Artigo do site Waves destaca a experiência da criação do Fórum Brasileiro de Surf e Sustentabilidade durante a Rio+20.
Por: Renato Miranda Pellegrini
Chega a ser repetitivo falar sobre a relação entre surf e sustentabilidade. Já há algum tempo, os veículos de comunicação especializados publicam matérias para chamar a atenção para temas que envolvem a chamada comunidade do surf e a preservação do meio ambiente.
Participação de associações de surf locais em movimentos sócio-ambientais, gestão ambiental de campeonatos e outros eventos ligados ao esporte, pranchas de surf fabricadas com menor impacto ambiental, restrições à prática do surf em áreas protegidas por legislação ambiental, entidades ambientalistas sem fins-lucrativos formadas ou apoiadas por surfistas, manifestações contra a expansão imobiliária em praias tradicionais no cenário do surf brasileiro e internacional, campanhas publicitárias na indústria do surf que exploram o marketing ambiental e por aí vai. Tudo isso tem a ver com surf e com sustentabilidade.
Enfim, muito já se fala a respeito desses assuntos e o momento atual da Política Ambiental em nosso país sugere que devemos falar cada vez mais. Não podemos esquecer que o Novo Código Florestal, que tramita no Congresso Nacional. As medidas podem deixar o meio ambiente desprotegido e todo o nosso território estará mais vulnerável a impactos ambientais. Sejam na Amazônia, no Pantanal ou em nosso litoral, empreendimentos que causarão danos irreparáveis a natureza poderão ser legalizados com amparo das medidas. Muitas vezes isso satisfaz apenas interesses particulares e, direta ou indiretamente, o universo do surf também será afetado. Afinal estamos falando ao mesmo tempo de um esporte e de um estilo de vida intimamente ligados à natureza.
Cada vez mais ouvimos relatos de que praias conhecidas como tradicionais picos de surf têm sua qualidade ambiental comprometida, seja pelo indesejado crescimento imobiliário do seu entorno, poluição proveniente de localidades próximas ou ameaças de expansão de atividades portuárias. Muitas paisagens naturais já foram literalmente detonadas e no futuro outras mais podem virar apenas fotos no facebook.
Muita cultura local já foi e também pode ser esquecida. Aquilo que podemos reconhecer como um desenvolvimento inapropriado vem se expandindo rapidamente pelo nosso litoral, desde o Pará até o Rio Grande do Sul. Nem mesmo Fernando de Noronha (PE), escapou e as consequências são cada vez mais visíveis.
O cenário é pessimista, mas ao que parece a comunidade do surf está cada vez mais antenada nessa relação entre surf e sustentabilidade. Por isso devemos escrever cada vez mais a respeito, debater mais, pensar mais, aguçar a nossa visão crítica, trocarmos mais informação e nos unirmos em torno de um comprometimento maior, no que diz respeito a essas questões mencionadas.
As experiências bem sucedidas em termos de preservação ambiental dentro do universo do surf devem ser cada vez mais divulgadas pela mídia especializada, para que estas causem um efeito multiplicador e sirvam como motivação para novas iniciativas. Encontros como o primeiro Fórum Brasileiro de Surf e Sustentabilidade deveriam ser promovidos e realizados com mais frequência. O evento fez parte da programação oficial da Cúpula dos Povos na semana da Rio + 20, teve como um dos principais méritos fomentar a discussão e a troca de informações entre pessoas ligadas ao surf de vários estados do Brasil.
Exemplos como o caso da Prainha no Rio de Janeiro, onde a união dos surfistas salvou o pico da especulação imobiliária e pressionou o Poder Público a transformá-lo num Parque Municipal, devem ser sempre reverenciados e lembrados, para que surfistas locais e frequentadores de outras praias percebam que os problemas e ameaças que pairam por todo o nosso litoral tem muito em comum. Da mesma forma as estratégias de mobilização para o enfrentamento de casos semelhantes podem seguir caminhos parecidos.
Cabe lembrar que quando se fala em sustentabilidade, não existem donos da verdade. É sábio aprender a respeitar opiniões que são diferentes. Tem gente que prefere surfar em praia urbana e cheio de prédios ao redor, no estilo Pitangueiras, Balneário Camboriú ou Barra da Tijuca só pra citar algumas mais famosas. Mas é inegável que estes locais perderam muito do seu charme com o passar do tempo e já foram locais mais aprazíveis para o lazer, dentro ou fora d´água.
A urbanização acelerada do nosso litoral, sem dúvida trouxe muitos problemas. Lixo, mar poluído, perda de vegetação e fauna, sombra na areia antes de acabar o dia, fora o crowd. Existem picos com boas ondas que se degradaram tanto em termos ambientais que os únicos bichos que vemos são pombos catando lixo na areia. Um péssimo sinal.
A ideia não é convencer a comunidade do surf a transformar-se em um bando ecochatos de plantão e sim provocar reflexão. Sejam praticantes de fim de semana, atletas profissionais, organizadores de eventos, pessoas que trabalham no meio ou, simplesmente, admiradores do esporte, é necessário que passemos a reconhecer este enorme grupo de cidadãos como um importante agente transformador na sociedade. São muitos os nossos interesses comuns. O comportamento individual de cada integrante deste grupo pode contribuir de maneira muito significativa para a sustentabilidade ambiental do planeta. Estamos direto na praia e, seja exercendo nossa cidadania participativa em busca de um litoral mais preservado, ou através de um consumo mais consciente, podemos cada vez mais dar bons exemplos de educação ambiental. Afinal surf e sustentabilidade tem tudo a ver.
Renato Miranda Pellegrini é mestre em Engenharia Ambiental pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), ativista e surfista fissurado.
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