FW: [docentes] "O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem"

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Fernando Ramos

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Jul 17, 2014, 8:25:33 AM7/17/14
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Sendo professor universitário e funcionário público, tenho sentido nos últimos anos “na pele” as medidas “de austeridade” do governo. E devo dizer que – perdoando-se-me o facto de falar um pouco como juiz em causa própria –, embora ache ser em parte injusta a forma como estão a ser distribuídos os sacrifícios (há uns que são sempre muitos fáceis de atingir; enquanto outros parecem ser inatingíveis), devo dizer que até tenho concordado com boa parte das muitas medidas polémicas que o governo tem tomado. Considero, de facto, que o País (como um todo, não só parte) tem vivido “acima das suas possibilidades”. Décadas a consumir bastante mais do que aquilo que se produz não é, naturalmente, sustentável, e redunda nestes défices elevados, nas dívidas exorbitantes e sempre crescentes, e nos pedidos de empréstimo, uns atrás dos outros. Até um dia.

 

Bom, grande intróito apenas para dizer que, apesar de tudo isto, a razão que me leva a, com elevada probabilidade, não votar neste governo nas próximas eleições, prende-se quase exclusivamente com uma razão: o lento morrer da investigação em Portugal, e da Universidade. (Mais uma vez, juiz em causa própria, não há como evitar – a “porrada” vem de todos os lados.) As más políticas neste campo são demonstrativas de que este governo não pensa o País a médio/longo prazo, optando pelo curto prazo (importante mas insuficiente) e não pensando de forma estratégica o País. As avaliações das unidades de investigação são o último caso (gritante) do que falo, e por isso partilho o artigo em baixo – é essa a razão deste e-mail.

 

Um Governo que opta por – tal como na Cultura – não ter um ministro para a Ciência e Ensino Superior – o nome “Ministério da Educação e Ciência” é enganador, já que Nuno Crato não trata de Ciência e, de Educação, só trata do Básico e Secundário (o que por si só, de facto, merece um ministério) – é bem demonstrativo da tal falta de estratégia que aqui aponto.

 

Abraço,

 

Fernando

 

From: docentes...@listas.di.ciencias.ulisboa.pt [mailto:docentes...@listas.di.ciencias.ulisboa.pt] On Behalf Of Fernando Ramos
Sent: quarta-feira, 16 de Julho de 2014 10:42
To: doce...@listas.di.ciencias.ulisboa.pt
Subject: [docentes] "O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem"

 

O número de artigos a criticar o processo de avaliação das unidades de investigação da FCT tem-se multiplicado nos últimos dias nos jornais. Só nos últimos dois dias apareceram 4 artigos de opinião no Público que são demonstrativos dos problemas de diversa índole que têm afectado o processo. Houve um que me chamou a atenção pois parece ser um excelente sumário de toda a situação. É do José Vitor Malheiros, e partilho-o em baixo. (Os destaques a negrito são meus.)

 

Abraço,

 

Fernando

 

O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem

José Vitor Malheiros

 

Nuno Crato sempre foi um crente no poder dos exames. Para Crato, basta colocar um exame no final de um ciclo de ensino para se obter uma melhoria automática na qualidade desse ciclo de ensino. Porquê? Porque o sistema se ajusta automaticamente a esse obstáculo e se reorganiza de forma a superar essa prova.

Vem isto a propósito da avaliação das unidades de investigação, que está a ser levada a cabo pela European Science Foundation (ESF) por encomenda da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), instituição sob tutela de Nuno Crato, e onde os resultados da primeira fase foram desastrosos para as unidades avaliadas. Das 322 unidades avaliadas, apenas 168 passaram à segunda fase de avaliação e, das restantes, 83 tiveram a classificação de “Bom”, uma classificação fraca, que se traduzirá num financiamento residual, e 71 unidades foram já excluídas de qualquer financiamento futuro. Esta avaliação deu origem a um clamor nacional que não se limitou a contestar os resultados. Unidades de investigação e investigadores vieram denunciar irregularidades várias nesta avaliação, como o facto de certas unidades terem tido más avaliações apesar de os indicadores em que essa avaliação se baseou serem excelentes, o facto de unidades avaliadas como excelentes nas avaliações anteriores terem sem explicação passado a ser classificadas como fracas, o facto de muitos avaliadores fazerem afirmações factualmente falsas sobre as unidades que avaliaram, o facto de as comissões não possuírem especialistas de muitas das áreas que avaliaram, o facto de muitas das unidades terem sido avaliadas por uma maioria de não-especialistas da área avaliada, o facto de ser evidente um enviesamento ideológico em algumas das avaliações feitas, etc..

Se o objectivo da FCT e de Nuno Crato fosse fazer uma avaliação honesta das unidades de investigação, qualquer uma destas reclamações deveria ter acendido uma luz vermelha e dado origem a uma fiscalização rigorosa do processo. Mas não deu. Em resposta à chuva de críticas documentadas que recebeu, a FCT veio apenas dizer que reitera “a sua total confiança na robustez do exercício de avaliação das Unidades de Investigação” e que os critérios de avaliação definidos “foram escrupulosamente cumpridos”.

Paremos para respirar.

Se a FCT considerasse, de facto, que a avaliação tinha sido bem feita, deveria ter ficado em estado de alerta vermelho antes mesmo de receber as reclamações, no exacto momento em que recebeu os resultados da primeira fase da avaliação. E deveria ter ficado alarmadíssima porque estes resultados significam que metade das unidades de investigação do país são medíocres, que um quarto deve ser objecto de execução sumária e que outro quarto vai ser condenada a uma morte lenta – o que, seja qual for a razão, constitui um cataclismo de proporções gigantescas, com impactos em todos os sectores da vida nacional. E deveria também ter ficado alarmadíssima porque estes resultados contrariam frontalmente resultados de avaliações anteriores, feitas sob a sua responsabilidade, que desenhavam uma panorama muito diferente, o que significava que ela própria, FCT, tinha sido clamorosamente incompetente. Mas não. A FCT parece considerar estes resultados como normais e esperados, defende a avaliação e os avaliadores com unhas e dentes e não faz sequer nenhum comentário sobre a substância da avaliação. E o mesmo faz aliás Crato, que desde a sua tomada de posse parece ter tanto a ver com a investigação portuguesa como o pato Donald.

Imaginemos, por um momento, que o presidente da FCT, Miguel Seabra, está de boa-fé e considera que a ESF fez bem o seu trabalho e que, por conseguinte, metade da investigação portuguesa deve ir para o lixo. O que seria normal que a FCT fizesse? Miguel Seabra parece esquecer-se de que a FCT é responsável pela investigação nacional e que lhe compete garantir a gestão e o desenvolvimento do sistema. Se Miguel Seabra acha que metade do sistema está podre, deveria lançar uma operação de emergência para o recuperar e tentar envolver nela todos os parceiros necessários – em vez de o deitar para o lixo de uma penada. Trata-se de organizações, de pessoas, de investimentos e de saber acumulado que constitui um património nacional. Mas é possível que, tal como Crato, Seabra pense que, para melhorar um sistema, basta colocar um exame no fim, chumbar o máximo de avaliados e esperar a resposta automática. Dá certamente menos trabalho e uma grande quantidade de chumbos pode dar uma ideia de exigência.

 

De uma coisa podemos ter a certeza: a contratação de uma grande organização internacional não é garantia de qualidade. Mas é natural que, também quanto a isto, Miguel Seabra tenha uma opinião diferente, já que foi recentemente eleito presidente da Science Europe, a organização que vai suceder à European Science Foundation que ele contratou.

Tiago Meireles

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Jul 17, 2014, 10:15:33 AM7/17/14
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já tinha ouvido dizer que o IT baixou de Excelente para bom, e começo agora a perceber o enredo desta trama, querem mesmo acabar com metade do Ensino Superior e manter só 3 ou 4 universidades e centros de investigação...
triste, muito triste, porque isto vai sair muito muito caro ao país, serão décadas para recuperar o que se está a destruir...
um abraço,
Tiago

João Xico

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Jul 21, 2014, 8:09:57 AM7/21/14
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Depois de alguma resistência, a FCT deu a conhecer o contrato que estabeleceu com a ESF, e percebe-se melhor a integridade científica da coisa: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/avaliacao-dos-centros-de-investigacao-definia-a-partida-que-metade-ficaria-logo-pelo-caminho-1663509?page=-1

É um caso gravíssimo de falta de visão deste governo aliada a desonestidade política, mas infelizmente não me parece que seja o primeiro ou o principal. Governar com base em radicalismo ideológico disfarçado de lei da natureza, xenofobia contra o próprio povo e moralismo bacoco tem sido a grande marca desta gente. Governação punitiva é uma coisa que me parece ligeiramente ao lado das possibilidades de uma democracia.

Abraços!

Fernando Ramos

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Jul 21, 2014, 8:57:51 AM7/21/14
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Oh, mas o presidente da FCT vem dizer:

 

Muitos investigadores têm-nos dito que nunca tiveram uma avaliação tão boa e justa, mesmo nos casos em que as notas não foram o que esperavam” (estou já com a lágrima no canto do olho) e que a comunicação social é que tem a culpa, porque “têm dado imensa voz àqueles que estão descontentes” (algo absolutamente criticável na comunicação social, claro, porque ela devia só dar notícias alegres e felizes desse Portugal ideal).

 

Seria de rir se este senhor não tivesse o poder de acabar com boa parte da Ciência que se faz no nosso País. Como dizia o José Vitor Malheiros numa outra crónica, relativamente ao dito:

 

“Uma das razões por que se deve ser prudente com a mania da excelência é porque um investigador não faz a mesma coisa durante toda a sua vida e pode nem sequer dedicar-se durante toda a vida à mesma área científica. Um investigador que é apenas bom numa dada função pode ser excelente noutra e vice-versa. Tomemos um exemplo prático: Miguel Seabra tem a reputação de ser um excelente investigador na sua área, mas decidiu a dada altura enveredar pela gestão da investigação, onde demonstra uma performance medíocre. É admissível que uma pessoa menos brilhante na investigação médica fosse melhor como gestor de investigação, com ganhos para todos.”

 

Abraço,

 

Fernando

Jorge Loura

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Jul 22, 2014, 2:06:30 PM7/22/14
to Forum Nando
Amigo Fernando, duas perguntas:

1 - Porque é que cortes transversais a quase todas as áreas, aliados a uma carga fiscal alucinante que torna cada vez mais inviável manter ou criar uma pequena/média empresa, são vistos como inevitabilidades que castigam um país que andou a viver acima das suas possibilidades, e ao mesmo tempo os cortes na investigação são vistos como falta de visão e estratégia?

2 - Porque é a que a dívida não pára de crescer?

Abraço,

Jorge Loura
Abraços!
 
Se o objectivo da FCT e de Nuno Crato fosse fazer uma avaliação honesta das unidades de investigação, qualquer uma destas reclamações deveria ter acendido uma luz vermelha e dado origem a umafiscalização rigorosa do processo. Mas não deu. Em resposta à chuva de críticas documentadas que recebeu, a FCT veio apenas dizer que reitera “a sua total confiança na robustez do exercício de avaliação das Unidades de Investigação” e que os critérios de avaliação definidos “foram escrupulosamente cumpridos”.


Paremos para respirar.

Se a FCT considerasse, de facto, que a avaliação tinha sido bem feita, deveria ter ficado em estado de alerta vermelho antes mesmo de receber as reclamações, no exacto momento em que recebeu os resultados da primeira fase da avaliação. E deveria ter ficado alarmadíssima porque estes resultados significam que metade das unidades de investigação do país são medíocres, que um quarto deve ser objecto de execução sumária e que outro quarto vai ser condenada a uma morte lenta – o que, seja qual for a razão, constitui um cataclismo de proporções gigantescas, com impactos em todos os sectores da vida nacional. E deveria também ter ficado alarmadíssima porque estes resultados contrariam frontalmente resultados de avaliações anteriores, feitas sob a sua responsabilidade, que desenhavam uma panorama muito diferente, o que significava que ela própria, FCT, tinha sido clamorosamente incompetente. Mas não. A FCT parece considerar estes resultados como normais e esperados, defende a avaliação e os avaliadores com unhas e dentes e não faz sequer nenhum comentário sobre a substância da avaliação. E o mesmo faz aliás Crato, que desde a sua tomada de posse parece ter tanto a ver com a investigação portuguesa como o pato Donald.

Imaginemos, por um momento, que o presidente da FCT, Miguel Seabra, está de boa-fé e considera que a ESF fez bem o seu trabalho e que, por conseguinte, metade da investigação portuguesa deve ir para o lixo. O que seria normal que a FCT fizesse? Miguel Seabra parece esquecer-se de que a FCT é responsável pela investigação nacional e que lhe compete garantir a gestão e o desenvolvimento do sistema. Se Miguel Seabra acha que metade do sistema está podre, deveria lançar uma operação de emergência para o recuperar e tentar envolver nela todos os parceiros necessários – em vez de o deitar para o lixo de uma penada. Trata-se de organizações, de pessoas, de investimentos e de saber acumulado que constitui um património nacional. Mas é possível que, tal como Crato, Seabra pense que, para melhorar um sistema, basta colocar um exame no fim, chumbar o máximo de avaliados e esperar a resposta automática. Dá certamente menos trabalho e uma grande quantidade de chumbos pode dar uma ideia de exigência.

Faber Campos (GMAIL)

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Jul 22, 2014, 3:17:30 PM7/22/14
to forum-d...@googlegroups.com

Essas eu sei.

1 - Porque fomos declarados falidos;

2 – Porque a não ser que passássemos a ter super avit é preciso pedir dinheiro para pagar aos credores que financiam o défice, e a “esquerda”, quando oposição, não quer saber do défice e nem sequer quer uma regra de ouro que o limite.

Fernando Ramos

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Jul 23, 2014, 5:48:10 AM7/23/14
to Fórum do Nando
Amigo Brutalíssimo,

1 - Porque cortes na investigação são, de facto, falta de visão e estratégia. Isso é um facto. Científico.

(Dás a entender, erradamente - admito que forma não intencional - que eu acho bem os cortes todos e que estes são “inevitabilidades que castigam um país”. Reforço que eu falei em sustentabilidade, não falei em castigo. Aliás, só se fosse masoquista é que gostava dos cortes que me reduziram o rendimento disponível uns 30% ou mais nos últimos 3 anos! Eu até tornei explícito que considero injusta a forma como os sacríficios estão a ser distribuídos.)

2 - Porque a nossa economia não é sustentável. E, claro, quanto maior a dívida, maior a “velocidade” a que ela cresce (mesmo assumindo taxa de juro fixa, o “Ministério do Serviço da Dívida” tem um peso sempre crescente).

Abraço,

Fernando
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