AVANÇA REFORMA PARA PODER AOUTORGAR INDULTO AO PROFESSOR.
Víctor Ballinas e Andrea Becerril. La Jornada, 24/10/2013.
O Senado aprovou por unanimidade reformas ao Código Penal Federal
para que o Executivo possa outorgar o indulto “quando existem indícios
consistentes de graves violações aos direitos humanos da pessoa
sentenciada”.
Com isso, se fará justiça no caso do professor chiapaneco Alberto
Patishtán, “que ficou preso 13 anos por um delito que não cometeu”,
sublinhou o presidente da Comissão de Justiça, o panista Roberto Gil
Zuarth, ao fundamentar o parecer.
O panista explicou da tribuna: trata-se de acrescentar um artigo 97
bis ao Código Penal Federal para que “de forma excepcional, por
vontade própria ou a pedido do plenário de algumas das Câmaras do
Congresso, o titular do Poder Executivo federal poderá conceder o
indulto, por qualquer delito de ordem federal ou comum no Distrito
Federal, e com o parecer prévio do órgão executor da sanção no qual se
demonstre que o sentenciado não representa um perigo para a
tranquilidade e a segurança públicas, expressando suas razões e
fundamentos, quando existam indícios consistentes de graves violações
aos direitos humanos do sentenciado”.
Gil questionou: “Como é possível que hoje se use o indulto para
soltar delinquentes e não para libertar um inocente como Patishtán.
Não teve defensor e se lhe inventou um crime. Por isso se fez esta
reforma”.
O senador do PRD Manuel Camacho Solis destacou que esta reforma
“permitirá libertar Patishtán sem condições e eventualmente outros
cidadãos que tenham sido condenados sendo inocentes; é um ato de
justiça. Num acontecimento inédito, o Poder Legislativo reconhece e
resolve as graves deficiências que, às vezes, chegam a se apresentar
nos processos penais”.
Camacho advertiu: “a divisão dos poderes não pode ser pretexto para
deixar de atender as demandas dos cidadãos, a essência do estado de
direito é que os poderes adequadamente distribuídos respeitem e
garantam os direitos humanos”.
“ESTOU LIVRE DESDE O PRIMEIRO DIA”: PATISHTÁN.
Hermann Bellinghausen. La Jornada, 24/10/2013.
“Dentro de mim, estou livre desde o primeiro dia. Torturaram-me
psicologicamente, ameaçaram-me, mas nunca cai no jogo de aceitar a
culpa”. É a segurança que faz o professor Patishtán parecer sempre
alegre. “É muito triste que os juízes não admitam minha inocência,
como se isso não lhes importasse. Deixam-se governar pela escuridão”,
diz. Irradia a clareza e a paz interior do bom guerreiro.
“Tenho conhecimento de que os deputados e senadores procuram algumas
saídas para o meu caso. Independentemente do que querem ou podem
fazer, interessa-me que fique claro que sou inocente. Têm que me dar a
liberdade e ponto”, afirma no pátio de uma casa na Cidade do México,
onde permanece há algumas semanas enquanto recebe radiações pelo tumor
(benigno) à hipófise do qual sofre, pelo qual passou por uma cirurgia
no ano passado, e que voltou a crescer. Ele não parece alarmado, nem
por isso, nem por nada.
“Não sei se há uma ordem para manter-me preso”, expressa numa extensa
entrevista com o La Jornada: “Há momentos em que se vê que sim. Fazem
tudo ao contrário. Parece que não refletem nem são flexíveis. Às
vezes, penso que são as autoridades as que deveriam estar na cadeia, e
nós fora, por isso não julgam como deve ser”.
Após 13 anos atrás das grades, Patishtán já não é um desconhecido.
Preso político? Preso de consciência? Emblemático? Tudo isso e mais.
Condenado a 60 anos, injustamente, tem aprendido muito sobre o sistema
de justiça e a condição humana. Tem se transformado no defensor dos
direitos da população carcerária, a partir do simples fato de não se
dar por vencido: “Mantém-me a consciência que tenho”.
“Talvez, a autoridade pense que, ao soltar-me vai ter um inimigo.
Iriam me soltar se fosse conveniente ao Poder Judiciário da Federação,
mas não há dinheiro envolvido nisso. Quando tem, libertam quem quer
que seja. Eles sabem que sou inocente, mas a falta de dinheiro não faz
justiça”, insiste. “Vi muitos casos, a falar disso são muitos presos
que reconhecem que são culpados, mas movem influências e conseguem.
Quem cometeu um crime te diz. E tem saído. Dou-me conta de em que
sistema estamos”.
Vem o caso dos paramilitares que foram presos pelo massacre de
Acteal. “Conheci todos eles em El Amate, e alguns diziam: ‘Eu
participei’, e outros que o negavam, admitiam que eram do mesmo grupo,
que cooperaram com isso tudo, que atuaram. Surpreende-me que os
deixaram ir e eu não. Ao que é que isso se deve?”. E acrescenta: “Não
sou o único, conheço outros casos de injustiça evidente. Alguns eu vi
sair, outros continuam aí”.
Tem suas conclusões: “A justiça deve estar acima de qualquer coisa. A
verdade acima de qualquer mentira. E como a minha consciência está
limpa, me mantenho tranquilo, seguro do que vou fazer. Isso me anima
para seguir adiante, e posso ajudar os que têm se reconhecido na minha
situação”, acrescenta o docente tzotzil, que foi premiado em 2010 pelo
bispo Samuel Ruiz Garcia, por seu trabalho em defesa dos direitos
humanos dos indígenas presos em Chiapas com a condecoração JTatic
Samuel JCanan Lum.
O encarregado do governo para o Diálogo com os Povos Indígenas, Jaime
Martínez Veloz, o visitou meses atrás. “Disse-me que estava
preocupado, pois sabe que sou inocente”, relata. “Entendi isso como um
talvez sim, talvez não, do governo. Não se preocupe, lhe disse,
melhor, ocupe-se disso”.
Lembra os primeiros tempos de prisão. Reconhece que “quando me
agarraram, o mais doloroso de pensar é a injustiça; saem coragens
daquilo, você até se enche de rancor, de ódio. Para mim, isso era
outro presídio. Não te deixa avançar. Quando me aproximei das coisas
de Deus, comecei a perdoar. Antes eu não era de muita religião, mas
graças à espiritualidade sai desse presídio. Tomou-me alguns anos.
Também ajudaram os trabalhos manuais, de artesanato, tiravam-me desses
pensamentos. Depois, tenho me dedicado a transmiti-los a outros
presos”.
Não atribui sua transformação a nenhum religioso em particular. “Na
prisão, há sempre pessoas de igrejas, se aproximam de você e te falam,
mas fui eu que me dei conta das coisas. Tinha estudos de ciências
sociais, cheguei ao sexto semestre na Universidade do Vale do
Grijalva, em Tuxtla Gutiérrez. Depois fui professor no meu povoado de
El Bosque. Meus estudos também têm me ajudado a me aproximar dos meus
companheiros e libertá-los desse presídio que é o pior. Tenho ajudado
os que se aproximam. Ou eu me aproximo deles, para infundir coragem.
Há pessoas que nem comem, têm a saliva amargurada, como dizemos.
Coube-me livrá-los disso. Quando chega esta libertação, você se torna
mais ativo”.
O professor tzotzil conta que nunca deixou de lutar por sua
liberdade, e que, ao fazer isso, participa das luta dos demais presos,
injustamente reclusos. Como aderentes da Sexta Declaração da Selva
Lacandona, dezenas de presos em Chiapas têm sustentado sua inocência e
conseguido sua liberdade. Alguns eram bases de apoio do Exército
Zapatista de Libertação Nacional.
A espiritualidade, mais do que a religião (católica, no caso dele),
tem sido uma arma para resistir. “Alguns companheiros solidários de La
Voz Del Amate eram evangélicos. Falaram-me de suas experiências. Que
seus pastores veem a situação de outra forma, pedem que se conformem
no presídio. Esses companheiros não viam as Escrituras como ajuda
concreta para enfrentar a autoridade. Os pastores não querem ter a
autoridade como inimigo, tiram proveito dela, diziam meus
companheiros. ‘Esses religiosos não estão salvos nem são livres porque
não fazem nada por nós. Querem que nos resignemos, que é vontade de
Deus’, me diziam”.
No caso dele não houve um padre em particular que o aconselhasse. “o
cárcere te ensina a você se situar, as próprias autoridades, com seus
abusos, te dão as ferramentas para você se rebelar. Uma injustiça te
dá força, não dá outra. As injustiças te impedem de ficar em paz
consigo mesmo, não deixam que você se liberte. Tem que encontrar esta
paz para continuar”.
Sempre crítico do sistema penal pelo qual tem padecido, relata:
“Estamos lutando para que haja mais defensores públicos. No CERESO
[Centro de Recuperação de Sentenciados] onde estou tem apenas um. Aí
falamos quatro línguas, há mais de 500 internos, quase todos
indígenas, e o defensor não conhece as línguas. Há uma mulher,
tzeltal, o próprio diretor comentou isso comigo, cujo processo dura há
dez anos. Outro tem doze. Sem advogado. Imagine se forem declarados
inocentes ou se sua condenação for de seis anos. Quem vai devolver os
anos que perderam?”.
Comenta o seu “efeito” em outros réus. Agora o procuram familiares de
presos indígenas chiapanecos, “gente que nem sei se conheci, e está
sofrendo maus tratos” nas Ilhas Marias (onde queria me enviar o
anterior secretário de governo de Chiapas, Noé Castañon León, e que
teve que se conformar com mantê-lo num presídio federal de Guaymas,
Sinaloa, vários meses, até que Patishtán conseguiu voltar a San
Cristóbal de las Casas).
Sobre seu estado de saúde comenta: “a notícia de que o tumor continua
aí tampouco vai me assustar. Parece que estou estável com o
tratamento. O tumor cresce, mas não me abala. Há momentos em que me
preocupa, mas só um pouco”. Suas alegrias? “Ter mais um dia para
sorrir. Meus filhos Héctor (presente durante a conversa) e Gabriela
(em Chiapas, cuidando do seu bebe Genesis, que fez o professor se
tornar avo) têm me ajudado, e têm aprendido com a luta”.
Recorda os dias não distantes em que La Voz Del Amate e os Solidários
da Voz Del Amate resistiam nos presídios de San Cristóbal e Cintalapa.
Só continuam presos Alejandro Díaz Sántiz e ele. “Preocupavam-se
quando seus nomes não saíam no jornal, ou saíam os deles e não o meu.
Não se assustem, lhes dizia. Não sabem que onde estou vocês estão e
onde vocês estão eu estou e que todos temos que nos comprometer pelos
outros? Alejandro (com 15 anos de prisão) era o mais calado, mas tem
aprendido. Sentia-se traído. Tosos o estamos. Quando saíram os outros
nove lhe disseram: ‘seja abusado, Patishtán precisa de um secretário’.
E agora ele está lá representando as reivindicações dos presos que se
aproximam”.
Os protestos dos presos da Sexta Declaração propiciaram melhorias no
presídio número cinco de San Cristóbal: “Respeitam mais as visitas. Em
abril, conseguimos um convênio com uma clínica particular para que
realizem consultas de médicos e dentistas a cada 15 dias. Dão atenção
e remédios receitados. As mulheres, umas 50, passam no ginecologista.
No dia 10 de maio, os trabalhadores do presídio queriam celebrar o Dia
das Mães, e conseguimos que viesse um mariachi. Conseguimos lenha para
a cozinha das mulheres, com as caixas de verdura. Aí vai Alejandro a
distribuí-la e entrega-la ás companheiras. Nos últimos tempos se
pintou um mural no pátio, muito bonito. Permitiu-se a visitantes
solidários introduzir tinta e pincéis”.
Toda vez que vai ao médico, os demais presos se preocupam. “Vai
embora? Não, vou apenas a uma consulta. E essa bagagem? É só uma
roupinha. É que se você for embora, Patishtán, não vai dar pra ver
pelo que estamos lutando, o presídio vai piorar”.
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