O ex-inspector da PJ de Setúbal, José
Torrão, e os dois jornalistas do extinto semanário 'O Independente', Inês
Serra Lopes e Francisco Teixeira, foram acusados pelo Ministério Público
(MP) de violação do segredo de justiça.
Isto acontece na sequência de
notícias, publicadas em Fevereiro de 2005, sobre investigações ao 'caso
Freeport', um processo que alegadamente envolvia o então líder do PS e
actual-primeiro-ministro José Sócrates.
O caso Freeport, relacionado com o
licenciamento desta obra em Alcochete quando o titular da pasta do Ambiente era
José Sócrates, foi destaque nos media em Fevereiro de 2005, em plena campanha
para as eleições legislativas, após terem sido noticiadas buscas da PJ e
avançadas informações de que Sócrates estava a ser investigado, o que foi depois
desmentido pela Direccão da PJ.
Na sessão de hoje, numa das salas do
Palácio da Justiça, Lisboa, o tribunal (de juiz singular) voltou, a pedido do
MP, a inquirir como testemunha a inspectora Carla Gomes, da PJ de Setúbal, para
esclarecer algumas questões que ficaram em aberto após a audição, como
testemunha, do empresário Armando Jorge Carneiro no passado dia um.
Na altura, este empresário da área da
Comunicação Social revelou que, em 2005 e antes das legislativas, levou Miguel
Almeida, ex-chefe de gabinete de Santana Lopes, a jantar com uma inspectora da
PJ que acompanhava o 'caso Freeport'.
Confrontada hoje com esse jantar, a
inspectora disse ter combinado a refeição apenas com Armando Jorge Carneiro, mas
que inesperadamente «apareceu mais um senhor, que veio num carro com
motorista». Este nunca revelou o nome, mas que percebeu que
«seria alguém ligado à política».
A inspectora afirmou que, só algum
tempo mais tarde, identificou este comensal como sendo Miguel Almeida, ao ver a
sua fotografia num «folheto de candidatos a deputado» pelo PSD.
A testemunha admitiu que, durante esse
jantar, Armando Jorge Carneiro tentou falar sobre o 'caso Freeport' e apresentou
papéis, na presença de Miguel Almeida, mas que a conversa sobre o assunto foi
«mínima» e que o seu objectivo nesses encontros foi o de
recolher algumas informações úteis à Polícia.
A inspectora confirmou que, noutra
ocasião, Armando Jorge Carneiro lhe entregou antecipadamente, mas já depois da
meia-noite (2h), uma cópia da manchete do 'Independente' sobre o 'caso Freeport'
(que exibia um documento da PJ), dizendo não ter conseguido travar a notícia
(conforme a inspectora desejava), mas que, em compensação, evitou que fossem
publicados nomes e números de telefones de inspectores constantes no mandado de
busca.
Inês Serra Lopes e Francisco Teixeira
negaram hoje que alguém os tenha contactado no sentido de tentar travar a
notícia, tendo a directora do jornal assegurado que foi por iniciativa própria
que o jornal retirou o nome do inspector que estava no documento.
A inspectora Carla Gomes disse ainda
hoje ao tribunal que Armando Jorge Carneiro sempre lhe pareceu «ter
conhecimento da situação» em torno do 'caso Freeport' e que até lhe
disse estar «interessado na Justiça».
Na última sessão, Armando Jorge
Carneiro revelopu ao tribunal que o primeiro contacto estabelecido com José
Torrão, que também é acusado neste julgamento de violação de segredo de
funcionário, ocorreu, em Janeiro de 2005, na sua casa na Aroeira, tendo o ora
arguido sido-lhe apresentado pelo advogado Bello Dias.
Questionado na altura pelo juiz sobre
o número de contactos que manteve com elementos da PJ de Setúbal em Janeiro e
Fevereiro de 2005, incluindo encontros com a inspectora Carla Gomes e o
inspector Peixoto, Armando Jorge Carneiro contabilizou seis, mas tentou negar
que essas reuniões tivessem como motivação o 'caso Freeport'.
Quando foi ouvido, o empresário teve
dificuldades em explicar por que razão decidiu levar Miguel Almeida, actual
deputado do PSD e figura próxima de Santana Lopes (à data primeiro-ministro), a
jantar, em Setúbal, com a inspectora da PJ.
Nessa sessão, a procuradora do
Ministério Público quis saber se a testemunha tinha ligações a partidos
políticos, ao que este disse que não, dizendo, porém, que na adolescência
militou na Juventude Centrista (JC).
Quanto aos políticos que conhece
melhor pessoalmente, a testemunha indicou Pedro Pinto e Santana Lopes (PSD), bem
como Paulo Portas (CDS/PP) e Manuel Monteiro, antigo líder da JC e do CDS/PP.
Quanto a Miguel Almeida, disse ser
«visita de sua casa».
Quanto aos inspectores da PJ de
Setúbal, Armando Jorge Carneiro assegurou então que nunca lhe forneceram
pormenores ou documentos sobre a investigação do 'caso Freeport'.
Numa outra sessão, José Torrão negou
que tivesse fotocopiado documentos relativos ao 'caso Freeport', apesar de ter
sido captado pela videovigilância interna da PJ a fotocopiar papéis a 9 de
Fevereiro de 2005.
Este alegou que estava a fotocopiar
documentos pessoais para solicitar um empréstimo bancário. O tribunal ouviu
ainda na sessão de hoje um outro inspector da PJ de Setúbal, mas nada de
relevante resultou da inquirição.
Lusa/SOL