é relativamente fácil quando nos
debruçamos sobre os seus autores tradicionalmente identificados para
reproduzi-los, em busca da melhor forma de interpretação de "nossos
textos", quando que o verdadeiro desafio está em reconstruir o
pensamento, ou seja, reexperimentar o processo mental de seus autores.
O que pretendo trazer para nossa discussão com estas palavras é que a
mesma ferramenta que interpreta textos pode servir como forma de
construção ideológica para dominação de classe, se utilizada para que
se estabeleça uma nova linguagem de comunicação mais adequada aos
propósitos de uma minora dominante onde a mensagem possa ser
introjetada de maneira inconsciente a partir de fragmentos de
comunicação em massa, buscando um consenso social. Desta forma é
possível ocultar um processo mental onde as partes emprestam sentido
para o todo, cumprindo o seu objetivo, ou do contrário toda a
realidade emerge para o consciente coletivo e até mesmo as mentes mais
dormentes se fazem latentes e uma nova ordem social se estabelece.
Pois digo, que já mais faremos uma interpretação além daquela que nos
foi dada por um quebra-cabeça se antes não mudarmos o "modo de
pensar", pois é aí que reside toda a conquista pretendida, exatamente
na forma de pensar que acreditamos estar correta desde que nascemos.
É preciso experimentar uma insanidade momentânea para e acreditar que
tudo está relacionado a um contexto social e histórico que é
permanentemente manipulado por uma classe elitizada.
- Todo o dito é um projeto de dizer, e nenhum dito está livre de uma
intenção; temos aqui uma equação clássica: Enunciador + Enunciatário =
Comunicação, se analisarmos de uma maneira prática e simples basta
lermos esta equação e aplicarmos o respectivo sentido literal que
todos nós conhecemos para cada uma delas. Ou podemos fazer a seguinte
analogia.
Enunciador: Aquele que profana, logo tem um projeto de dizer, uma
intensão.
Enunciatário: Aquele que recebe a mensagem, faz uma interpretação, mas
não necessariamente percebe a intenção.
Comunicação: É o diálogo estabelecido, resultado esperado pelo
enunciador.
Se refletirmos um pouco sobre o papel da hermenêutica dentro da
sociedade podemos concluir que uma ciência de interpretação está sendo
utilizada para que o enunciatário possa receber a mensagem de seu
enunciador. É fato que tanto um como outro possuem conhecimentos
apriorísticos que poderiam causar algumas falhas na comunicação e
assim o projeto de dizer não alcançaria o seu objetivo; a intenção.
Contudo ainda é possível melhorar o nível de comunicação para que a
intenção possa ser realizada, se um padrão de linguagem mais
receptível e intuitivo for desenvolvido para o enunciatário.
Em uma sociedade de classes onde impera uma ideologia, sua
sustentabilidade dá-se pela sua capacidade de manipulação da linguagem
e a partir dela a forma de pensamento, então todas as técnicas de
hermenêutica são colocadas a serviço da construção desta linguagem
para que apenas as palavras prestem sentido a uma interpretação
adequada à intensão pretendida.
Assim começo a entender a Hermenêutica também como um risco pelo seu
mau uso e também pelo amadorismo em julgá-la simples ou difícil de
mais.
Caro Souza,
a ideologia é sim fonte de manipulação das falas entre o enunciador e o enuciatário. A hermenêutica é forma de desvelamento daquilo que está impícito nas falas. Fazer uso da interpretação para desvendar o oculto dá eficácia temporal a norma e possibilita enxertar na mesma extensão que criaria um espaço de ajuste do operador do direito para ás aspirações sociais. O uso hermenêutico, porém, não é totalmente livre ele fica adstrito as princípios gerais do direito, principalmente, o princípio da dignidade e proporcionalidade entre outros.
Porém penso que a hermêutica é ferramenta que serve a muitos senhores, a possibilidade de Gantanamo e a segunda guerra mundial foram inscritas/anuídas dentro de certos "parâmetros legais", ou seja, existia uma legalidade que tentou plauta-las. Esse é o mérito e ao mesmo tempo demérito da hermêutica, por tudo isso, sua imensa importância para que tenhamos conhecimentos dos engrendamentos e dos entratagemas que estão além, aquém e implícitos nas normas jurídicas. Caro Souza este teu discurso, bem entabulado digamos de passagem, de ajusta mais ao conceito de ideologia do que de hermêutica.
Parabéns pela abertura da discussão,
Hermenêutica e ideologia
Entendamo-la por enquanto, portanto, como "um sistema (que possui sua lógica e seu vigor próprios) de representações (imagens, mitos, idéias e conceitos, segundo os casos), dotados de uma existência e de um papel histórico no seio de uma sociedade dada." São, mais esmiuçadamente dizendo, sistemas de representações imaginárias que os indivíduos fazem de suas reais condições de existência social, de modo que toda e qualquer prática existe através e sob uma ideologia. Só há ideologia através do sujeito e para sujeitos. Nessa medida, a ideologia se acha a tal ponto presente em todos os atos e gestos dos indivíduos que chega a ser indiscernível de sua experiência vivida.
São, em suma, sistemas de idéias, representações sociais que abrangem as idéias políticas, jurídicas, morais, religiosas, estéticas e filosóficas dos homens de uma determinada sociedade. Contudo, note-se: não são representações objetivas do mundo mas representacões cheias de ..elementos imaginários. Mais do que descrever uma realidade, expressam desejos, esperanças, nostalgias. As ideologias podem conter elementos de conhecimento, porém nelas predominam elementos que têm uma função de adaptação à realidade. Os homens interagem entre si e com o mundo dentro da ideologia. É ela que forma e conforma nossa consciência, atitudes, comportamentos, para amoldar-nos às condições de nossa existência social.
Tanto em uma sociedade sem classes como em uma sociedade de classes, a ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos homens entre si e com suas condições de existência, adaptar os indivíduos as suas tarefas fixadas pela sociedade. É, portanto, a ideologia que fornece aos indivíduos de uma dada formação social uma certa homogeneidade nos modos como interpretam o mundo, nas suas maneiras de sentir, querer, julgar, e de se conformar às suas condições reais de existência. Ás formas particulares da ideologia podem variar muito, desde os mitos das sociedades primitivas, até as distintas e acirradas formas de ideologia da sociedade moderna. Contudo, numa sociedade de classes, ideologia é sempre a da classe dominante, pois é essa, através do usufruto do poder, que dá nome e sentido às coisas.
"A ideologia é, numa sociedade de classes, uma representação do real, mas necessariamente falseado, dado que é necessariamente orientada e tendenciosa, e é tendenciosa porque seu fim não é dar aos homens o conhecimento objetivo do sistema social em que vivem, mas ao contrário, oferecer-lhes uma visão mistificada desse sistema social, para mante-los em seu lugar no sistema de exploração de classe." Nessa medida, a falsidade não é um componente necessário e permanente da ideologia, mas contingente e acessória, devendo porisso ser historicamente explicada.
Sabemos que toda formação social, para sobreviver, deve reproduzir as forças produtivas e as relações de produção existentes. A condição da produção é, portanto, a reprodução das condições dessa mesma produção. Numa sociedade de classes, a ideologia da classe dominante busca conformar os homens à imutabilidade do sistema para garantir sua reprodução e preservação. O papel mais saliente da ideologia é o de cristalizar as cisões da sociedade, fazendo-as passar por naturais. Desse modo, a ideologia não aclara, ou melhor, não diz a realidade, nem procura dizê-la, mascara-a, homogeneizando os indivíduos aos clichês, slogans, termos abstratos, signos ocos, que têm por função fazer passar por eternas condições sociais que são históricas e relativas. Essa teia de ilusão, aliás, tem se expandido a partir do séc. XIX, quando o estilo burguês-capitalista-consumista de viver, pensar, querer e dizer se esparrama a ponto de dominar a terra inteira. Nessa medida, torna-se ingênuo não somente vangloriar-se de não se estar contaminado pelo consumismo burguês, como também atacar a burguesia como se ela já não tivesse penetrado a moldura de nossas consciências. Esse esteriótipo do viver, pensar, agir, sentir. . . já está, aliás, estampado em nossos sorrisos sociais, espécies de para-choques mímicos, retrato da dominação ideológica que nos amolda no sentir e querer para camuflar cisões mais profundas.
"É por tudo isso que a ideologia não pode ser entendida apenas como algo que ocorre na cabeça dos agentes sociais, como um fenômeno psicológico que permite, por sua vez, um tratamento psicológico (por ex.: desideologizar a um indivíduo ou grupo portador de uma ideologia). Ela integra a estrutura social, e não como um mero epifenômeno, mas como uma função definida e definível, dentro dessa estrutura".
Nessa medida, numa sociedade classista, “a ideologia não é somente um ‘belo engano’ inventado pelos exploradores para arrefecer os explorados e enganá-los; é útil também aos indivíduos da classe dominante, para aceitar como desejada por Deus, como fixada pela 'natureza' ou, inclusive, como assinalada por um dever moral a dominação que eles exercem sobre os explorados; lhes é útil, pois, ao mesmo tempo, e a eles também, esse laço de coesão social para se comportarem como membros de uma classe.”
“Toda ideologia particular, por isso, deve — e não apenas pode — ser compreendida em relação com um campo ideológico existente e em relação também com os problemas e a estrutura social que lhe servem de base e se refletem nele (...) A ideologia não é, portanto, uma aberração ou uma excrescência contingente da História: constitui uma estrutura essencial na vida histórica das sociedades.”
Diante dessas definições, rapidamente esboçadas, de ideologia, propomo-nos primeiramente tocar uma questão que nos parece fundamental antes de qualquer outra coisa: os equívocos e mal-entendidos de que a arte e literatura têm sido objetos, quando confrontadas com problemas ideológicos. Esses equívocos vão desde os mais simplórios, em geral cometidos por leigos, até os mais complexos e controversos que os estudiosos no assunto debatem.
No primeiro, a persistente surdez e cegueira diante do fato de que “a ideologia não pode ser divorciada da realidade material dos signos”, sob pena de se “localizar ideologia na consciência ou outras vagas e elusivas regiões.” “Localizar ideologia na consciência é transformar o estudo das ideologias num estudo da consciência e suas leis; e não faz diferença se isto é feito em termos transcendentais ou em termos empírico-psicológicos.” Mas, pior que isso: “ao invés de se tentar encontrar uma definição objetiva de consciência, os pensadores começaram a usá-la como meio de tornar subjetivas e fluidas todas as definições objetivas.” E isto porque permanecem desprezando o fato de que “consciência toma forma e ser no material dos signos criados por um grupo organizado no processo de seu intercurso social (...) Se desprovirmos a consciência de seu conteúdo ideológico (materialmente semiótico) nada restará.” Isto significa que “todo produto ideológico e todos os seus sentidos ideais não estão na alma, nem no mundo interior, nem num mundo à parte das ideias e puros pensamentos, mas no material ideológico acessível objetivamente — na palavra, no som, gesto, combinação de massas, linhas, cores, corpos vivos, etc. Todo produto ideológico é uma parte da realidade social material em torno do homem, um aspecto do horizonte ideológico materializado. Qualquer coisa que uma palavra possa significar, ela está antes de mais nada materialmente presente, como coisa enunciada, escrita, impressa, sussurada ou pensada. Ela estabelece uma relação entre indivíduos, que é objetivamente expressa nas reações combinadas das pessoas: reações em palavras, gestos, atos, organizações etc. O intercurso social é o 'médium' no qual o fenômeno ideológico primeiro adquire sua existência específica, seu significado ideológico, sua natureza semiótica.” Em suma: “Se a natureza específica do material ideológico-semiótico é ignorado, o fenômeno ideológico estudado cai na simplificação. Ou só o seu aspecto racionalista, seu lado do conteúdo, é notado e explicado, e então esse aspecto é correlacionado com a base econôcica; ou, em oposição, apenas o aspecto técnico, exterior é destacado, e então esse aspecto é derivado diretamente do nível tecnológico da produção. Esses dois modos de derivar a ideologia da base perdem a essência real do fenômeno ideológico.”
Visto que não apenas a ideologia não pode ser divorciada da realidade material do signo, sob pena de se fazer cair o estudo das ideologias na fluida região idealista e elusiva da consciência (individual, coletiva, ou de classe, pouco importa neste caso), como também o estudo dos signos não pode “ser divorciado das formas concretas do intercurso social, devendo-se perceber que o signo é parte de um instrumento social organizado”, onde se defrontam agentes coletivos, e “não pode existir fora dele, sob pena de se reverter num mero artefato físico.” Não é por acaso que o problema do significado tem configurado neste século uma verdadeira 'via crucis' da linguística, 'via crucis' que as peripécias dos semanti-cistas pós-chomskianos (lexicalistas e lógicos) mais têm servido para escamotear. E isto porque a linguística tem persistentemente ignorado o fato de que todo e qualquer signo é por natureza ideológico-histórico-social, pois que tem seu modo próprio de dizer a realidade, refletindo-a e refratando-a de uma certa maneira e numa certa medida.
E aqui retomamos o problema das ciências da linguagem. Uma ciência da linguagem — seja ela linguística, semiologia, semiótica, teoria da literatura, teorias da comunicação, etc. — que se isole na torre de marfim de sua forjada independência, escamoteando ou evitando defrontar-se com o fato de que todo produto cultural é objeto de intercurso social, visto que este é o 'médium' no qual o fenômeno cultural primeiro adquire sua existência específica, seu significado ideológico e sua natureza semiótica, essa ciência tende a desenvolver uma auto-idolatria narcísica e fetichização.
Cumpre aqui lembrarmos que estamos cônscios de que os pontos fundamentais do que pretendemos aqui levantar, a partir de Volosinov e Medvedev, estão de certa forma também presentes num artigo de Veron de 1970:35 primeiro, a crítica aos estudos ideológicos que tomam a linguagem como um dado, mero instrumento óbvio e inocente e que, ao assumirem um suporte teórico psicológico de interpretação, remetem-se a mecanismos de personalidade, caindo na subjetivização; segundo, o fato de que “nenhum setor do que, no plano da manifestação, podemos chamar o ‘universo dos discursos sociais’, fica excluído da pertinência definida por uma investigação do processo ideológico, nem mesmo o discurso das ciências”, terceiro, o embasamento dos estudos de ideologia, de um lado, na ciência das linguagens ou semiótica e vice-versa e, de outro lado, o fato de que “uma teoria do proceso ideológico não pode separar-se da teoria marxista enquanto teoria econômica.” Esta frase
de Veron está, aliás, bem próxima da de Medvedev: “O domínio da diversidade material e da geração histórica do fenômeno ideológico é insolúvel, e mesmo contraditório em
qualquer outra base que não o materialismo dialético."
Liza Bastos Duarte
From: sgsouza <sgs...@yahoo.com.br>
Reply-To: HERM...@googlegroups.com
To: Grupo de Estudos de Hermenêutica Jurídica <HERM...@googlegroups.com>
Subject: Riscos da Hermenêutica
Date: Fri, 04 May 2007 07:30:06 -0700
Liza Bastos Duarte
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Subject: Riscos da Hermenêutica
Date: Fri, 04 May 2007 07:30:06 -0700
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