Entrevista com a profª Ilma Passos de A. Veiga sobre PPP

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Angelo

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Feb 21, 2009, 6:08:28 PM2/21/09
to Escola Estadual Angelo Ramazzotti
"O projeto político-pedagógico tem que ter a cara de cada escola"

Na entrevista a seguir, a professora Ilma Passos de Alencastro Veiga
fala da construção do projeto político-pedagógico. Ela defende que,
sem a participação de alunos, professores, pais e comunidade, nenhuma
reformulação do projeto político-pedagógico está completa.


Não é todo dia que se recebem boas notícias do Congresso Federal. Mas
as do dia 20 de junho contrariaram os pessimistas. Em cerimônia na
Câmara dos Deputados, a Fundação Abrinq destacou, com o Prêmio
Prefeito Criança, cinco entre os vinte municípios finalistas que têm
se esforçado para criar soluções em favor de uma infância mais feliz.

Caarapó (MS) foi um dos municípios laureados. Ao virar de ponta-cabeça
sua rede de ensino, formando professores indígenas e adotando um
currículo diferenciado, a cidade viu o índice de aprovação escolar
aumentar 260% em três anos.

Entre os 20 finalistas, uma pequena cidade cearense mostrou que tinha
algo em comum com a terceira região metropolitana do país, Belo
Horizonte. Em Aracati (CE), cada escola elabora seu próprio projeto
pedagógico com a ajuda de alunos, pais e funcionários. Algo semelhante
ocorre em Belo Horizonte: o programa Escola Plural.

As três cidades são exemplos de uma revolução silenciosa por que passa
a educação brasileira. A professora Ilma Passos de Alencastro Veiga
tem estado de olhos bem abertos para isso. É ela quem afirma que a
reformulação do projeto político-pedagógico não é exclusiva do ensino
público. "Uma coisa que tem me chamado muito a atenção é o crescente
interesse da rede privada em construir uma escola de qualidade a
partir de um projeto pedagógico."

Por falta de tempo livre em sua agenda, ela chega a recusar convites
de escolas de todo o Brasil para debater o tema. São eventos que podem
reunir até 1.000 professores, como aconteceu este ano em Faxinal do
Céu (PR). Ilma Veiga tem um ritmo de trabalho pra lá de intenso para
uma professora aposentada. Além de seis pesquisas em andamento na UnB,
na área de formação de professores, ela é professora visitante da
Universidade Federal de Uberlândia (MG).

Em sua cartilha, projeto político-pedagógico rima com o envolvimento
de professores, alunos e suas famílias na administração das escolas.
Ilma Veiga dá um zero à escola padronizada e ao tratamento das
disciplinas do currículo de forma isolada. Antes que viajasse ao Piauí
para mais um debate, o Educacional lhe perguntou se ela estava em uma
verdadeira cruzada pela reformulação dos projetos político-
pedagógicos. Ao que ela respondeu sorrindo: "É, estou correndo
bastante."

Inúmeras escolas de todo o Brasil têm-se dedicado a rever suas
práticas pedagógicas, com excelentes resultados. Até que ponto isso se
deve aos avanços da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)?

Ilma Passos - O artigo 12 da LDB fala claramente que é incumbência da
escola elaborar o seu projeto pedagógico. Os artigos 13 e 14 colocam
nas mãos dos professores, supervisores e orientadores a
responsabilidade de participar da elaboração desse projeto. Com essa
incumbência prevista no artigo 12, ela está ampliando o conceito da
escola para além da sala de aula e além dos muros da escola. Você tem
que criar uma proposta pedagógica para desenvolver no aluno a
cidadania, a sua capacidade de ser como pessoa e a capacidade para o
trabalho. Isso implica em uma escola inserida em um contexto social e
que procure atender às exigências não só dos alunos, mas de toda a
sociedade.

A senhora entende que a LDB amplia o conceito de escola para além de
seus muros. Como a senhora vê as ações que visam aumentar a
participação da comunidade nas escolas?

Ilma Passos - A legislação coloca coisas excelentes sobre a
aproximação da família com a escola, mas se esquece dos mecanismos
necessários à sua operacionalização. Quando ela fala da
responsabilidade da escola em articular família e comunidade, isso
implicaria em um atendimento integral, que o professor fosse
contratado para ficar 40 horas em uma só escola, que a criança pudesse
voltar em outro turno para aprofundar sua escolaridade. Mas o
professor é contratado como horista, na maioria das vezes. Não tem um
contrato dizendo que ele deve ter 25 horas em sala de aula e 15 horas
para dedicação extraclasse. Vamos pensar em um professor de uma
criança da 3.ª série que trabalhe das 7h às 12h. Ao meio-dia, ele sai
correndo para outra escola. E você sabe que os pais não têm tempo de
ir à escola durante a semana, principalmente se eles forem de classes
populares, se eles forem operários e domésticas.

Como um educador como esse que a senhora citou vai poder conciliar a
criação de uma nova proposta pedagógica e suas atividades de ensino?

Ilma Passos - A grande problemática do professor hoje é que ele tem um
salário baixo e trabalha muito. Ele tem péssimas condições de
trabalho, com salas superlotadas. Ele fica na escola exercendo a
profissão apenas com sua formação inicial. Ou seja, se ele detém o
diploma de curso normal, ele já começa a trabalhar. Ele não tem tempo,
e muitas vezes dinheiro, para freqüentar uma universidade; ele não tem
dinheiro para comprar livros. Se ele tem um curso superior -
suponhamos, é formado em Pedagogia -, praticamente ocorre a mesma
coisa. Ele dá aula de manhã, à tarde e à noite. Então, o que está
fazendo a defasagem desse professor não é só a questão da má formação.
Ele se desqualifica dentro do processo de trabalho, sua formação tende
a se deteriorar no exercício da profissão. Você pode até fazer um
projeto com concepções bonitas, mas na hora de operacionalizá-lo o
professor não consegue colocar na prática aquilo que a teoria
recomenda. O resultado é um projeto que fica na prateleira, que foi
feito apenas para cumprir uma função ou solicitação da Secretaria de
Educação ou do próprio MEC. É um projeto feito apenas para cumprir uma
tarefa burocrática.

É esse tipo de coisa que acaba barrando a implantação de um novo
projeto pedagógico. Como se pode contornar essa situação?

Ilma Passos - Certa vez, eu ia dar um curso sobre projeto político-
pedagógico em um CAIC de Patos de Minas (MG). O curso levava três dias
e eu precisava de todos os professores e funcionários nesse período.
Então a diretora me disse: "Só que eu não posso dispensar as crianças
por três dias." Mas não adianta fazer um projeto sem ter um ponto de
partida comum, definindo o que todos querem da escola. Sem isso, você
não consegue o compromisso de todos na execução dos objetivos
definidos. Depois de uns dias, a diretora me ligou dizendo que tinha
conseguido articular um mecanismo que iria dar certo, sem ferir as
orientações da Delegacia Regional. Ela foi a uma instituição de ensino
superior da cidade e, junto com a faculdade, montou um esquema para
que os alunos de licenciatura assumissem as aulas durante os três
dias.

Além de levar em conta o exercício profissional de educadores, os
novos projetos pedagógicos enfatizam muito a importância das
diferenças regionais, até a questão da educação indígena. A senhora
acredita que se tem contemplado a evolução da família e da sociedade
brasileira?

Ilma Passos - Nessa articulação entre escola e família, a gente tem
que entender que a família hoje não é a mesma, a estruturação familiar
difere da de antigamente. Você não tem mais pai, mãe, avô, tia morando
na mesma casa ou nas proximidades. Nós temos hoje a família
“monoparental”: são os filhos com a mãe ou o pai. Além da
reestruturação familiar, nós encontramos também a mulher saindo para o
trabalho, a mulher como mão-de-obra, e no momento em que ela sai para
a sobrevivência ela deixa de atender os filhos. Quando você mora no
interior, a vizinhança até ajuda a olhar os filhos de mães que se
afastam para o trabalho, mas com o movimento da sociedade mais ampla,
com as populações muito numerosas, aquela relação de vizinhança foi
quebrada. Os filhos de pais com poucos recursos ficam mais relegados
aos irmãos mais velhos.

A senhora frisa que a definição dos novos rumos da escola depende,
além dos professores, do envolvimento de todos os que compõem a escola
em uma administração colegiada. Como isso pode ser feito?

Ilma Passos - A primeira coisa que as escolas têm que fazer é
incorporar a idéia da gestão democrática, de administração colegiada.
Dessa forma, a escola é administrada com representantes do corpo
docente, dos estudantes, dos funcionários e da direção da escola. E
teríamos também representantes dos pais e da comunidade dentro do
conselho de classe. Com cada segmento tendo a sua representatividade,
você poderia pensar em um segundo momento, em que cada segmento
estaria individualmente tentando articular suas decisões no
colegiado.

Como as Associações de Pais e Mestres poderiam se enquadrar nessa
reforma?

Ilma Passos - Além do conselho de escola, você pode ter outras
instâncias colegiadas. Nós temos também a APM (Associação de Pais e
Mestres), uma associação que congrega os pais dos alunos e cujo
presidente é eleito por eles. Essa também seria uma forma de aproximar
a escola da família. Só que a gente percebe algumas distorções no
papel da APM. Se ela tem um papel de acompanhamento do processo
educativo, sob o olhar dos pais, muitas vezes ela se transforma em
instrumento para angariar fundos para a manutenção da escola.

Que experiências bem-sucedidas nessa área a senhora destacaria?

Ilma Passos - Aqui em Brasília, nós temos o Centro Educacional Norte,
que funciona próximo à UnB e desenvolveu um projeto pedagógico
extremamente bom, com a associação funcionando, com os conselhos de
classe colegiados e com a representação estudantil restabelecida. Hoje
a gente já tem essa liberdade de resgatar a representação estudantil,
que foi abafada no período da revolução. Antigamente os grêmios eram
centros cívicos e estavam muito voltados para a Educação Moral e
Cívica. Essa escola funcionava bem, mas hoje eu estou um pouco
distanciada dessa experiência.

Que reformas um novo projeto político-pedagógico pode propor na forma
de tratar os conteúdos programáticos?

Ilma Passos - O currículo é totalmente estanque. A Matemática não
articula com a Física e a Química. A História não articula com a
Geografia. Então o que o aluno recebe como formação? Algo extremamente
fragmentado, e ele não consegue estabelecer as relações entre os
diferentes campos do conhecimento. Por que o professor de História não
pode estudar a situação geográfica e física de uma região dentro de um
período histórico? Por que o professor de Língua Portuguesa, quando
está trabalhando Literatura, não articula o texto com a história do
Brasil Colônia? O conteúdo do currículo é trabalhado de forma
totalmente isolada. Se todos os professores de Língua Portuguesa
tivessem um tempo da semana para trabalhar em conjunto, nós
evitaríamos muitos fracassos e repetições. Muitas vezes, os
professores da 5.ª série não sabem direito o que foi visto nos quatro
primeiros anos do ensino fundamental.

Como os PCN podem se inserir em um projeto pedagógico mais voltado à
vida e ser uma alternativa à “pedagogia da cópia”, citando um termo
que a senhora costuma usar?

Ilma Passos - Os PCN são um projeto neoliberal organizado por um grupo
de professores que vem de escolas de certa forma privilegiadas, e não
da escola pública. Então, se os PCN vêm no bojo de uma política
globalizada, a visão é de padronização da escola. Se eles montam um
programa e soltam para as escolas de norte a sul, de leste a oeste,
sabendo que nós temos no país cinco regiões totalmente diferentes,
evidentemente que se quer padronizar as escolas. Os PCN trazem um
discurso de proposta e, como proposta, a escola não é obrigada a
fazer. Só que quando se coloca, por trás dessa proposta, um esquema de
avaliação, ela se torna um instrumento autoritário, porque a escola
tem que cumprir, entre aspas, essa proposta. E, se a avaliação não
considera o processo, evidentemente que as escolas brasileiras vão ser
improdutivas, porque você não dá condições para que elas atinjam o
produto previsto nos PCN.

A senhora está dizendo, então, que os PCN estariam em contradição com
a LDB?

Ilma Passos - De certa forma, sim. Se a LDB diz que compete à escola
criar o seu projeto pedagógico e o governo solta uma proposta chamada
PCN, quase que impingindo às escolas a padronização, então isso é
contraditório, sim. O projeto político-pedagógico busca a escola
singular. O projeto tem que ter a cara de cada escola, não tem que ter
cara nacional.

Mas a escola pública não deve justamente universalizar as
oportunidades, procurar oferecer a mesma formação a todos os alunos e
contribuir para que eles, como cidadãos, tenham os mesmos valores?

Ilma Passos - Existe uma diferença entre universalizar as
oportunidades e padronizar as escolas. Universalizar as oportunidades
significa abrir vagas a todos e democraticamente fazer com que os
alunos permaneçam na escola dos 7 aos 14 anos. Esse é o ideal
democrático da permanência. É a qualidade da escola para todos. Pegue
dois sistemas de ensino privado bem grandes no país. O Objetivo tem a
sua cara. Quando alguém fala "eu estudo no Objetivo", você tem
delineado o padrão de aluno que vai ser formado ali. Quando você fala
no Colégio Pitágoras, que é uma rede enorme de Belo Horizonte, você
tem delineado também um projeto político-pedagógico, que difere
daquele do Objetivo. São escolas particulares que construíram sua
identidade a partir dos interesses da escola e das necessidades dos
seus alunos, que são alunos de classe média para cima. Ali você não
encontra alunos de classes populares. São dois sistemas de ensino - eu
diria - de boa qualidade em duas escolas diferentes. Se a escola
privada pode buscar uma qualidade diferenciada, por que a escola
pública tem que ser igual para todos, no sentido de ter o mesmo
padrão? Então taí a questão que o projeto político-pedagógico tem que
ter a cara de cada escola.


Disponível em:

http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0029.asp

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