🔴 Lumen Nº565 ::: Conferência online com Iordan Gurgel e Curso Fundamentos do Ensino de Lacan

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Delegação Paraiba

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May 22, 2020, 7:04:28 PM5/22/20
to DPB/EBP

Nº565, 22 de maio de 2020

 

Evento On-line Gratuito
Aula inaugural com Iordan Gurgel

Inscrições gratuitas no link:  https://bit.ly/2Zfn7g9
Atividade aberta ao público e isenta de pagamento

>>>>>>>>>>>> VAGAS LIMITADAS <<<<<<<<<<<<<<

IV CURSO FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LACAN - APPL
INSCRIÇÕES PRORROGADAS


Modalidade on line - Aplicativo: Zoom 
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Período de Inscrições: 23-26 de maio de 2020  
Carga Horária60 h
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Anexar:
-Carta de Intenção
-Currículo Vitae
-Comprovante de depósito de inscrição no valor de R$50,00
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Período de seleção: 27-29 de maio de 2020
Público: Psicólogos, profissionais afins e alunos de Psicologia a partir do 8º período.
Mais informaçõesdelegaca...@yahoo.com.br ou pelo fone 83 9883139543.
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Coordenação: Glacy Gonzales Gorski
Colegiado do curso: Cassandra Dias, Cleide Pereira Monteiro, Glacy Gonzales Gorski,  Maria Cristina Maia Fernandes e Margarida Elia Assad.
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Carga Horária60 h
Investimento: 600,00 em quatro parcelas mensais de R$150,00.
Início do pagamento 10 de Junho.


Banco do Brasil
Favorecido: Associação Paraibana de Psicanálise Lacaniana
Agencia: 3396-0 
Conta Corrente: 24.409-0
CNPJ; 13.982.931/0001-84

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Aula inaugural - 29.05.2020 - 19:00h on line 
Sonho, via régia para o inconsciente?
Convidado: Iordan Gurgel -  Psicanalista, Membro da EBP-AMP - AME
Modalidade on line - Aplicativo: Zoom 
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O instante de ver
 
A Escola de Lacan na Paraíba preparava-se para iniciar seu ano de trabalho através das suas atividades, tendo já no horizonte um endereçamento à futura Seção Nordeste.
O XII Congresso da AMP que se aproximava prometia ser um momento de muita produção em torno do tema do sonho, reunindo psicanalistas de orientação lacaniana de todo o mundo.
Estávamos entusiasmados e desejosos por essa troca de experiências, pela oportunidade de reencontrar colegas, realizar reuniões, fazer acontecer os eventos satélites através das redes de psicanálise aplicada, verificar nas Jornadas Clínicas a presença do analista, e,  sobretudo, recolher dos testemunhos vivos daqueles que levaram a experiência analítica até o fim, os ensinamentos do passe.
Um acontecimento para garantir a existência da psicanálise através da ação de cada um dos membros desse organismo chamado Escola.
A trajetória de um vírus fez deter esse movimento, cancelar eventos, fechar consultórios, suspender atividades.
Em nossa perplexidade diante de um mundo parado e acompanhando o rastro letal da pandemia, precisamos nos recolher.
Inicialmente, para nos situarmos diante dessa queda vertiginosa.
 
O tempo de compreender
 
A partir da angústia, iniciamos uma elaboração coletiva e íntima sobre esse momento.
Membros da EBP, aderentes e correspondentes da extinta Delegação Paraíba reuniram-se virtualmente, em duas conversações nomeadas “Reflexões sobre o momento atual” com o propósito de contornar, pelo simbólico e pelo laço entre os companheiros de trabalho, a catástrofe que nos atingiu.
Foram produzidos quatro textos (em anexo) por colegas que sentiram-se provocados  e que serviram de mote como norteadores da discussão em que a palavra pôde circular entre os participantes.  
Muitas questões foram suscitadas a partir dos efeitos desse invisível que nos cerca, sobre o sintoma de cada um tanto no social quanto na clínica, permitindo-nos refletir sobre a necessidade de garantirmos o lugar crucial da psicanálise. Diante da queda do narcisismo coletivo e de um luto a ser elaborado, há que assegurarmos uma travessia para que possamos seguir, reafirmando o desejo enquanto único remédio para a angústia.
  
Um tempo para concluir 
 
Ainda não há tempo para concluir. Apenas começamos a levantar questões.
Os corpos à distância, nos interrogam. Novas modalidades de funcionamento  nos desafiam.
Mas sabemos que precisamos sustentar, no coletivo, esse desejo que nos enlaça à vida e à transmissão da psicanálise que leve em conta a pergunta, que a cada dia, ressoa, cada vez mais apropriada: o que é um psicanalista?
Portanto, anunciamos a nossa decisão de retomar as nossas atividades, de forma remota a partir de então, apostando na transferência de trabalho dessa comunidade que segue com sua “esperança equilibrista”.  
 
Cassandra Dias Farias – membro EBP/AMP
 
DE REPENTE, NÃO MAIS QUE DE REPENTE
Mª Cristina Maia Fernandes
 
“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto”
 
(Soneto de Separação - Vinicius de Moraes)
 
Desde o início desse momento - prefiro chamar assim – que estamos atravessando, lembro constantemente do belo soneto de Vinicius que, não por acaso, remete à separação.
De repente, não mais que de repente, sem entendermos muito bem o porquê, o mundo mudou! Tivemos que nos separar uns dos outros para sobreviver. Ao mesmo tempo, assistimos estupefatos uma prévia tenebrosa imagem da morte em países já afetados por um vírus que, embora tão anunciado, ainda não tinha mostrado a sua cara. Desolados, testemunhamos, incrédulos, uma procissão de carros que se tornaram fúnebres, ao transportarem os corpos de milhares de vítimas daquilo que, de invisível, tornou-se gigante, e obrigou-nos a parar, bem nos moldes do “pára o mundo que eu quero descer”. Paramos! Descemos! Descemos, principalmente, do nosso pedestal humano, narcísico, dali donde julgávamos controlar a vida, as coisas, as pessoas, as doenças... Deparamo-nos crua e cruelmente com a transitoriedade a que se remete Freud em um passeio com um jovem poeta, transitoriedade descrita por ele como “a propensão de tudo que é belo e perfeito, à decadência”[1]. Deparamo-nos com o inapreensível, como o inexplicável, com o real na sua mais brutal demonstração!

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
 
De repente, aquilo que parecia impossível – parar – tornou-se obrigatório. Neste contexto, famílias compostas de pais e filhos pequenos em idade escolar entraram em pânico, sem saber como proceder diante dos filhos agitados, tão angustiados quanto eles, e entendendo menos ainda o que se passava ao redor. Foi assim – com o confinamento - que todos os dias da semana se transformaram nos entediantes domingos, quando os pais aguardavam ansiosos pelas segundas para voltar às rotinas de trabalho e poderem estar “livres” de gritarias, agitação e demandas infantis. De repente, pai se viu obrigado a ser pai e ajudar nas tarefas domésticas, assim como mãe – mesmo aquela que trabalha fora – teve que ser mãe e dona de casa.
 
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
 
É imperativo pensar que o isolamento levou à junção, ao convívio antes tão reclamado, reivindicado, mas impôs também a separação. Separados, muitas vezes, de seus avós, dos colegas, do dia a dia da escola, de passeios e, além disso, tendo que lidar com as insatisfações, angústias e medos dos pais “grudados” nelas, as crianças têm respondido com muita angústia e mais agitação, sintomas que muitas vezes, não são considerados no contexto em que se apresentam. Ao contrário, isolados, servem muito mais para rotulá-las, agora através – também – de redes sociais médicas que estão se oferecendo para atendimentos on line. Ou mesmo o “Dr. Google", recurso mais à mão ainda, em tempos de confinamento.

Mas, de repente também, viver passou a ter regras, manual, recomendações, ideias “geniais” para passar esse tempo “ocioso”, como se os pais fossem pedagogos – ou profissionais afins - e só tivessem os filhos a quem se dedicar. Muitos da área psi passaram a fazer lives, blogs se rechearam de brincadeiras, jogos, soluções, “ensinando” tudo que até então, em muitas famílias, não tinha lugar, desconsiderando, absolutamente, a ideia de Lacan, da criança enquanto sintoma do casal parental.
 
 De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
 
De repente, a nossa clínica teve que sofrer adaptações para acolher a angústia gerada diante da morte, da dor, da separação, do inexplicável, da incerteza do futuro, da falta, do vazio da existência. Para sobreviver e poupar o outro, pusemos um aparato entre nós e o paciente, algo que o mantivesse à distância, mas, ao mesmo tempo, de forma paradoxal, próximo – aquela distância ideal do conto de Schopenhauer -, para dar lugar às construções que cada um tem conseguido fazer para dar conta do seu desamparo, de sua angústia, “acalmar os ventos”, os “dramas”...

A questão que passou a me inquietar foi: como operar aí o analista, uma vez que a clínica com crianças apresenta limitações para ser exercida on line? Estou falando em sigilo, mas também em termos operacionais, do atendimento através de recursos que requerem o corpo, como desenho, etc. No momento, o que tem sido possível fazer é escutar os pais queixosos que, diante da subtração de estímulos externos (diga-se trabalho e etc) e da proximidade imposta pelo confinamento - tal qual um BBB - tem atualizado questões que, com a correria do dia-a-dia, passam desapercebidas, ou seja, um não querer saber nada disso[2] próprio da neurose... no melhor dos casos. Levamos em conta também que os afetos tem sofrido uma efervescência tal, que o número de violência doméstica vem aumentando vertiginosamente; certamente, com os filhos presentes, pois tampouco eles podem se ausentar. Pergunto-me com frequência, como essas crianças podem sair (ilesas?) dessa pandemia de angústia, de ambientes muitas vezes já tóxicos que tem sofrido um incremento na toxicidade por efeito da convivência sem intervalos, que parece não ter fim.

Voltando a Freud, nesse texto citado, ele comenta que, nos depararmos com a transitoriedade das coisas, pode dar margem a dois impulsos diferentes - um penoso desalento ou uma rebelião contra o fato consumado - embora ele não concorde com nenhum deles, abrindo para um terceiro, que “deve ser capaz de persistir e de escapar a todos os poderes de destruição”. Freud critica o pessimismo do jovem poeta que acreditava que a “transitoriedade do que é belo implica uma perda de valor” (p. 345) e assume uma posição contrária, atribuindo um aumento de valor ao que é evanescente, exatamente por isso mesmo. Ele continua afirmando que o que tanto perturbou o poeta e o outro amigo que com eles caminhava, foi essa ideia de que tudo é transitório, o que lhes antecipou um luto, contra o qual eles lutavam.

Referindo-se à guerra que estourou um ano após essa conversa de Freud e “subtraiu o mundo de suas belezas”, aparte que podemos aplicar ao nosso momento, ele diz: 
 
Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava [...], como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização [...]. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossas pulsões em toda a sua nudez e soltou dentro de nós, os maus espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez, nosso país, e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que considerávamos imutáveis”[3].
(Freud, Sobre a transitoriedade, p. 347)

Sim, estamos todos de luto! Nesta guerra contra um inimigo invisível, perdemos! Perdemos a liberdade de ir e vir; muitos perderam entes queridos, vizinhos, amigos; perdemos nosso dia-a-dia (louco? Sim... mas familiar...); perdemos o contato corporal com filhos, netos, amigos; perdemos a paz que supúnhamos ter; perdemos o ideal de vida que construímos, como se fosse o único; perdemos a “fortaleza” que pensávamos ser! Escancararam-se a nossa fragilidade e transitoriedade.  Há que se elaborar esse luto, cada um com os recursos simbólicos que possui; não tem bula nem prescrição. O luto - assim como o vírus – por mais que doa, por mais avassalador que seja, vai passar, vai chegar a um fim, espontâneo ou não. A nossa aposta é que – ao invés de só perder - possamos tirar consequências disso, na clínica ou na vida, que não seja pela via do desalento nem da rebelião citados por Freud. Mas que possamos ver beleza e otimismo nesse momento, antídotos contra a “destruição”, e dizer com ele:
 
Quando o luto tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito em que tínhamos as riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes[4].
De repente, não mais que de repente... outra vez mais! Até o fim!
 
[1] Freud, S. Sobre a transitoriedade. ESB Vol XIV, p. 345.
[2] Miller, J-A. Todo el mundo es loco. In Sutilezas analíticas, p. 74.
[3] Freud, S. Sobre a transitoriedade. ESB Vol XIV, p. 347.
[4] Idem, p. 348
ALGUMAS PALAVRAS...
Glacy Gonzales Gorski
 
“No momento encontro-me em uma noite polar e estou à espera que o sol nasça” (Sigmund Freud – Carta a Karl Abraham – 25 de janeiro de 1915).
 
Gostaria de dizer algumas palavras e trazer reflexões que foram gestadas a partir do que mais tem me impactado neste momento de quarentena e que compartilho através deste breve escrito que integro ao convite aos colegas para uma conversação a distância.
 
De forma bastante dolorosa, esta calamidade se abateu sobre o planeta e nos confrontou com a pulsão de morte. Em um primeiro momento – que se configura como um momento de ver – rege a perplexidade acompanhada, muitas vezes, por uma negação dos acontecimentos, seja por parte dos governos, seja por parte dos sujeitos um a um.

As notícias que mais me marcaram têm a ver com o que vem sendo mostrado: o crescente número de mortos e a impossibilidade de um ritual funerário, pois não é viável nem velar os mortos, nem tampouco viabilizar um enterro digno – necessário para o início de um processo doloroso de luto. A dor e o horror se escancaram, e as ruas das grandes cidades agora estão desertas, reina um silêncio sepulcral interrompido pelos aplausos aos profissionais da saúde e, por vezes, pela música que possibilita romper o isolamento e fazer laço com os vizinhos outrora muitas vezes desconhecidos.

Nós assistimos atônitos à devastação ocasionada por este vírus invisível, que não é nem vivo nem morto, mas que, na posse de um corpo humano, se alastra. Diante desse cenário, faltam as palavras de modo que escrever exige, neste momento, um esforço hercúleo; mas, como analistas, somos convocados a um exercício de elaboração.

Diante da página em branco, ocorreu-me oferecer uma contribuição pontual partindo da lembrança de dois textos de Freud, pois neles encontrei um ponto de ancoragem para lidar com o inusitado deste momento e que passo a compartilhar com vocês.

Assim, o primeiro texto que trago foi escrito por Freud, em 1915, ou seja, alguns meses depois da primeira guerra mundial ter sido deflagrada e porta, como título: Reflexões à  altura da época (Zeitgemässes) sobre Guerra e Morte.[1]

Neste momento, interessa-nos assinalar passagens de suas colocações abalizadas sobre o horror da guerra e as desilusões que ela acarreta. Cito Freud: “Na confusão dos tempos de guerra em que nos encontramos, [...] e sem um vislumbre do futuro que está sendo plasmado, [...]” [2] nos sentimos em um estado de perplexidade. E, mais adiante, ele afirma ainda que “A própria ciência perdeu sua imparcialidade desapaixonada; seus servidores, profundamente amargurados, procuram nela as armas com que contribuir para a luta contra o inimigo”.[3] Esse é um tema que Freud vai aprofundar em outros textos que merecem nossa atenção, mas que não é nossa escolha neste momento. 

Gostaria de destacar, especificamente, as reflexões dele sobre as atitudes dos seres humanos diante da vivência da morte, seja dos combatentes ou daqueles que foram obrigados a se isolar em suas casas.  

Freud concluiu que existe uma tendência inegável de colocar a morte de lado, de silenciá-la, pois, no inconsciente, cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade. Cito Freud: “Nosso inconsciente, portanto, não crê em sua própria morte; comporta-se como se fosse imortal.”[4]

Segundo ele, é aí que reside o segredo do heroísmo. E se refere, então, à guisa de elucidação, a cena de uma comédia de Anzengruber, intitulada Hans, o quebrador de pedras, na qual o herói zomba do perigo e se desvela mostrando seu convencimento de que nada lhe poderia acontecer.

Gostaria de fazer uma articulação com o que a gente vem constatando em vários países: a dificuldade em reconhecer que a situação é verdadeiramente trágica, e que medidas extremas têm que ser tomadas, assim como o enfrentamento tem que ser uma ação coordenada de forma abrangente. Retornando ao texto freudiano, assinalo que a negação da morte que constatamos hoje com veemência é algo que remonta aos tempos primevos. 

Ademais, podemos observar também que, se por um lado a nossa morte é negada, de outro a admitimos para estranhos e inimigos sem a menor hesitação. Os momentos de calamidade – sejam eles provocados pelos humanos através das guerras, ou por pandemias – favorecem o aparecimento de posturas cruéis, injustas e irresponsáveis o que revela, por vezes, o que há de pior no ser humano. Nosso inconsciente se mostra “[...] tão inclinado ao assassinato em relação a estranhos e tão dividido (isto é, ambivalente) para com aqueles que amamos [...]”.[5]

No final do texto ele nos oferece uma indicação muito valiosa: “Sivis vitam, para mortem”, ou seja: “Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte”[6]. Que consequências é possível extrair dessas palavras de Freud, no sentido de que sejam efetivas na atualidade? 

Por fim, trago como referência importante, um texto que também foi escrito nos tempos de guerra ­ (1915- 1916) onde Freud se reporta às conversas que teve num passeio nas altitudes da cadeia de montanhas, nomeadas Dolomitas, no Norte da Itália, ao lado de um jovem poeta que, segundo historiadores, seria o jovem Rilke. Eles tergiversavam sobre Transitoriedade, título que deu ao artigo escrito em homenagem a Goethe.[7]

De seu texto, extraio a reflexão de que a guerra – a vivência da morte, as grandes perdas que ela acarreta –, assim como a experiência de luto tão frequente em momento de calamidade, obrigam-nos a refletir sobre a transitoriedade. Esse texto tem, como embasamento teórico, suas elaborações realizadas no texto, que, nesta época, já estava pronto, mas que só foi publicado, posteriormente, sob o título “Luto e Melancolia”.[8]

Freud nos surpreende com palavras que têm um tom esperançoso: “Não pode surpreender-nos o fato de que nossa libido, assim privada de tantos dos seus objetos, se tenha apegado com intensidade ainda maior ao que nos sobrou [...]” [9]. E, mais adiante, diz ainda que “Quando o luto tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito que tínhamos das riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade”[10].  

E, por fim, apostando na vida, afirma que “Reconstruiremos tudo [...], e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes”[11].

Estamos atravessando um momento de muitas perdas e estragos com as múltiplas consequências para cada sujeito de forma singular; pergunto, então, o que pode a psicanálise e o psicanalista ofertar?
A resposta é: continuar apostando na emergência e na força da palavra para enfrentar e elaborar este confronto traumático com o inexorável, com o real. A fala, a talking cure, parafraseando Anna O., ainda é um poderoso antídoto nesses tempos tão sombrios.
 
 
[1]. Este título não corresponde ao da ESB, fiz esta tradução porque  em alemão Zeitgemäss significa à altura do tempo.  
[2] Freud, S. [1915] Reflexões para os tempos de guerra e morte, Edição Standard Brasileira, vol. , Rio de Janeiro: Imago edit.,1974, p. 311. 
[3] Ibidem, p. 311
[4] Ibidem, p. 335.
[5] Ibidem, p. 338.
[6] Ibidem, p.339.
[7] Freud, S.  Sobre a transitoriedade, Edição Standard Brasileira, vol.XIV , Rio de Janeiro: Imago edit., 1974, p. 345-348. 
[8] Freud, S., Luto e Melancolia, (1917 [1915]), Edição Standard Brasileira, vol.XIV, Rio de Janeiro: Imago edit., 1974, p. 271-291.
[9] Ibidem, p. 347.
[10] Ibidem, p. 348.
[11] Ibidem, p. 348.
 
O NOVO REAL?
Cassandra Dias
 
Não estávamos prontos para viver esse momento. O cenário apocalíptico de cinema nos confirma diariamente  nossa perplexidade diante de um real que irrompe transformando nossas vidas e nos fazendo parar diante da expansão de um vírus mortal.

Nada na nossa programação nos fazia supor que os anos vinte do nosso século iriam trazer um divisor de águas na maneira como trabalhamos, vivemos, circulamos, produzimos, nos relacionamos e também analisamos.

Em 2014, o IX Congresso Mundial da Associação Mundial de Psicanálise se dedicou a discutir “Um real para o século XXI”. Dois anos antes, na conferência de encerramento do VIII Congresso, Jacques Alain Miller, ao anunciar o novo tema de trabalho para o próximo congresso, parecia antever a desordem que o real nos apresenta hoje, oito anos depois da sua fala. Ele articula a natureza e sua ordenação à uma conjunção entre simbólico e real, na medida em que “a natureza está escrita em linguagem matemática”. (GALILEU apud MILLER, 2014).  Assistimos à escalada do vírus em progressão geométrica.

Confinados e conectados, a relação com o semelhante é atravessada pelo perigo iminente do contágio tornando-nos obcecados e fóbicos.  Algo na relação do homem com a natureza foi alterada. Um inimigo invisível e onipresente, mutatis mutandi, que segue sua escalada macabra, multiplicando as estatísticas de letalidade.

“O real é sem lei”, já nos advertia Lacan, mas nos acostumamos a que a espécie humana construísse sua civilização crendo que o real se disfarçava de natureza com as suas leis.

De fato, a lei natural é cumprida à risca pela COVID 19. O vírus se alastra e contamina, porque essa é a sua natureza de vírus.

Portanto, para nós, que  real se escancara desordenado, sem lei e que retorna sempre ao mesmo lugar por trás do curso natural do vírus mortífero?

“Eu diria que capitalismo e ciência se combinaram para fazer desaparecer a natureza e que o que resta do desvanecimento da natureza é o que chamamos de real, quer dizer, um resto, desordenado por estrutura” (MILLER, 2012).  

Agora, mais do que nunca, estamos diante de uma desordem que nos agita por suas variações invariáveis, absolutamente desprovida de um saber, uma vez que não há saber no real.

No entanto, desse alinhamento entre o discurso do capitalismo e da ciência produzindo efeitos no real, qual o lugar onde alojar-se o discurso do analista?

A psicanálise enquanto uma práxis que precisa estar à altura da subjetividade da sua época, é confrontada agora, a novo desafio.

As consequências do momento atual alcançaram os psicanalistas que precisarão dar conta desses efeitos tanto no um a um, como para o coletivo de analistas.

Para tanto, os membros da EBP na Paraíba estão convocando uma conversação virtual para podermos tratar do instante de ver que o momento atual suscita, por entender que é na solidão de cada um tratada no coletivo que poderemos encontrar um ponto de refúgio diante da angústia que nos assola.
 
O QUE PODE O PSICANALISTA DIANTE DESSE REAL: CORONAVÍRUS, COVID-19? 
Karynna Nóbrega
 
“ É como significantes que todos vocês existem”
(LACAN, 2012, pág. 35)

O desejo de escrever sobre esse novo nome do mal-estar surgiu após a conversação, que aconteceu com os membros, correspondentes e participantes da Seção Nordeste – EBP intitulada Sobre o momento atual  na noite do dia 16 de abril, servindo-se das plataformas online, a fim de fazer a palavra circular sobre o real COVID-19 fomos confrontados na nossa clínica, no social e na intimidade de cada um, cada um a seu modo atravessado por esse novo nome do mal-estar que nos confronta com o real da solidão, do isolamento, da morte e da perda.

Resumidamente, podemos destacar a partir das falas recolhidas durante esse encontro que é possível observar as saídas e soluções singulares para lidar com esse real; e as soluções no coletivo, seja por meio do uso da arte, da religião e a relativização do especular nas redes sociais. Com isso, podemos recolher que em torno desse S1: o corona, o covid-19 os sujeitos fazem sintoma, o que mobiliza a libido tal como Miller (2016) esclarece: “ ... a libido do sujeito, está sempre marcada pela impressão significante”, a aposta da psicanálise se dá em fazer uso da palavra para dar um tratamento ao real, a partir de uma diferença absoluta.

Em meados de março de 2020, a população mundial se confrontou com uma pandemia: um novo vírus se espalhou por vários países e desencadeou uma crise sanitária e econômica com mortes em larga escala, em diferentes países, apresentando alto poder de contágio e de letalidade em especial aos acima de sessenta anos.

Diante desse real, o discurso da ciência demostra um furo no saber, para conter a curva do pico de contágio dessa pandemia e tentar conter o colapso do sistema de saúde, para tanto propõe: o uso do isolamento social, a lavagem das mãos com água e sabão e uso de máscaras. Com isso, as intervenções promovidas pelo estado se dá pela solicitação de isolamento social, as aglomerações são proibidas e devem ser evitadas, além disso a recomendação é de constante lavagem das mãos, uso de álcool a 70º  e uso de máscaras para cobrir o nariz e a boca. Como também o uso de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, uma das populações bastante vulneráveis, seja para o contágio como o de transmissão.

A pandemia promoveu uma crise no capitalismo, em plena ebulição, a orientação após a pandemia é ficar em casa, aqueles quem podem pararam e ficam em casa. Outros, porém, seguem sem se isolar, seja porque precisam para se manter, ou porque a profissão demanda esse enfrentamento. Nas famílias novas lógicas se instalam, os pais passaram a ter mais tempo com a presença dos filhos, os casais passam a ter mais tempo juntos e as crianças deixaram de se deslocar para ir até a escola e passaram a ter aulas online, com isso a casa a se transforma num hibrido, um ambiente de home office e lar.  

Além do colapso econômico, é crescente o número de mortos, desempregados, os rituais tanáticos também foram afetados, a família já não é permitida velar o corpo morto, vetor de transmissão de vírus, o cenário é de guerra, muitas mortes, corpos mortos empacotados e embalsamados colocados em valas e covas e aqueles que tem contato com o corpo moribundo ou morto são obrigados ao uso de EPIS.

As cidades ficaram silenciosas e vazias, o limite das fronteiras se tornaram mais visíveis em virtude dos distanciamentos, em sua maioria apenas os serviços essenciais funcionam.  Os artistas e cantores passaram a utilizar as redes sociais para realizar lives, fazendo um apelo para que a população fique em casa e diante dessa corrente eles promovem uma corrente de solidariedade por meio de doações de alimentos e EPIS, para a rede de saúde e aos atingidos pela COVID-19. Por outro lado, os telejornais e mídia televisiva, mostram de maneira superegoíca o número crescente de mortes, de transmissão e de contágio, ressaltando que há subnotificação em virtude da não testagem da população em geral. Com isso, o medo passou a assolar a população. Transmite-se o medo como um dispositivo de controle para conter a população em casa.

Conforme Delumeau (2009) em A história do medo no Ocidente por meio do trabalho historiográfico de fatos etnográficos, toma o medo como objeto de estudo e revela que o medo assola a humanidade e que atinge tanto individualmente como também a coletividade.  Citando Sartre revela que ”...o homem é um ser que tem medo”. Na obra revela alguns nomes dos medos, a saber: o medo do mar, do vizinho, do judeu, dos moribundos, do Sol desaparecer para sempre, dos mortos por suicídio, de ser enterrado vivo, de fantasmas, da morte dentre outros. Por meio dessa leitura podemos extrair que o desconhecido e o estranho nos provocam medo. Diante desse cenário, podemos acrescentar que surgiu na cultura um novo medo: o do contágio do Coronavírus.

O coronavírus, em certa medida, faz recordar o inimigo invisível e traumático da radiação, por ser invisível a olho nu, inodor e insípido e por não saber onde se localiza, com isso percebemos que o outro se torna um possível vetor de transmissão e em certa medida uma ameaça, fazendo surgir em alguns casos sintomas fóbicos e rituais de limpeza e ordem para se defender da presença do vírus.

Fazendo um paralelo com o acontecimento Tchernóbil, o coronavírus, nos confronta com a verdade e um pedaço de real. Inferimos que há um antes e um depois do Covid 19.  Quais os efeitos dessa fratura no simbólico? O que pode cada um diante desse real?  Conforme, Brousse (2020) em Os tempos do vírus, o covid-19 transformou as modalidades do laço social, e em virtude da descontinuidade não houve um instante de ver, fomos atravessados por esse real, não havendo tempo para uma subjetivação.  Esse novo nome do mal-estar está promovendo sofrimento e novos sintomas, apostamos que a psicanálise possa oferecer a escuta para que o sujeito aposte no laço social e no saber fazer com o real, como orienta Brousse (2018) em O inconsciente é a política.
 
Referências:
ALESKSIEVITCH, SVETLANA As vozes de Tchernóbil São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BROUSSE, M-H O inconsciente é a política 2 ed. São Paulo: EBP, 2018
BROUSSE, M-H Os tempos do vírus Disponível em: https://www.ebp.org.br/correio_express/2020/04/04/os-tempos-do-virus/ Acesso em: 20/03/2020
JEAN DELUMEAU História do medo no Ocidente São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
LACAN, J O seminário livro 19: ...ou pior Rio de Janeiro, 2012.
MILLER, J-A La experiência de lo real en la cura psicoanalitica: Buenos Aires: Paidos, 2016.
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