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Atenção aos vulneráveis
Bo
Mathiasen* e Pedro Chequer**
Fonte: O Globo - 06/07/2011
Muito se tem falado sobre o crack. A droga está
cada vez mais presente nas
ruas. A preocupação dos governos para entender os
efeitos, os fluxos da cocaína
e do crack é crescente. Uma questão, no entanto,
vem recebendo pouca atenção. Trata-se
da vulnerabilidade dos usuários de
crack ao HIV e a outras doenças
infectocontagiosas como tuberculose, hepatites
e infecções transmitidas sexualmente de um modo
geral.
No final dos anos 1980 e início dos 1990, o Brasil foi protagonista no
desenvolvimento de estratégias
inclusivas ao promover ações de redução de danos
entre usuários de drogas injetáveis,
que então constituíam um dos grupos mais
vulneráveis à transmissão do HIV por
via sanguínea. O resultado foi um decréscimo de
72,6% do número absoluto de
casos de Aids associados ao uso injetável de
drogas entre 1996 e 2006. Foi
necessário que o enfoque não fosse a
droga, mas o usuário. Hoje, o país enfrenta
um novo desafio: a vulnerabilidade
dos usuários de crack.
O crack
Surgido nos anos 1980, o crack é um derivado da
cocaína, com alto poder de
criar dependência e que apresenta consequências
devastadoras para a saúde do
usuário. O baixo custo da pedra, comercializada às
vezes por apenas R$5, faz
com que qualquer pessoa tenha acesso à droga.
Diferentemente de outras substâncias, o
consumo problemático do crack é diário e ocorre
até o esgotamento físico, psíquico
ou financeiro do usuário. Os
usuários
de crack consomem em média entre 6 e 10 pedras
por dia e, quando em grupo,
compartilham o "cachimbo" e até mesmo a fumaça
para economizar no
consumo da droga.
Grave relação Crack e HIV
Estudos demonstram os fatores de vulnerabilidade
dos usuários de crack em relação
ao HIV: práticas sexuais sem proteção, associadas
a um número elevado de
parceiros; a troca de sexo por dinheiro ou mesmo
pela droga; o baixo nível de
instrução dos consumidores; a substituição do uso
exclusivo pelo uso de múltiplas
drogas; e a baixa imunidade colocam o usuário em
situação ainda mais vulnerável.
Esta relação com a droga, potencializada pela
situação de rua, tem tornado o
usuário de crack alvo de estigmatização,
preconceito e marginalização,
fragilizando todos os laços sociais que poderiam
oferecer alternativas.
Dados demonstram as proporções que o
problema pode atingir. Na década de 1990, estudo realizado em Nova York
evidenciou a alta prevalência de HIV
entre mulheres usuárias de crack - 21% delas eram
soropositivas.
Outro estudo, também realizado nos
anos 1990, em Houston, nos
Estados
Unidos, com usuárias de crack que apresentavam
comportamento sexual de risco
mostrou altas taxas de infecções sexualmente
transmitidas: 11,3% positivas para
HIV; 14,9% para sífilis e 53,3% para hepatite B.
Já no Brasil, um estudo publicado
em
2004 sobre o comportamento de risco de mulheres
usuárias de crack em relação às
DSTs/Aids revelou uma prevalência de 20% para o
HIV.
A vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a
outras doenças
infectocontagiosas como a tuberculose
e as hepatites é evidente. Os
estudos e a própria experiência mostram que é
preciso agir rapidamente para
evitar a propagação dessas doenças entre os
usuários de crack.
As vulnerabilidades associadas ao uso
do
crack demandam o desenvolvimento de novas
estratégias e de métodos de prevenção
do HIV, da tuberculose, das hepatites e outras
DSTs.
Nessa perspectiva, é importante a implementação de
estratégias cientificamente
fundamentadas para o equacionamento do problema. O
estabelecimento de serviços que
disponham de
equipe qualificada, nos quais o
acolhimento e o respeito ao paciente, não
como
mero cliente ou usuário, mas como cidadão,
devem ser aspecto intrínseco da
rotina estabelecida.
Por outro lado, serviços e
ações que efetivamente apresentem cobertura
de
abrangência nacional e de acessibilidade
compatíveis.
Os tempos
mudaram, o perfil do uso de drogas mudou,
os desafios são outros, mas o
objetivo deve ser o mesmo: prevenir e
reduzir o consumo de drogas e minimizar os
riscos e as vulnerabilidades à saúde de
usuários por meio de serviços de atenção
integral.
* Bo Mathiasen é representante do
Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODQ para
o Brasil e Cone Sul.
**Pedro Chequer é coordenador do Programa Conjunto
das Nações Unidas sobre
HJV/Aids (UNAIDS) no Brasil.
extraído de clippingmp.planejamento
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