Cartilha Caminho Suave 1979

4 views
Skip to first unread message

Florence Rocle

unread,
Jul 25, 2024, 6:33:13 AM7/25/24
to elephantbird-dev

No Brasil, a dcada de 1980 foi marcada por profundas mudanas sociais, polticas e institucionais, reflexos do intenso processo de luta pela democratizao da educao pblica brasileira, aps pouco mais de duas dcadas de ditadura civil-militar vivida no pas. Naquele cenrio comearam a ser travados fortes embates entre o poder estatal, movimentos sociais e organizaes da sociedade civil, desencadeando uma trajetria de lutas pela ampliao democrtica, a qual visava a assegurar a participao da sociedade nas decises polticas no pas. O clima de abertura poltica dessa poca,

[...] conflua para a democratizao da educao e a participao coletiva nas tomadas de deciso desde a poltica educacional brasileira na sua totalidade, como no interior da escola que buscava vivenciar a gesto participativa. Essa perspectiva democrtica estava presente no mbito da formao de professores caracterizada na relao teoria-prtica, no carter scio-histrico e no desenvolvimento da conscincia crtica que permite ao professor interferir para transformar as condies da escola, da educao e da sociedade (Schmidt, Bolmann & Silveira, 2016Schmidt, L. L., Bollmann, M. G. N., & Silveira, C. M. (2016, set./dez.). A formao inicial dos professores alfabetizadores das escolas pblicas de Santa Catarina. Roteiro, 41(3), 629-648., p. 632).

cartilha caminho suave 1979


Download Zip ->>> https://tinurll.com/2zNY1K



As mesmas autoras ressaltam que naquele perodo de luta pela educao de qualidade e como direito social para todos que foram criados, dentre outros, o Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica, a Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao (ANFOPE) e a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), de modo que pudessem contribuir na definio do projeto de educao do pas, o que viria a se materializar na Constituio de 1988 (Brasil, 1988Brasil. (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: Senado Federal.).

Os altos ndices de analfabetismo e de evaso, somados a um grande nmero de crianas que sequer ingressava na escola, requeriam polticas educacionais que possibilitassem mudanas reais nesse cenrio nacional. Ferrari (1992Ferrari, A. R. (1992) Atendimento escolar bsico: problemas de diagnstico. In M. B. Soares et al. Escola bsica (p. 9-24, Coletnea CBE). Campinas, SP: Papirus.), considerando os dados do Censo Demogrfico de 1980, diz que 32,9% das crianas de sete a 14 anos no estavam frequentando a escola no Brasil. Se se considerar somente as crianas que tinham sete anos, eram 47,4 % fora da escola; com oito, eram 34,5%, o que significa, em nmeros absolutos, 2.418,973 crianas que sequer ingressaram na escola (Ferrari, 1992Ferrari, A. R. (1992) Atendimento escolar bsico: problemas de diagnstico. In M. B. Soares et al. Escola bsica (p. 9-24, Coletnea CBE). Campinas, SP: Papirus.). Das crianas matriculadas na primeira srie primria, no Brasil, no ano de 1972, 33,5% reprovaram. E este ndice se manteve nos anos seguintes, o que equivale a dizer que 1/3 das crianas que ingressavam na escola reprovavam logo no incio da trajetria escolar. Essa situao passou a ser pauta dos eventos da educao e das lutas dos profissionais da rea, juntamente com a luta pela abertura poltica e a volta dos direitos retirados durante os quase 20 anos de ditadura vividas no pas.

Mortatti (2006Mortatti, M. R. L. (2006). Histria dos mtodos de alfabetizao no Brasil. Recuperado de: _mortattihisttextalfbbr.pdf
), ao escrever sobre a histria da alfabetizao no Brasil, observa que, no incio da dcada de 1980, a tradio da alfabetizao a partir da cartilha, fosse ela do mtodo sinttico, analtico e/ou global, passou a ser questionada, em decorrncia de novas urgncias polticas e sociais que se fizeram acompanhar de propostas de mudana na educao, a fim de enfrentar o fracasso da escola na alfabetizao de crianas. Esta questo foi reforada com a publicao no Brasil das pesquisas de Emlia Ferreiro1 1 Emlia Ferreiro (1936) desenvolveu estudos e pesquisas para desvendar como as crianas aprendem a ler e a escrever. Tem como base a teoria psicogentica do suo Jean Piaget, o qual foi seu orientador de doutorado. Em 1979, publica o livro Los sistemas de escritura em el desarrollo del nio, em coautoria com Ana Teberosky, cuja traduo em portugus foi publicada no Brasil em 1985. Alm desses, muitos outros livros que renem experincias na rea de alfabetizao realizadas na Argentina, Brasil, Mxico e Venezuela foram publicados e traduzidos para o portugus, tornando-se referncia para pesquisadores e professores no Brasil. que, numa abordagem construtivista, apresentava o processo de alfabetizao do ponto de vista da criana que aprende. Esta teoria evidenciou contradies entre os mtodos e cartilhas de alfabetizao utilizados pelos professores at ento e o caminho que o aluno percorre para aprender.

Isto demandou, dentre outros aspectos, abandonar os mtodos historicamente utilizados e renovar o processo de alfabetizao, passando ao questionamento da necessidade das cartilhas. Nessa direo, autoridades educacionais e pesquisadores acadmicos buscaram convencer os alfabetizadores, divulgando artigos, teses acadmicas, livros e vdeos, sugestes metodolgicas, relatos de experincias bem-sucedidas e aes de formao continuada, visando a garantir a institucionalizao, para a rede pblica de ensino, desse novo modo de aprender e, consequentemente, de ensinar. Assim, inicia-se uma disputa entre os partidrios do construtivismo e os defensores, quase nunca confessos, mas atuantes, especialmente no nvel das concretizaes, dos mtodos (sobretudo o misto ou ecltico), das cartilhas e do diagnstico do nvel de maturidade com fins de classificao dos alfabetizados, engendrando-se um novo tipo de ecletismo processual e conceitual em alfabetizao (Mortatti, 2006Mortatti, M. R. L. (2006). Histria dos mtodos de alfabetizao no Brasil. Recuperado de: _mortattihisttextalfbbr.pdf
).

Considerando o exposto, neste artigo o objetivo apresentar o livro Alfabetizao... uma aventura para a criana, publicado em 1981, em Santa Catarina e analisar o modo como o Estado o fez chegar s professoras alfabetizadoras das escolas pblicas estaduais. Trata-se de uma pesquisa histrica realizada por meio de anlise documental e entrevistas, cujas anlises foram fundamentadas na perspectiva materialista histrica dialtica.

Inicialmente foi realizado um estudo do livro acompanhado de anlise para conhecer a organizao e o mtodo nele proposto. Posteriormente, foram realizadas entrevistas com a autora do livro e com professoras que atuaram no treinamento/capacitao das professoras alfabetizadoras para a utilizao do livro nas prticas de alfabetizao. Todas as entrevistas foram realizadas no ano de 20174 4 Todas as entrevistadas autorizaram a utilizao das entrevistas para fins acadmicos, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,os quais se encontram com as pesquisadoras e sero arquivados junto com os demais materiais da pesquisa para posterior consulta. Todas as entrevistas, aps concluso das transcries das gravaes, foram devolvidas s depoentes para leitura e verificao da autenticidade. Aps esse procedimento e de posse do consentimento de ambas que se iniciou o processo de anlise e escrita do trabalho. . A autora Myrian Fonseca Bittencourt, poca, com 96 anos de idade, recebeu as pesquisadoras em sua casa e, com um vigor e lucidez impressionantes, descreveu detalhadamente sua trajetria de formao profissional e processo da escrita do livro. As professoras formadoras participantes da pesquisa compunham a equipe da Coordenadoria Regional de Educao (UCRE), atualmente Gerncia Regional de Educao (GERED), de Tubaro-SC, umas das responsveis pela formao no Estado. Foram entrevistadas trs das quatro professoras que formavam a equipe de alfabetizao poca5 5 Uma das professoras formadoras da equipe de alfabetizao havia falecido quando a pesquisa foi realizada. .

O texto aqui apresentado um recorte de uma dissertao de mestrado, cuja pesquisa foi realizada no mbito de um projeto maior sobre a histria da alfabetizao em Santa Catarina nos sculos XIX e XX.Est organizado em cinco itens: o livro Alfabetizao... uma aventura para a criana e sua aquisio pelo estado catarinense; o livro Alfabetizao... uma aventura para a criana e seu percurso para a adoo pelas professoras alfabetizadoras; os cursos de treinamento para as professoras alfabetizadoras; os cartazes de experincia na prtica da sala de aula pela voz da autora e das professoras formadoras; e consideraes finais.

Alfabetizao... uma aventura para a criana, como qualquer outro livro, conforme j mencionado, no neutro. Nele se encontra um modelo de alfabetizao que pressupe a formao de um determinado sujeito para uma determinada sociedade.

De autoria de Myrian Fonseca Bittencourt, foi publicado em 1981, em Florianpolis-SC, pela editora Edeme, quando esta era funcionria da Secretaria de Estado da Educao de Santa Catarina e responsvel pela formao dos professores alfabetizadores do Estado.

Alm da formao acadmica, o referido livro expresso, conforme a autora, de sua experincia como professora alfabetizadora pelo mtodo analtico-sinttico, daquilo que fazia na sala de aula com as crianas. Para ela, escrever um livro tendo como referncia sua prtica na alfabetizao de crianas poderia ajudar as professoras a entender que era possvel fazer diferente daquilo que era proposto na Cartilha Caminho suave (Lima, 1948Lima, B. A. (1948). Cartilha caminho suave: alfabetizao pela imagem (1a ed.) So Paulo, SP: Caminho Suave.), to presente na prtica das professoras. (Entrevista com a professora Myrian Fonseca Bittencourt, outubro de 2017Bittencourt, M. F. (2017). Entrevista com Myrian Fonseca Bittencourt [entrevista concedida a L. L. Schmidt e a D. M. Thomaz]. Florianpolis, SC: Residncia da Entrevistada.).

Para Koch (1995Koch, Z. M. (1995, jan./jun.). Sistema de avanos progressivos: a poltica educacional dos anos 70/80 em Santa Catarina. Perspectiva, 13(23), 27-45.), essa poltica educacional do Sistema por Avanos Progressivos, suscita, por um lado, levantamento de questes sobre a tentativa de resolver a problemtica do fracasso da escola pblica por meio da no reprovao escolar e, por outro, discusses capazes de abrir caminhos para o redimensionamento de todo o processo educativo, redefinindo contedos escolares, mtodos, tcnicas, estratgias, ou seja, provocando na escola mudanas significativas, sob o signo da transformao social.

4a15465005
Reply all
Reply to author
Forward
0 new messages