Saudações!
Alguém já disse que todo escritor deveria estrear no segundo livro.
Concordo. Acho que toda estréia deveria chamar-se pré-estréia. Pelo
menos assim, tira-se o peso do artista ser como um sol, que brilha
desde que aparece no horizonte.
O texto a seguir é uma pré-estréia de um conto. Na verdade, um
continho, para ser lido em dois minutos. Leia como quem come uma pizza
feita por um churrasqueiro. Talvez assim você não espere muito dele, e
acabe gostando.
A propósito, se gostar, aproveite e compartilhe com outras pessoas. No
blog, no final do texto, há opções para compartilhar no facebook,
twitter, email etc. Se preferir, somente assinale sua reação clicando
em: Gostei, Sem graça ou Não gostei. O link para o blog é
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Obrigado e boa leitura.
Heron Caetano
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O CÚMPLICE DE LORETA
Loreta era quem mais gostava do ano novo naquela família. Na verdade,
ela gostava mesmo é do início das aulas e dos cadernos novos. Filha
caçula, tinha mais três irmãos que sonhavam, um dia, jogar futebol em
time grande.
A história deles é curta. Um entrou na escola militar, casou moço e
aposentou na polícia. Outro forjou casamento de papel passado com uma
neta de japonês para trabalhar no Japão, ganhar em dólar e voltar ao
Brasil. Não voltou. Morreu em um terremoto. E por fim, o mais velho,
abriu um mercadinho no bairro. Prosperou e hoje é dono de casa na
praia, onde passa a maioria dos dias. Nenhum virou jogador de clube de
elite.
A sina de Loreta, a menina que sonhava com o primeiro dia de aula,
foge do trivial. Um prazer sem explicação tomava conta dela ao abrir a
primeira folha de um caderno. Olhava sua brancura riscada pelas linhas
que esperavam suas palavras. Pousando as mãos sobre a folha, suspirava
o cheiro de papel novo e sonhava com as letras. Ela sabia que estava
diante de algo que seria mais que um amigo durante o ano, seria seu
cúmplice.
Nos cantos das páginas, escrevia suas obrigações e a lida de ajudar no
cuidado da casa e do avô doente. Para dar sabor aos seus dias,
cuidava de comprometer-se com as palavras em seu caderno. Combinava
com elas que faria o necessário, mas quando possível, iria alem. Levar
o avô para a quimioterapia era preciso. No caminho e na espera da vez,
fazia algo a mais, enchendo o ouvido e coração do velho com histórias
de cavaleiros e dragões libertando povos oprimidos. Na cozinha de todo
dia, cortar cebolas transformava-se na arte de deitar anéis de
cristais sobre saladas de encher os olhos.
Enquanto isso, a caneta ganhava as bordas do caderno e páginas
escondidas, traçando como fazer o melhor possível para aqueles dias.
Entretanto, para o futuro mais distante, as palavras vestiam-se de
profecia, pintando um quadro praticamente impossível para aquela
adolescente mirrada.
Mais tarde conheceu Genésio, que fazia campanha para vereador. Genésio
ganhou a eleição - e a Loreta como namorada. Noivaram e casaram
enquanto a carreira do político subia como foguete de São João. Virou
diplomata e foi morar com a esposa na Europa. Na terra do povo de
olhos e pele clara, Loreta escreveu livros e mais livros para
crianças, ao lado de seus cadernos, cúmplice do necessário, do melhor
possível e do impossível.
Heron Caetano
www.hcaetano.blogspot.com
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