Fernando Ramos
unread,Feb 20, 2015, 7:24:25 AM2/20/15Sign in to reply to author
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Um excelente artigo do Vasco Pulido Valente, hoje no Público:
"D. Pedro V, Portugal e a Grécia"
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Excepto Jorge Almeida Fernandes neste jornal e José Manuel Fernandes no
Observador, que se deram ao trabalho de estudar antes de escrever, toda a
gente fala na Grécia sem saber o que foi ou o que é a Grécia; e toda a gente
compara Portugal com a Grécia por causa de embaraços financeiros vagamente
comuns.
Para meu espanto, esta comparação tem uma curiosa história. Por volta de
1860, um escritor francês, Edmond About, publicou um livro de viagens que se
chamava A Grécia Contemporânea, que, a julgar pelo número de citações, se
vendeu muito bem em Portugal. O próprio rei, D. Pedro V, o leu; e não só o
leu mas também aplicadamente o anotou à margem. E quando morreu, em 1861,
não se sabe como o exemplar dele circulou para grande felicidade da oposição
ao “fontismo”. Porquê?
Porque D. Pedro V, uma criatura melancólica, a cada aberração que About
contava da Grécia, indicava estudiosamente ao lado a aberração correlativa
em Portugal. Aos políticos gregos dava os nomes dos seus semelhantes
portugueses. Onde se contava a “indignidade”, a corrupção e a trapacice da
política grega, ele ia registando exemplos de cá. Até ao lado da história de
um ministro da Fazenda (das Finanças) grego que era ladrão, ele não se
esquecia de um ministro da Fazenda português com o mesmo cadastro. Como o
rei, Eça e Ramalho e o grosso da “inteligência” da época achavam que o livro
de About era uma “descrição exacta” de Portugal, embora nós não tivéssemos
tantos salteadores, porque nas nossas montanhas não havia infelizmente nada
para roubar.
E, no entanto, a dívida pública da Grécia não passava, por essa altura, de
uma pequena fracção da dívida pública de Portugal, que excedia (em 54.000
contos) a dívida conjunta da Grécia, da Bélgica, da Suíça, da Dinamarca e da
Noruega. Portugal, que estava em paz desde 1850 e, além disso, numa longa
fase de estabilidade doméstica, devia à banca francesa e à banca inglesa (em
1882) 420.000 contos, para um orçamento de Estado de 26.000 contos (segundo
Rui Ramos, em 1890, quando tudo rebentou devia 600.000). Hoje a Grécia anda
pior do que nós. Mas no fundo não somos muito diferentes. Metemos na cabeça,
tanto uns como outros, que o mundo era responsável pelo nosso conforto e
prosperidade: uma triste ilusão que nos levou ciclicamente à pior das
misérias. Uma ilusão que não se muda com demagogia ou com chantagem, por
muito que seja o nosso descaramento e fervor.
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Abraço,
Fernando