SIRENE

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hcaetano

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Mar 23, 2010, 8:28:43 PM3/23/10
to HCAETANO ~ "Além do que os olhos podem ver"
Ele era um moço criado num cortiço de frente a uma das fábricas no Rio
de Janeiro na época que se escrevia farmácia com "ph". Apesar de tudo
cresceu nobre nas afeições. Da janela de seu casebre apaixonou-se por
uma jovem operária que diariamente entrava e saia da fábrica ao som de
uma sirene. A pele dela era da cor da Lua, e a dele da cor da noite.
Embora Lua e noite vivam juntas no céu, para ele, na terra e na
sociedade daqueles anos, fazer par com ela era um sonho impossível.
Seu breve e real prazer estava em ouvir o som da sirene da fábrica. Ao
sinal para sair, sua amada aparecia mais deslumbrante que ao toque que
a chamou para entrar. Chegou o dia que a fábrica fechou. A sirene
calou-se e aquela que incendiava seu coração ele não viu mais. Para
não esquecê-la e manter vivo o fogo da paixão, não teve sossego
enquanto não se tornou um motorista de ambulância. Assim viveu seus
dias embalados pelo canto de uma sirene.

Para mim e para muitos que trabalham entre os muros de uma fábrica
como a jovem da estória, ainda é o som da sirene que nos chama pra
dentro ou convida-nos a sair. Na sua rotina, ela nos avisa a hora da
refeição, do descanso, de ir pra casa e voltar ao trabalho. Enfim,
diariamente ao seu som reorganizo a vida, até que um dia, ao som de
uma sirene celestial, vez por todas tudo será reordenado em
transbordante justiça e paz.

Muitos ao ouvir a sirene da fábrica, talvez não se sintam tão
provocados como o rapaz do nosso conto. Entretanto, pra mim, ela é
muito distinta e marcante. Não tem como ignorar. Escondida aos meus
olhos, mas escancarada aos ouvidos, as vezes ela chora melancólica.
Por vezes soa como espada - comprida e chata. No fundo, acho que ela
não muda sua canção. Sinto que é o que está dentro de mim que me faz
ouvi-la em escalas e timbres mutantes como vento. Percebo isso quanto
estou motivado ou ansioso, pois ao seu som faço uma prece: “Bendito
aquele que te despertou”... e Fred Flintstone na pedreira canta:
“Yabba-dabba-duuuu”!

Heron Caetano

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