Reportagens dissecam poderoso programa do Ministério da Justiça ao alcance de 55 mil servidores civis e militares no país.
Secretarias de segurança nos estados têm se esforçado para criar na sociedade a imagem positiva de todo um aparato de captação e análise de imagens de automóveis e cidadãos chamado genericamente de “muralha digital”.
Sugerem que as cidades estão mais seguras graças ao crescente número de câmeras em ruas, shoppings, complexos esportivos, avenidas, aeroportos, rodovias e à integração de bases de dados sigilosos.
Mas esses órgãos não falam do destino das nossas imagens captadas, de quem as acessa, se elas são combinadas com outros dados sobre bens e empresas ou se alguém fiscaliza o tratamento dessas informações.
No 1º semestre deste ano, nós da Agência Pública passamos a investigar um programa similar às “muralhas digitais”, mas sob o controle do Ministério da Justiça (MJSP), chamado Córtex, que estaria operando sem controle externo efetivo nem auditorias regulares. Sem um escrutínio independente da cidadania, ferramentas como essas permitem infinitos usos ilegais, como perseguição de opositores políticos ou de movimentos sociais e de autoridades, o repasse de dados sensíveis a organizações criminosas e até vigilância clandestina contra familiares dos usuários dos programas.
Acionamos nossas fontes e buscamos documentos sobre o Córtex. Disparamos pedidos de acesso à informação e, conforme chegaram as primeiras negativas dos órgãos, tivemos certeza de que era preciso seguir na história.
Descobrimos que o próprio MJSP havia determinado uma auditoria sobre o uso do Córtex em 2023. Encontrou ao menos um caso de um usuário que fez 1 milhão de consultas num único dia. Havia até uma sugestão para que fosse criado “um alerta quando o policial rastrear o veículo da esposa, considerando os crimes de violência doméstica” no Brasil, definido então como “rastreio (cônjuge)” pela equipe do ministério.
Agora combine esses riscos ao poder do Córtex: ele conta com imagens em tempo real de mais de 35 mil câmeras espalhadas pelo país, dados sensíveis como notas fiscais e cadastro geral de empregados e do SUS, entre outras informações. Isso tudo ao dispor de 55 mil usuários civis e militares, inclusive de órgãos de fora do Sistema Único de Segurança Pública, que podem vigiar “alvos” por “tempo indeterminado” sem explicar o motivo – fato confirmado pelo próprio MJSP à Pública.
Como no caso First Mile, o uso do Córtex é outro sinal, mais do que evidente, sobre o descontrole das atividades de inteligência no país.
Não seria possível contar esse caso sem nossos Aliados. Por sermos um veículo independente, não há nada nem ninguém que possa nos impedir de ir fundo em investigações como essa. Não temos anunciantes, muito menos patrocínio. Nosso compromisso é com o interesse público, e são os nossos apoiadores que nos fortalecem e nos ajudam a continuar com esse jornalismo corajoso e compromissado com o interesse público. Por isso, reforçamos um pedido: apoie a Agência Pública e contribua para revelarmos esse verdadeiro Brasil Secreto.
Por Caio de Freitas, repórter da Agência Pública e Rubens Valente, repórter e colunista da Agência Pública.
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