gírias evangélicas

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Anderson Silva

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Mar 17, 2010, 7:27:22 AM3/17/10
to Grupo de Mocidade Rosa de Sarom
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A língua dos crentes
Expressões e gírias típicas formam o evangeliquês, o idioma corrente
nas igrejas
“Varão, o culto foi um fluir de Deus. Estava todo mundo no óleo. Só
tinha vaso de bênçãos!” Se você é um leitor minimamente acostumado com
o dia-a-dia das igrejas evangélicas, certamente já ouviu conversas
deste tipo. Trata-se do evangeliquês, conjunto de jargões usados por
crentes que, na falta de termos para descrever suas experiências
espirituais, preferem cunhar as próprias expressões. É quase como um
dialeto, ininteligível para quem é do mundo – perdão, para aqueles que
não seguem a Jesus, também chamados de ímpios. Ou mesmo filisteus,
epíteto pouco conhecido que se tornou, para muitos crentes, sinônimo
de gente distante de Deus. Ah, sim – filisteus, no Antigo Testamento,
eram um povo inimigo de Israel, sabia?
O glossário evangélico é mais rico no segmento pentecostal, onde a
espontaneidade dos cultos e a maior abertura para manifestações
sobrenaturais criam toda sorte de situações inusitadas. “Levita”, por
exemplo, não é conjugação do verbo levitar. Trata-se do crente que
exerce alguma atividade ligada à música congregacional, seja cantando
ou tocando instrumentos. E “entrar na carne”, expressão usada para
classificar o crente pouco zeloso de sua santidade? Um ouvinte menos
avisado poderia pensar que se trata de almoçar numa churrascaria. Bem
mais hermético é o tal “mover de Deus”, que se tornou popularíssimo
nas igrejas nos últimos anos. Ele não significa, evidentemente, que o
Todo-Poderoso esteja dando uma voltinha por aí, e, sim, que o Senhor
está agindo de maneira mais efetiva e marcante no meio do seu povo.
Criativas e meio esquisitas, as gírias evangélicas surgem para
descrever situações vividas, quase sempre, nos cultos. Brados,
interjeições e onomatopéias curiosíssimas são passadas de boca em
boca, mesmo com bases teológicas e hermenêuticas eventualmente
questionáveis. Até quem é mestre na língua portuguesa acaba franzindo
a testa diante do evangeliquês. “Olha, não entendi absolutamente
nada”, admite o respeitado professor Pasquale Cipro Neto, apresentador
de TV e rádio e colunista do jornal Folha de São Paulo. Pasquale
tornou-se nacionalmente conhecido por tirar dúvidas e citar
curiosidades sobre o vernáculo tupiniquim. Mas, diante de algumas
gírias evangélicas que lhe foram passadas pela reportagem, ficou na
mesma: “Sem conhecer o significado de alguns termos, não dá”, resigna-
se, bem humorado. A palavra “jargão” surgiu entre os séculos 12 e 13,
e era empregada para descrever o gorjeio dos pássaros, cujo
significado, evidentemente, ninguém sabia. Mais tarde, virou sinônimo
do linguajar dos marginalizados, como pedintes ou ladrões,
assemelhando-se ao que hoje chamamos de gírias. No século 19, com o
início dos estudos sociolingüísticos, houve a curiosidade de se
entender os jargões como um tipo de suplemento ao vernáculo, a língua
padrão, geralmente usado por grupos específicos. Entre os lingüistas,
há quem considere a gíria como uma doença do idioma, mas, em geral,
ela é bem aceita. Afinal, as línguas evoluem por meio dos neologismos,
palavras novas que surgem e, depois de algum tempo, acabam se
popularizando.

Canela-de-fogo – “Isso não é um privilégio somente dos evangélicos”,
explica o professor Pasquale. Segundo ele, é comum que pessoas que
formam segmentos sociais ou exercem a mesma profissão tenham um
vocabulário próprio. É uma forma de identificação e, em alguns casos,
afirmação. O crente que manifesta muitos dons espirituais, por
exemplo, costuma ser chamado de “irmão de poder” – o poder, no caso, é
o de Deus, que age por intermédio daquele indivíduo. Algumas
expressões já se tornaram clássicos do jargão evangélico, como “Tá
amarrado” – empregado, geralmente, para repreender uma atitude
considerada pouco cristã ou mesmo exorcizar um demônio –,
“Misericórdia” (interjeição usada diante de uma situação ruim) ou a
famosa “Cajadada”, que nada mais é do que uma pregação mais dura por
parte do pastor.
Agora, alguém aí já ouviu falar em “canela-de-fogo”? Essa é nova. Quem
tenta explicar o significado é o estudante Leonardo Cardoso, 19 anos,
membro da Igreja Batista Shalom, em Curitiba (PR). Ele se apresenta
como um fiel canela-de-fogo. “A canela é a parte do corpo que
utilizamos para nos deslocar em diversos lugares. Sendo assim, creio
que, onde eu passar, o fogo de Deus vai junto”, resume. Convertido há
um ano e meio, o rapaz usa e abusa das gírias evangélicas, e ainda
encontra uma justificativa, digamos, espiritual: “Talvez, para algumas
pessoas, pode ser que esses termos tenham sido edificantes. Isso é o
que vale”. Leonardo reconhece que, algumas vezes, não é bem entendido
no que fala, mas que seu uso é uma opção de cada um. E ainda é
biblicamente correto: “Não podemos julgar ninguém”.
Atento a esse tipo de palavreado, o professor Nataniel dos Santos
Gomes, 30 anos, decidiu lançar um olhar mais acadêmico sobre a
questão. Mestre em lingüística pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, ele até já organizou uma mesa-redonda sobre o tema no
Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. “Eu estudo o tema
ocasionalmente, mais por curiosidade e por uma necessidade de tentar
caracterizar nosso falar”, explica ele, que é evangélico, membro da
Comunidade de Jesus e secretário da Aliança Bíblica Universitária no
Rio de Janeiro.
Segundo Nataniel, os jargões evangélicos surgiram a partir do uso do
texto sagrado da Bíblia, escrita em outra cultura, num outro tempo e
por outro povo. “O uso freqüente faz com que acabemos utilizando tais
expressões como nossa identidade. São formas vernaculares que boa
parte da população desconhece”, explica. Mas para ele, é necessário
cuidado no uso recorrente deste tipo de vocábulo. “Parece-me que o
abuso no emprego de jargões cria uma barreira entre cristãos e não-
cristãos, inclusive, com um vocabulário que identifica aqueles que
dominam e os que não dominam o falar ‘espiritual’”. O professor aponta
também uma ligação entre a teologia da prosperidade e o uso de alguns
tipos de expressões, que segundo ele, são usadas fora do contexto
correto. “Elas fazem parte do contexto de Israel no Velho Testamento e
acabam brandidas de forma irresponsável, como aquela que diz que os
cristãos ‘são cabeça e não cauda’”, critica.

Cultura evangélica – De fato, é das páginas do Antigo Testamento que
surgem muitos verbetes do evangeliquês. “Golias”, por exemplo. Segundo
a Bíblia, este era o nome de um gigante filisteu que afrontava o povo
de Israel. Ele foi morto em combate, de maneira heróica e milagrosa,
por Davi. Hoje, quando os crentes falam em “golias”, geralmente estão
se referindo a uma situação perigosa ou ameaçadora – portanto, não se
assuste se alguém lhe disser: “Estou com um golias na minha vida”. E
há algumas expressões que caíram no uso corrente até mesmo fora da
igreja. “Rainha de Sabá” tornou-se sinônimo de opulência e ostentação.
Tudo por causa do episódio em que a rainha de Sabá, um reino da
antigüidade, visitou o rei hebreu Salomão carregada de tesouros. A
história está narrada em I Reis 10.
Para Nataniel, os jargões são parte da identidade evangélica, e não
usá-los é praticamente impossível para os crentes. “As conversas entre
os irmãos, os textos bíblicos e os cânticos evangélicos estão
impregnados destes termos”, avalia. Isso sem falar que algumas
expressões viraram até grife. “Gospel”, por exemplo, é a palavra
inglesa para evangelho, e durante muito tempo designou a música cristã
negra americana. Mas, de uns tempos para cá, vem sendo utilizada à
larga para caracterizar tudo o que diz respeito aos evangélicos,
sobretudo à música. Outra expressão popularíssima, “Deus é fiel”, pode
ser encontrada numa infinidade de produtos, como camisetas, canetas,
adesivos para carro, agendas e até fraldas de bebê, gerando uma
verdadeira indústria. Tanto é que “Gospel” e “Deus é fiel” viraram
marcas registradas e licenciadas pela Igreja Renascer em Cristo, uma
denominação neopentecostal com sede em São Paulo.
Mas a maioria dos termos do evangeliquês são usados espontaneamente,
para definir uma característica pessoal ou um estado de espírito.
Quando se fala em “vaso”, por exemplo, o crente pentecostal não se
refere àquele recipiente para plantas. Nas igrejas avivadas, “vaso” é
a pessoa que costuma, por meio de dons espirituais como a revelação ou
profecia, ser usada por Deus. É uma associação com algumas passagens
bíblicas que falam em vasos e oleiros, sempre no sentido de plenitude
espiritual. E é ao “vaso” que muitos recorrem para pedir oração ou
conselhos. Cristiane de Jesus Silva Ferreira, de 31 anos, membro da
Assembléia de Deus da Cidade Patriarca, em São Paulo, é apontada em
sua igreja como um “vaso” de oração. Ela rejeita o rótulo. “Todos
somos vasos da parte de Deus. Ninguém é melhor que seu irmão”
desconversa. Mas Cristiane confirma que tem um ministério de
intercessão e que, volta e meia, é chamada para orar por alguém.
Para Mário César Moreno Marchini, 44 anos, pastor da Igreja do
Evangelho Quadrangular na Penha, em São Paulo, é necessário que o
crente use essas palavras com bom senso. “A Bíblia nos orienta a
crescer na graça e no conhecimento. Então, não podemos usar certas
expressões sem conhecer seu real significado”. Em seus 19 anos como
pastor evangélico, ele garante ter passado por várias situações
cômicas. “Uma vez, enquanto pregava sobre a necessidade do
arrependimento dos pecados, uma irmã gritou bem alto: ‘Queima,
Jesus!’. Tive de me segurar para não rir e terminar a pregação”,
relembra rindo. Para ele, o emprego do evangeliquês é normal: “É
apenas uma forma de os irmãos se expressarem. Já faz parte de nossa
cultura”. (Colaborou Carlos Fernandes)

Conheça algumas expressões correntes no meio evangélico:
Avivalista: É aquele pregador que incendeia a igreja com suas
mensagens de poder
Cajado puro: Quando o pregador é duro no seu discurso contra o pecado
ou a acomodação da igreja, diz-se que foi “cajado puro”. Afinal, os
pastores usam cajados para guiar e, eventualmente, castigar as ovelhas
de seu rebanho.
Do mundo: Diz-se acerca das pessoas que não são crentes. Também
designa atitudes, situações ou lugares evitados pelos evangélicos.
Boate, por exemplo, é considerado um ambiente “do mundo”
Espinho na carne: É qualquer dificuldade na vida do crente – doença,
desemprego, familiar não-convertido etc. A expressão foi empregada
pela primeira vez pelo apóstolo Paulo
Fluir Muito popular ultimamente, o vocábulo abrange uma série de
significados. Pode ser o “fluir de Deus”, quando Ele está se
manifestando; o “fluir do louvor”, quando as pessoas sentem-se
abençoadas pelas músicas, e por aí vai
Fogo: É o símbolo do poder do Espírito Santo. Portanto, o crente que
brada: “Derrama fogo, Senhor!” não é um piromaníaco. Está apenas
pedindo ao Senhor que mostre seu poder no meio da congregação
Geazi: Personagem do Antigo Testamento, era aprendiz do profeta
Eliseu. Por associação de idéias, diz-se daqueles crentes que procuram
se inspirar e buscar orientações com irmãos mais experientes e
consagrados na fé
Golias: Ver espinho na carne. O termo é inspirado no gigante Golias,
que afrontou o nome do Senhor e acabou decapitado por Davi
Gospel: É uma das mais corriqueiras expressões do evangeliquês. Virou
quase sinônimo de evangélico; assim, temos música gospel, eventos
gospel, indústria gospel, shows gospel etc
Ímpio: É o não-crente, aquele que não segue a Jesus
Inimigo: O diabo. Eufemismo usado para evitar o uso de termos como
demônio ou Satanás
Levita: Geralmente, é o indivíduo que se dedica ao louvor
congregacional
Maná: É o alimento com que o Senhor sustentou o povo de Israel no
deserto, após a fuga do Egito. Muitos evangélicos usam este termo para
referir-se a uma coisa boa,
agradável
Ministério: É a atividade, geralmente voluntária, exercida pelo crente
na igreja. Os mais conhecidos são os ministérios de louvor ,
evangelismo, visitação, do ensino ou da Palavra (pregação)
No Espírito: Diz-se do ato de pautar as atitudes de acordo com a
vontade divina. Por exemplo: “Falar no Espírito” quer dizer que a
pessoa falou conforme orientação de Deus Na carne: O contrário de “no
Espírito”. Significa que a pessoa está sendo motivada por seus
próprios interesses
Obra: Na igreja, nada tem a ver com cimento ou areia. É apenas uma
forma de se chamar qualquer serviço prestado à causa evangélica
Ô, glória!: É um brado de entusiasmo, empregado em situações de
alegria ou êxtase espiritual
Queima, Jesus!: Interjeição típica dos pentecostais. É empregada para
repelir qualquer situação considerada pecaminosa ou oposta à vontade
de Deus
Repepé: Reunião avivada, onde o poder de Deus se manifesta. Trata-se
de uma onomatopéia das línguas estranhas que os pentecostais atribuem
a um dom do Espírito Santo
Sair do Egito: Expressão baseada no relato do Êxodo, quando o povo de
Israel foi liberto da escravidão naquele país. Portanto, significa
deixar para trás alguma provação
Subir o monte: Nada a ver com alpinismo. Trata-se de um jargão que se
refere ao ato de buscar a Deus de maneira intensa. É inspirada no
Antigo Testamento, onde homens, como Moisés, subiram montes para ficar
face a face com Deus. Por vezes, tem significado literal: crentes
sobrem montes para orar
Tá amarrado: O famoso bordão é usado para anular as forças das trevas.
Também pode ser empregado para esconjurar pessoas ou situações
contrárias à vontade de Deus
Tribulação: Período de dificuldades na vida do crente Tomar posse da
bênção: Expressão característica da chamada confissão positiva ou
teologia da prosperidade. É a atitude do evangélico que, pela fé, age
como se já tivesse recebido o esperado benefício divino
Varão: O mesmo que homem. É uma espécie de elogio – quando se chama
alguém de “varão de Deus”, geralmente se quer dizer que a referida
pessoa é um crente espiritual
Vaso de bênção: É o crente dedicado ao ministério da oração ou usado
por Deus com manifestações sobrenaturais
Voto: É o compromisso, ou pacto, que o crente faz com Deus. Pode ser
em busca de uma bênção ou para traçar alguma meta espiritual


Revista Eclesia
Marcelo Santos

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