Na acusação pública, que o CM consultou, pode então ver-se que
estaria em causa um esquema bastante elaborado. Enquanto gerente do
balcão, que se destinava apenas a clientes VIP, Nuno Espregueira
Mendes criou contas paralelas, onde os clientes tinham como domicílio
o próprio banco, o que lhe permitia fazer aplicações em bolsa do
dinheiro que não lhe pertencia. Ao mesmo tempo, concedia também
empréstimos em condições que ele próprio definia e que escapavam em
absoluto ao controlo bancário.
Quando a situação foi descoberta, muitas das acções tinham
valores inferiores aos inicialmente transaccionados, o que levou o
banco a obter elevados prejuízos. Para além disso, o Banco Mello,
agora BCP, foi obrigado a pagar aos clientes os juros que aqueles
tinham contratualizado com Espregueira Mendes, mesmo tratando-se de
valores mais elevados do que os habitualmente praticados pelo balcão.
Ainda segundo o Ministério Público, para além dos clientes
particulares foram também emprestadas elevadas verbas à SAD portista.
Nos documentos consultados pelo CM há pelo menos referência a treze
depósitos nas contas do clube. O valor total rondou os três milhões de
euros e os depósitos foram feitos entre Agosto de 1998 e Dezembro de
1999.
Recorde-se, ainda, que após uma auditoria, Espregueira Mendes, à
data administrador da SAD do Porto, foi suspenso de funções.
PERGUNTAS & RESPOSTAS
- O que é que o arguido oferecia aos clientes em troca dos
depósitos?
- Segundo o Ministério Público, Nuno Espregueira Mendes oferecia
juros mais elevados que a generalidade dos bancos. Os clientes eram
empresários com alto poder de compra e a sua ligação ao FC Porto
atraiu ao balcão diversos jogadores. Em troca, o banco pagava a alguns
clientes juros ao mês, que podiam atingir os 10 por cento.
- Onde era investido o dinheiro dos clientes?
- A acusação refere que Nuno Espregueira Mendes abria contas
paralelas sem o conhecimento dos clientes e fazia investimentos
através de uma sociedade financeira de corretagem - Mello Valores.
Negociava então títulos mobiliários no mercado de capitais, numa
altura em que a bolsa estava numa fase de crescimento sem paralelo. Os
lucros eram elevados.
- A quem concedia empréstimos e quais as contrapartidas?
- A investigação apurou que foram concedidos diversos
empréstimos a empresários com ligações ao FC Porto. Os empréstimos
eram feitos tendo apenas como garantia cheques pré-datados e não havia
qualquer análise à capacidade de endividamento dos clientes. O banco
alega que foi muito prejudicado nos juros não recebidos, para além dos
créditos que não foram pagos.
AUDITORES ANALISAM DOCUMENTOS
Ontem, em mais uma sessão de julgamento, uma das 18 auditoras
que passaram a pente fino as contas do balcão das Antas do Banco
Mello, foi explicar ao tribunal os documentos que suportam as
conclusões do Ministério Público. Por se tratar da análise detalhada
de documentos, a audiência acabou por acontecer numa mesa redonda,
onde os juízes, a procuradora e os advogados tentavam descodificar a
documentação.
Entretanto, o BCP, que se constituiu assistente no processo, fez
também juntar ao processo novos documentos, que consistem nos
extractos das contas reais tituladas pelos clientes com aplicações
financeiras, bem como os extratos das contas paralelas, tituladas
pelos mesmos clientes.
Durante o dia e por diversas vezes, os juízes tentaram perceber
como foi possível aos auditores estabelecerem a relação entre
determinadas saídas de dinheiro e as entradas das mesmas quantias nas
contas de Maria João Espregueira Mendes ou pessoas que lhe eram
próximas.
A auditora explicou que foi com recurso ao sistema informático
que foi possível fazer a ligação das verbas, já que nem sempre as
transferências eram feitas directamente, de forma a não deixar rasto.
Na sessão de ontem, apenas foram analisados os depósitos feitos
na conta da mulher do único arguido. Gil Moreira dos Santos, advogado
de Espregueira Mendes, requereu também ao tribunal que lhe fosse
concedido um prazo mínimo de dez dias, para poder analisar os sete
volumes de documentos que o BCP acabara de juntar como prova. Aquele
prazo foi-lhe concedido.
EMPRÉSTIMOS VOLUMOSOS SEM JUROS
JOAQUIM OLIVEIRA: 10,5 MILHÕES
O patrão da Globalnotícias, um dos maiores impérios de
comunicação social, fez três empréstimos, num total de 10,5 milhões de
euros. O primeiro foi contraído em 1998.
JOÃO ESPREGUEIRA MENDES: 300 MIL EUROS
Irmão de Nuno Espregueira Mendes, João Espregueira Mendes viu
ser depositado na sua conta uma verba de 300 mil euros. O depósito,
que o MP apelida de financiamento, foi feito em Junho de 1998. A
acusação sustenta que o banco não tinha qualquer garantia do pagamento
por parte do cliente.
ADELINO CALDEIRA: 2 MILHÕES
Adelino Caldeira, administrador da SAD portista, fez dois
empréstimos ao Banco Mello. No total foram depositados na sua conta
cerca de dois milhões de euros.
M. JOÃO ESPREGUEIRA MENDES: 7,5 MILHÕES
Maria João Espregueira Mendes é casada com o administrador da
Portocomercial, arguido no processo. Na sua conta foram feitos mais de
duas dezenas de depósitos que ultrapassam os 7,5 milhões de euros.
Cerca de um milhão terá passado pela sua conta, antes de entrar na de
terceiros.
ANTÓNIO OLIVEIRA: 1,5 MILHÕES
António Oliveira, ex-treinador do Porto e um dos maiores
accionistas da SAD, contraiu dois empréstimos com o Mello. As
transferências totalizaram 1,5 milhões de euros.
EMPRÉSTIMO EM TEMPOS DE EUFORIA
Os anos de 1998 e 1999, quando Joaquim Oliveira conseguiu o
empréstimo sem juros, foram de euforia na Bolsa e os investidores que
aproveitaram os ciclos favoráveis conseguiram acumular fortunas em
mais-valias. A valorização do principal índice em 1998 foi de 25%, mas
a amplitude entre o ponto máximo e o mínimo chegou a 90,16%.
Ao ficar isento do pagamento dos juros, Joaquim de Oliveira
poupou muitos milhares de contos. Nesse ano, a taxa média praticada no
crédito à habitação, mais favorável que a usada para aplicações de
risco, era em média de 8,2% ao ano. Em 1999 os juros tiveram tendência
de descida, mas mesmo que só tivesse de pagar 5% , os mais de dois
milhões de contos exigiam um esforço de juros de pelo menos 100 mil
contos.
O investimento mais conhecido de Joaquim Oliveira na Bolsa é a
PT Multimédia, a empresa que é sua parceira na Sportv.
INTERVENIENTES
RUI MOREIRA
Rui Moreira, que é familiar de Espregueira Mendes, depositou no
banco quase dois milhões e meio de euros. Interrogado, disse que não
se lembrava.
JAIME MAGALHÃES
Jaime Magalhães, jogador do FC Porto até 1994, depositou 600 mil
euros, a troco de 2600 euros de juros ao mês. "Depositei tudo o que
tinha", afirmou.
ANTÓNIO FOLHA
António Folha, que durante muitos anos representou o FC Porto (e
que acabou a jogar no Penafiel), fez também avultados depósitos no
Banco Mello.
Tânia Laranjo Correio da Manhã