O Objetivo do Processo Védico
Stephen Knapp
No processo védico, há tanto objetivos a longo prazo quanto a curto prazo.
O objetivo último da vida humana é abandonar todos os apegos à matéria e alcançar moksha (liberação da existência material), e retornar à dimensão transcendental, que não apenas é nossa verdadeira natureza, mas também nosso verdadeiro lar.
No processo védico, há tanto objetivos a longo prazo quanto a curto prazo.
O objetivo a curto prazo é encontrar a felicidade. Isso geralmente é feito através do processo de kama (prazer ou felicidade material e sensual), artha (sucesso mundano e posses materiais), dharma (deveres religiosos) e moksha (liberação da existência material). Encontramos a felicidade através do dharma, ou deveres religiosos, no qual agimos e oramos a Deus e aos semideuses pedindo pelas facilidades que precisamos para atingir um estado de conforto e felicidade na vida. Em seguida, artha é o meio para sermos felizes por meio do desenvolvimento econômico, aprendendo uma carreira, comércio ou simplesmente obtendo uma forma de termos renda. Então, temos o dinheiro para comprar ou fazer o que nos satisfaz. Na sequência, há kama, ou os prazeres e satisfação no âmbito sensual, o que geralmente é alcançado tendo uma bela esposa ou marido para podermos desfrutar de sua companhia e ter filhos na vida familiar. Por fim, depois de termos experimentado nesta vida quase tudo o que podemos, nós nos concentramos mais seriamente nos nossos interesses religiosos para atingirmos moksha, ou a liberação da existência material.
A maioria das pessoas primeiro se concentrará em encontrar a felicidade material e física. Todos nós precisamos de uma certa quantidade de kama, ou felicidade e prazer, para estarmos satisfeitos e permanecermos motivados a continuar vivendo, mas o prazer físico e mental em si não é suficiente para satisfazer a natureza verdadeira e profunda da humanidade. Mais cedo ou mais tarde, precisaremos experimentar uma gama mais ampla de felicidade e satisfação.
Em seguida, passamos para artha, o esforço para ter sucesso financeiro através de uma carreira, comércio ou de um empreendimento para que possamos acumular riquezas e bens materiais. Isso geralmente envolve o efeito que podemos ter sobre a vida dos outros, o que traz seus próprios conjuntos de prazeres e aumenta a ganância. No entanto, tais esforços e conquistas são naturalmente competitivos e não podem ser compartilhados sem reduzir as propriedades ou bens de uma pessoa. Dessa forma, quanto mais poder e dinheiro alguém possui, maiores são as preocupações para protegê-los e mantê-los, o que às vezes leva uma pessoa a extremos de preocupação para manter o que se tem e obter mais. É comum percebermos como isso faz com que as pessoas se sintam inexplicavelmente vazias mesmo possuindo muito conforto material. Um ditado védico resume muito bem essa situação dizendo: “Tentar extinguir o impulso por riquezas com dinheiro é como tentar apagar um incêndio derramando ghi (manteiga clarificada) no fogo”, o que apenas faz com que o fogo aumente. Portanto, tais objetivos podem facilmente se tornar distrações ao propósito verdadeiro da vida, a menos que uma pessoa tenha a mente muito sóbria e esteja consciente da natureza temporária de todas essas formas de prazer, felicidade e sucesso financeiro materiais. Devido a isso, o caminho védico inclui o dharma.
Dharma diz respeito às práticas espirituais védicas que tornam a vida completa. Dharma inclui ações adequadas, dever e serviço abnegado. Dharma também significa se defender contra o adharma, ou contra aqueles que querem promover os caminhos contrários ao dharma. Sem o dharma, a vida é basicamente desperdiçada. Todo o resto desaparecerá e será esquecido com o tempo, deixando uma pessoa com pouco mais do que o esforço investido para alcançar seus objetivos.
Por fim, se as atividades dhármicas de uma pessoa forem sinceras, sérias e exitosas, há moksha. Moksha é o verdadeiro objetivo da vida, alcançado quando uma pessoa se torna espiritualmente autorrealizada. Moksha significa a liberação do contínuo ciclo de nascimentos e mortes. De que valem tantas vidas que apenas perpetuam o karma para passar por mais e mais repetições de nascimentos e mortes no mundo material? Portanto, sem o dharma e, posteriormente, moksha, que é a liberação última, a vida de uma pessoa permanece incompleta.
O objetivo mais elevado é que, por compreender nossa verdadeira identidade, também nos libertemos das turbulências e incômodos diários que muitas pessoas levam tão a sério. Algumas pessoas permitem que esses problemas controlem suas vidas. A vida é muito curta para isso. Permitir que tais dificuldades circunstanciais aumentem nosso estresse e ansiedade apenas diminui a duração da nossa vida.
A vida é feita para sermos felizes. Contudo, a verdadeira felicidade, que existe na plataforma espiritual, é sempre constante e, na verdade, continuamente crescente de acordo com o avanço espiritual da pessoa. Tais pessoas, que compreendem sua identidade espiritual e que encontram a satisfação e contentamento dentro de si, encontram a felicidade em todo lugar. É isso que o processo védico busca dar a todos.
A Chandogya Upanishad (7.25.2 em diante) explica que aquele que percebe e compreende isso ama o eu, se deleita, regozija e obtém prazer no eu. Tal pessoa é o senhor e mestre dos mundos, pois ela obteve tudo o que precisa. Ela sabe que pode estar neste mundo material, mas não pertence a ele. Ela é verdadeiramente do mundo espiritual e recuperou sua conexão com ele. Portanto, ela olha para este mundo como um simples turista. Essa pessoa vê todas as atividades agitadas das pessoas e da sociedade, toda a confusão, mas passa por isso sem se afetar. Porém, aquele que pensa de maneira diferente vive em mundos perecíveis e tem outros seres mortais como seu senhor. Eles são limitados e controlados por suas próprias designações materiais. Mas aquele que vê a alma em todos, a identidade espiritual além do corpo, não vê a morte, nem doença, nem dor; aquele que vê isso vê tudo e obtém tudo, em todos os lugares. Certamente esta é a qualidade daqueles que alcançaram sua própria felicidade interna, autossuficiente.
Um verso semelhante é encontrado na Katha Upanishad (2.5.12-13), onde se diz que aqueles que realizaram seu eu e veem o Ser Supremo residindo no coração de todas as entidades vivas, e no seu próprio coração, como a Superalma, a eles pertencem a felicidade eterna e a paz eterna, mas não aos outros.
A forma espiritual original da entidade viva é sac-cid-ananda: eterna, plena de conhecimento e bem-aventurada, semelhante à forma de Deus, mas a diferença é que Deus é infinito e nós somos infinitesimais. A forma espiritual do ser vivo jamais se limita ao corpo ou à situação do indivíduo. O único fator limitante é a consciência da entidade viva, ou sua falta de consciência espiritual. Quando a entidade viva finalmente recupera sua consciência espiritual original, após muitos nascimentos, compreendendo que ela não é o corpo, naturalmente ela se sente muito feliz e alegre, se libertando da perspectiva limitada e temporária a que o indivíduo se submete enquanto está sob o controle da energia ilusória, a energia material. Ela também compreende que este mundo material não é sua verdadeira morada, e que ele não possui nada substancial a oferecer, pois o prazer e a felicidade verdadeiros, em realidade, vêm de dentro, da plataforma espiritual. Conforme o Senhor Sri Krishna diz na Bhagavad-gita: “Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.” (Bhagavad-gita 18.54)
Desta forma, “o yogi que tem a mente fixa em Mim [Senhor Sri Krishna] alcança com certeza a felicidade mais elevada. Em virtude de sua identificação com o Brahman [a natureza espiritual absoluta], ele é liberado; sua mente é pacífica, suas paixões são tranquilizadas, e ele se liberta de todo pecado. Se estabelecendo no eu, estando livre de toda a contaminação material, o yogi alcança a etapa mais elevada – a felicidade perfeita em conexão com a Consciência Suprema.” (Bhagavad-gita 6.27-28)
“Tal pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer dos sentidos materiais, senão que está sempre em transe, gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa autorrealizada sente felicidade ilimitada, pois se concentra no Supremo.” (Bhagavad-gita 5.21)
Portanto, essa felicidade é o objetivo de todas as pessoas, e é a etapa mais elevada de felicidade alcançada quando se compreende sua verdadeira natureza espiritual e o indivíduo se torna espiritualmente autorrealizado.
O objetivo a longo prazo: A meta última do processo védico é moksha, ou a liberação e o fim do samsara, o ciclo contínuo de nascimentos e mortes, também chamado reencarnação. Essa liberação é a posição da alma uma vez que ela recobra, ou desperta, sua consciência espiritual por completo. Quando a consciência de uma pessoa se purifica ou se espiritualiza completamente, e quando a alma recupera sua posição espiritual e age inteiramente nessa plataforma, não há mais necessidade de nascer em um corpo material para satisfazer desejos materiais. A pessoa retorna para o mundo espiritual, que é a morada natural da alma espiritual. Esse é o momento em que a entidade viva finita retorna ao Infinito.
A concepção védica de salvação é distinta da concepção cristã. A salvação hindu é conhecida como autorrealização, a superação e libertação da ignorância. Na filosofia védica, a salvação ou liberação significa que a pessoa compreende que não é este corpo, mas sim a alma (atma) imortal interna. É por isso que a salvação hindu é conhecida como autorrealização, ou o entendimento de que somos o eu imortal e não o corpo perecível. Essa realização é o caminho para superar a ilusão que nos impede de sermos livres. A verdadeira liberdade no caminho védico é a liberdade dos desejos materiais e sensuais. Tais desejos são a base do que nos mantém atados à existência mundana e ao samsara.