O administrador-delegado da Espírito Santo Resources, Fernando Martorell, negou hoje que o grupo tenha entregue qualquer donativo ao CDS-PP no âmbito do caso Portucale.
Em declarações à Lusa, o responsável da área do grupo Espírito Santo para os
sectores não financeiros (a ES Resources) desmentiu que o grupo tenha avançado
qualquer contrapartida ao CDS-PP pelo despacho conjunto dos ministros da
Agricultura, Ambiente e Turismo no Gverno de Pedro Santana Lopes acerca do
projecto Portucale. "É mentira e estamos indignados com as notícias que hoje
foram divulgadas", frisou Fernando Martorell.
Notícias publicadas nas
edições de hoje do “Jornal de Notícias” e do “Expresso” referem que, segundo as
investigações da Polícia Judiciária ao caso Portucale, terão sido usados
milhares de nomes fictícios para justificar a entrada de um milhão de euros nas
contas do partido em 2004, alegadamente doados pelo Grupo Espírito Santo
(GES).
"O caso Portucale devia estar em segredo de justiça", numa altura
em que é esperada a decisão do Ministério Público que pode optar por arquivar o
processo ou avançar para a constituição de arguidos, referiu o
administrador-delegado da ES Resources. Fernando Martorell especificou que o
projecto está em desenvolvimento, tendo o alvará em vigor, com a instalação das
infra-estruturas, como os esgotos.
O empreendimento Portucale, num
investimento total de 30 milhões de euros, inclui dois campos de golfe, já a
funcionar, e residências turísticas, em Benavente. "Respeitamos escrupulosamente
as regras definidas, como o despacho do actual ministro da Agricultura [Jaime
Silva], de há dois anos, impedindo o corte de sobreiros", fez questão de
salientar o responsável do grupo Espírito Santo.
O “Jornal de Notícias”
noticia hoje que os comprovativos de quatro mil donativos obtidos em Dezembro de
2004 só foram passados em finais de Janeiro de 2005 e que a maioria dos nomes
que surgem nos mesmos - preenchidos nos meses seguintes por dois funcionários do
CDS que estão entre os 14 arguidos no inquérito crime Portucale - não permitiram
à PJ identificar os alegados doadores.
Além de os nomes suspeitos de não
serem verdadeiros - citando, como exemplo, Jacinto Leite Capelo Rego -, o jornal
acrescenta que a maioria dos recibos não tem escrito qualquer número de
contribuinte, "inviabilizando o apuramento da identidade dos mecenas", e que a
PJ suspeita que a verba de um milhão de euros seja uma contrapartida do GES ao
despacho com que três ministros do governo anterior - Costa Neves (PSD), Nobre
Guedes e Telmo Correia (CDS) viabilizaram o empreendimento Portucale, a quatro
dias das eleições legislativas de 20 de Fevereiro de 2005.
O “Expresso”
aborda também o assunto, afirmando que o CDS-PP terá falsificado nomes nos
recibos do partido para justificar a entrada de verbas do GES no
partido.
O relatório da investigação do caso Portucale - que surgiu do
despacho que declarou a utilidade pública de um grande empreendimento turístico
do GES, em Benavente, e autorizou o abate de 2.605 sobreiros - foi remetido há
uma semana ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP).
No caso do ex-ministro do
Ambiente, a sua assinatura foi colocada no despacho dois dias depois da vitória
dos socialistas. Mas o problema das datas ainda é mais complicado. Na versão final do despacho conjunto, enviado para a Casa da Moeda no dia 28 de Fevereiro, a data final que consta é a de 16 de Fevereiro. Ou seja, quatro dias antes das eleições legislativas de 2005. O percurso daquele diploma é, só por si uma aventura. Depois de o Presidente Jorge Sampaio ter dissolvido o Parlamento ao fim de quatro meses de governação de Pedro Santana Lopes, o XVI Governo Constitucional apresenta a sua demissão a 11 de Dezembro de 2004, mas mantém-se em funções de gestão até à posse do novo executivo que sai das eleições legislativas de 20 de Fevereiro de 2005. No dia 12 de Janeiro de 2005 o ministro da Agricultura, Costa Neves, desencadeia o processo de utilidade pública da Sociedade de Desenvolvimento Agro-Turístico Portucale na herdade da Vargem Fresca, concelho de Benavente. O projecto, numa área de 509,296 hectares, tinha um grande obstáculo: uma grande área de montado de sobreiros protegida por lei. Face a esta realidade, Costa Neves argumenta que o projecto “pode vir a constituir-se como um factor de desenvolvimento local e regional e pode permitir a criação de um considerável número de postos de trabalho numa zona em que a população, geralmente trabalhadora rural, enfrenta grandes dificuldades de obtenção de emprego, particularmente nas camadas etárias mais jovens”. O ministro da Agricultura diz que o Plano Director Municipal de Benavente confere “vocação turística” àquela zona e argumenta que a Câmara deliberou, em Agosto de 1998, qualificar o projecto como “empreendimento de grande importância” para a economia da região, tendo transmitido ao então ministro da Economia, Pina Moura, por carta, um apelo no sentido da emissão da declaração de “imprescindível utilidade pública”, fundamentando devidamente esse pedido. Com todos estes considerandos e tomando como bom o “compromisso assumido pela promotora de proceder a uma densificação da plantação de sobreiros na área onde permanecerá o montado para compensar o abate dos sobreiros nas zonas em que se pretende proceder ao corte”, Costa Neves reconhece a “imprescindível utilidade pública do empreendimento turístico a executar pela Portucale”. No dia 14 de Fevereiro, o ex-ministro da Agricultura envia para assinatura do seu colega do Ambiente. No dia 22 de Fevereiro Nobre Guedes devolve a Costa Neves o texto do projecto de despacho, que é remetido ao Ambiente em 24 de Fevereiro. Telmo Correia é o último a assinar. No dia 28 de Fevereiro de 2005 o despacho conjunto que confere à Portucale o estatuto de utilidade pública sai do gabinete do ministro do Ambiente para publicação em Diário da República com data de 16 de Fevereiro. O CM tentou ontem contactar Nobre Guedes, mas sem sucesso. DOIS TEXTOS DIFERENTES A versão final do despacho conjunto do caso Portucale não é a mesma que saiu do gabinete de Costa Neves. O texto inicial explanava sumariamente as pretensões do Grupo Espírito Santo e fundamentava a concessão da utilidade pública no PDM nas decisões tomadas pela Câmara de Benavente. No entanto, o texto que segue para publicação no diário oficial contém uma fundamentação muito mais precisa e discrimina o número de sobreiros que são necessários abater para dar lugar ao empreendimento; 2605 árvores, cujo plantio seria compensado noutra zona referenciada. Mais, o texto assinado pelos três ministros refere expressamente que o projecto Portucale se encontra numa zona abrangida pela Reserva Ecológica Nacional do município de Benavente, delimitada em resolução do Conselho de Ministros. Além da referência à “vocação turística” inscrita no PDM de Benavente, o texto final colhe pareceres favoráveis da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo e do Instituto da Conservação da Natureza. JUÍZES ARRASAM FUNDAMENTAÇÃO A fundamentação utilizada para suportar a concessão de utilidade pública no caso Portucale é arrasada por uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que veio negar provimento a um recurso do Grupo Espírito Santo contra a anulação decidida pelo Governo de José Sócrates. Nas razões invocadas pelo juízes pode ler-se que “o despacho ora revogado parte logo do princípio que estamos perante um empreendimento de imprescindível utilidade pública, quando, em primeiro lugar, deveria começar por explanar os fundamentos que considerava importantes”. “Refere tratar-se de um empreendimento relevante e de sustentável interesse para a economia local, mas não se sabe porquê”, dizem os magistrados, que se interrogam ainda sobre a possibilidade de criação “de um considerável número de postos de trabalho”, sem dizer “quantos nem de que forma”. Categoricamente afirmam: “Na verdade, para se sacrificar de forma tão contundente e irreversível um montando de sobreiros, protegidos por lei especial, temos de estar perante um projecto de interesse nacional, perfeitamente fundamentado, o que não é o caso”. CRONOLOGIA DO PROCESSO 11/12/2004 O XVI Governo chefiado por Santana Lopes apresenta a demissão. 12/01/2005 Costa Neves envia um primeiro projecto de despacho para o seu colega de Governo Nobre Guedes. 22/02/2005 Luís Nobre Guedes reenvia um novo texto para Costa Neves e assina, pedindo a assinatura do ministro da Agricultura. A data inscrita no documento é 16 de Fevereiro. 24/02/2005 Costa Neves devolve o texto do despacho devidamente assinado a Nobre Guedes, que o envia para Telmo Correia. 28/02/2005 Sai do gabinete do ministro do Ambiente, Nobre Guedes, a versão final do despacho. Com indicação de urgente, é enviado para a Casa da Moeda para publicação em Diário da República. NOTAS TELMO ESCLARECIDO Telmo Correia disse ontem ao CM que o “caso já está esclarecido” e que reassinou o documento na sequência de um erro resultante da matriz predial do espaço. ARQUIVAMENTO EM 2006 O ex-ministro do Ambiente, Nobre Guedes, viu o seu processo arquivado em Agosto de 2006. Dos três ministros envolvidos só Costa Neves é arguido. DECISÃO POLÉMICA A atribuição ao consórcio HDW da compra de dois submarinos foi alvo de recurso e o Supremo Tribunal Administrativo deu razão ao Executivo de então. PJ INVESTIGA SUBMARINOS A Polícia Judiciária terá aproveitado da investigação do processo Portucale – sobre suspeitas de tráfico de influências na aprovação de um empreendimento do Grupo Espírito Santo (GES), em Benavente – um conjunto de conversas telefónicas entre o ex-ministro da Defesa Paulo Portas e o dirigente do CDS Abel Pinheiro sobre montantes financeiros. As escutas, segundo o ‘Expresso’, terão servido para uma outra investigação, em curso, de acordo com o mesmo jornal, sobre a compra de dois submarinos ao consórcio HDW, ‘Thyssen’ e ‘Ferrostaal’, cuja decisão data de Novembro de 2003. A ESCOM, do GES, assessorou as contrapartidas. Paulo Portas nunca foi ouvido nestes processos e o CM só obteve silêncio sobre este dossiê. | |||
Miguel Alexandre Ganhão / C.R. |