Civilizado até a morte - Resumo do livro

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Janos Biro

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Oct 3, 2022, 6:52:45 PM10/3/22
to Contra a civilização
Antes da civilização, antes de nossos ancestrais pintarem nas paredes das cavernas, os seres humanos contaram histórias. Histórias sobre o que aconteceu, mas com a mesma frequência, as histórias que foram contadas determinaram o que iria acontecer.
Hoje, pouca coisa mudou. Poderíamos trocar o termo “contar histórias” por palavras bonitas como “narrativa” ou “paradigma”. Mas, no final, contar histórias é uma das primeiras invenções humanas e ainda é o princípio de funcionamento de como compreender e interagir com o mundo. Quem conta a história cria o mundo.
A história atual que nos é contada é que as vidas de nossos ancestrais eram uma luta constante. Eles lutaram contra a fome, doenças, predadores e, acima de tudo, uns contra os outros. Apenas o mais forte, mais inteligente, mais ansioso e mais implacável de nossos ancestrais sobreviveu para transmitir seus genes. E até mesmo esses sortudos só viveram até os 35 anos ou um pouco mais. Então, cerca de 10.000 anos atrás, algo incomum aconteceu: algum gênio esquecido inventou a agricultura e salvou nossa espécie de viver como animais selvagens. Passamos do desespero animal para a abundância, lazer, sofisticação e cultura. Apesar dos altos e baixos, as coisas estão melhorando desde então.
Esta história, a narrativa do progresso perpétuo (NPP), tornou-se um tipo de fé, um dogma religioso se preferir, que quando desafiado produz a ira dos verdadeiros crentes. A NPP tenta nos convencer que hoje é melhor que ontem e que amanhã será melhor do que hoje. Que estamos evoluindo lentamente rumo a um destino tão majestoso que as tristezas e as dores da civilização podem ser ignoradas. No final, os verdadeiros crentes afirmam, tudo vai valer a pena.
Mas de alguma forma esse futuro dourado pelo qual temos trabalhado nos últimos milhares de anos, estranhamente não parece se materializar. Como Freud disse na década de 1920: “Os homens estão começando a perceber que todo esse poder recém-conquistado sobre o espaço e o tempo, a conquista das forças da natureza, essas realizações de anseios antigos, não aumentaram a quantidade de prazer que podem obter em vida, e não os fez se sentirem mais felizes”.
Implícita na história do progresso perpétuo está a filosofia de Thomas Hobbes. Hobbes chamou a vida antes da invenção do estado de solitária, pobre, desagradável, bruta e curta. Hobbes estava certo? A vida dos seres humanos realmente era tão dura, cruel e curta antes que a civilização viesse para salvar o dia? Podemos acreditar cegamente na história atual de que a civilização é a maior realização da humanidade, que o progresso é inegável, você tem sorte de estar vivo, e agora qualquer dúvida, desespero ou decepção que você sinta é culpa sua. Supere isso, reaja, tome uma pílula e pare de reclamar.
Ou podemos examinar como nossos ancestrais realmente viveram observando atentamente a biologia evolutiva, arqueologia, relatos de primeiros contatos e pesquisas antropológicas. Nós sabemos, por meio dessas pesquisas, que muitas centenas de milhares de anos atrás nossos ancestrais humanos se pareciam conosco, eram tão inteligentes quanto nós, e viviam em grupos sociais complexos de intimidade profunda. Sabemos que eles não tinham uma dieta à base de grãos, mas sim, dependendo da localização, uma dieta de carnes, legumes, sementes, nozes e frutas. Eles viviam como caçadores-coletores, constantemente em movimento, caçando, forrageando, portanto fisicamente ativos. Por necessidade, eles criaram laços profundos uns com os outros para maximizar suas chances de sobrevivência.
Vamos encarar: o ser humano por si só não é um animal muito impressionante. Não somos tão fortes ou rápidos como outros animais, nem temos armas naturais à nossa disposição como garras ou grandes dentes afiados. Mas coloque um monte de nós juntos, com armas feitas coletivamente, e podemos derrubar o maior mamute. É assim que nós, como espécie, vivemos 95% de nossa existência. Apenas recentemente, cerca de 10.000 anos atrás, o que é relativamente insignificante no tempo evolutivo, mudamos para a agricultura. Essa mudança pôs fim à forma como nossa espécie viveu por centenas de milhares de anos.
Defensores do status quo podem ouvir isso e pensar: bem, talvez seja assim que nossos ancestrais viveram por centenas de milhares de anos, mas para nós, tecnosapiens modernos do século 21, isso é desnecessário. A vida moderna nos oferece muitas oportunidades para paz, entretenimento e significado. Gastar a maior parte do nosso tempo como nossos ancestrais fizeram, em atividades físicas, formação de vínculos, compartilhando momentos, construindo relacionamentos e comendo alimentos saudáveis ​​parece dar muito trabalho. Quem quer ser fisicamente ativo? Não é melhor ter um trabalho de escritório das 9 às 17? Gastar muito tempo fazendo amigos e mantendo relacionamentos? Não, isso é desnecessário. É um completo desperdício de tempo. Uma maneira melhor de atender nossas necessidades sociais é através do individualismo e mídias sociais.
Profissionais de saúde como médicos e psicólogos recomendam atividade física, intimidade e uma dieta saudável. Talvez nossos ancestrais não eram tão sem noção como o mundo civilizado quer que acreditemos. Mas você pode pensar: isso pode ser verdade, mas e a violência constante entre caçadores-coletores, a competição por terras férteis escassas, as infecções, doenças e animais atacando e comendo humanos? Certamente a civilização nos salvou desses desastres. Vamos abordar essas objeções uma a uma.
Objeção número 1: a natureza é cruel. Devemos temê-la. Ela não é nossa amiga, ela é contra nós. A chamada crueldade da natureza nunca foi mostrada com mais destaque do que em documentários sobre a vida selvagem. Todos nós já vimos cenas assim na TV. Uma música representando perigo começa a tocar, enquanto um animal, neste caso, uma foca, está relaxadamente fazendo suas coisas. Um grande tubarão branco se move lentamente. Enquanto o predador se aproxima cada vez mais, o vídeo fica mais lento, e após longas preliminares de horror, o grande tubarão branco finalmente emerge das profundezas do oceano e rasga a foca fofinha em pedaços. “A natureza ataca novamente” é a história que nos contam.
A pergunta é: essas cenas fortemente editadas são uma representação fiel da vida e morte das focas? Quando olhamos mais de perto, rapidamente fica evidente que a morte real da foca aconteceu em questão de poucos segundos. Então por que, você pode pensar, o vídeo é editado de modo que a morte e o sofrimento da foca são desacelerados 40 vezes? Não 10, não 20, mas 40 vezes? Simples: porque é a única maneira de destacar os poucos segundos de sofrimento que a foca teve que suportar antes de uma morte rápida.
Vamos esquecer a morte rápida das focas fofas por um segundo. Como a vida daquela foca se parecia em geral antes de sua morte? Quando você olha como as focas vivem, elas não parecem tão ansiosas, mas sim felizes. Elas passam a maior parte do tempo relaxando em pedras quentes e brincando com outras focas na água. Elas fazem isso por cerca de 30 anos em média. Mesmo se ela morreu no auge de sua vida, digamos aos 15 ou 20 anos de idade, a proporção de prazer em relação à dor em sua vida foi melhor do que a maioria de nós poderia esperar.
Eu sei que a morte pode ser assustadora, mas ponderar sobre como morrer é importante. Não é uma grande parte qualidade de vida a qualidade da morte? Podemos honestamente dizer que nós, seres humanos civilizados, teremos uma morte melhor do que a foca? A maioria de nós, quando mais velhos ficará uma quantidade de tempo considerável ligado em máquinas, persistindo por anos em desconforto e dor, sofrendo de doenças crônicas que prejudicam tremendamente nossa qualidade de vida, não sendo capazes de segurar nossa bexiga e esfíncter, cagamos e mijamos nas nas calças enquanto nos encontramos a morte.
Então, considerando todas as coisas, quão cruel é a morte desta foca fofinha? Morrer uma morte rápida sem sofrer por longos períodos realmente soa tão ruim? Considere as alternativas modernas: casas de repouso, câncer, diabetes, demência, doenças do coração, depressão, ansiedade, pressão alta, infartos e falha dos rins. A medicação que nos mantém vivos diminui a nossa qualidade de vida por meio dos efeitos colaterais. É óbvio que nem todas as mortes na natureza levam apenas alguns segundos. Mas mesmo quando não é relativamente rápido, embora muitas vezes seja, existem outros mecanismos que a natureza usa para acalmar o sofrimento daqueles prestes a morrer quando a morte é provocada por ataque físico.
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