Notícias de Chiapas 06/08/2013

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Coruja Vermelha

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Aug 6, 2013, 2:02:31 PM8/6/13
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VOTÁN II – GUARDIÃS E GUARDIÕES
La Jornada 31/07/2013.

Julho de 2013.

Bom, vou explicar agora como vai ser a escolinha (a lista de
materiais escolares, a metodologia, @s professor@s, os temas, os
horários, etc.), assim que a primeira é...

O que precisa.

Objetivamente, a única coisa da qual você precisa para participar da
escolinha zapatista (claro, além de ser convidado, e seus cem Pesos
para o pacote de livros-dvds) é de disposição para ouvir.
Então, não há porque atender aos conselhos e recomendações dessas
pessoas, por bem-intencionadas que sejam, que lhe dizem para trazer
este ou aquele equipamento, supondo que el@s sim já estiveram na
comunidade.
Aqueles que realmente já estiveram na comunidade não andam alardeando
isso, e bem sabem que, na verdade, o que se faz necessário é saber
olhar e ouvir. Porque pessoas que passearam para falar conosco (e para
pretender nos dirigir ou nos oferecer suas esmolas em dinheiro ou
sabedoria) têm havido e haverá muitas, até demais. E aqueles que
vieram para ouvir são muito poucos. Mas vou falar disso em outra
ocasião.
Assim, não compre nada especial (verdade que alguém só tem uns tênis
velhos, meio acabados). Traga um caderno qualquer e uma lapiseira ou
um lápis. Não é obrigatório que você carregue seu computador,
smartphone, tablet ou o que se usa agora, mas pode trazê-los se
quiser. Isso sim, não há sinal de celular onde você estiver. Há
internet em alguns caracóis, mas sua velocidade é, como posso
dizer..., como a de Pegaso, a cavalgadura de Durito. Sim, pode trazer
o que sei-lá-como-se-chama no qual você ouve música. Sim, pode trazer
câmara e gravador. Sim, pode gravar e tirar fotos e vídeos, mas só de
acordo com as regras que o Subcomandante Insurgente Moisés vai lhe
fazer saber. Sim, pode trazer seu ursinho de pelúcia ou equivalente.
Coisas que podem lhe ser úteis: uma lanterna, sua escova de dente e
uma toalha (caso lhe dê vontade e for possível tomar banho). Pelo
menos uma muda de roupa, caso se suje de barro. Seus remédios, se lhes
são necessários e foram receitados por alguém capacitado. Um envelope
plástico para suas identificações e o seu dinheiro (traga sempre
consigo as duas coisas – a identificação só vai ser pedida no
registro, para ver se você é você). Outro envelope plástico para o
material de estudo que vão lhe entregar. E suas roupas (interior – se
a usa- e exterior) coloquem-nas também numa bolsa de plástico.
Lembre: pode trazer tudo o que quiser, mas tudo o que trouxer terá
que ser você mesmo a carregar. Por isso, nada de vou levar meu piano
caso tenha tempo de praticar o do-re-mi-fa-sol-la. E, tampouco não
pode trazer seu Xbos, ps3, wii, nem aquele velho console do Atari.
O que é imprescindível não o pode comprar, mas já o traz incorporado
em sua pessoa e o pode encontrar, partindo do seu pescoço, embaixo, à
esquerda.
Bom, esclarecido isso, coloco a seguir a lista do que precisa para
participar da escolinha na comunidade. Sem estes requisitos, NÃO SERÁ
ADMITIDO:
- Indisposição para falar e julgar.
- Disposição para ouvir e olhar.
- Um coração aberto.
Então, não importam sua raça, idade, gênero, sua preferência sexual,
seu lugar de origem, sua religião, sua escolaridade, sua estatura, seu
peso, sua aparência física, sua equipe, sua antiguidade olhando para o
zapatismo...nem o seu calçado ou se estiver descalço.
Ah, isso si, não traga seus sapatos de salto cabeça-de-alfinete que
sim, ficam muito bem em você, mas vai quebrá-los quando der os
primeiros passos no...

Espaço Escolar e o horário.

Segundo todas e todos nós zapatistas, o lugar de ensino-aprendizagem,
enfim a escola, é o coletivo. Ou seja, a comunidade. E @s professor@s
e alun@s são aqueles que integram o coletivo. Todas e todos. Assim que
não há um professor ou uma professora, mas há sim um coletivo que
ensina, que mostra, que forma, e nele e com ele a pessoa aprende e,
por sua vez, ensina.
De tal forma que, ao participar do primeiro dia de aula na comunidade
(nas outras modalidades isso muda), não espere se deparar com o modelo
de escola tradicional. No que temos preparado para você, a sala de
aula ou o salão não é um espaço fechado, com quadro e professor ou
professora diante dele, distribuindo saber aos alunos, que são
avaliados e punidos (ou seja, os classifica: bons e maus alunos), mas
sim o espaço aberto de uma comunidade. E não uma comunidade de seita
(por aqui convivem zapatistas com não zapatistas e, em alguns casos,
com antizapatistas), nem hegemônica, nem homogênea, nem fechada (todo
ano a visitam pessoas de diferentes calendários e geografias), nem
dogmática (aqui também se aprende d@s demais).
Por isso, você não vem a uma escola com os horários habituais. Estará
na escola todas as horas e todos os dias que durar sua permanência a
parte mais importante do seu estar na escolinha zapatista é sua
convivência com a família que a ou o recebe. Irá com el@s recolher
lenha, ao milharal, ao arroio-rio-manancial, cozinhará e comerá com
el@s (claro, comerá o que não lhe fizer mal ou o que sua convicção
indicar –por exemplo, se for vegetariano, não lhe darão carne, mas
avise antes porque os compas, quando estão contentes com a visita,
cozinham frango ou porco, e a comunidade ou o município autônomo ou a
junta de bom governo, de repente, tiram do seu gado coletivo e fazem
caldo para tod@s), descansará com el@s, se cansará com el@s.
Ou seja, nesses dias, você será parte de uma família indígena zapatista.
E é por isso mesmo que não aceitamos que alguém venha com sua barraca
ou sua casa sobre rodas. Por isso há um número limitado de vagas.
Porque nessas terras cabem muitos sim, mas nas choças zapatistas só
cabem alguns. Se quiser acampar, conviver com a natureza, e seus
bucólicos equivalentes, bom, não vai ser aqui nessas datas.
Então, você não estará convivendo com seu bando, grupo, coletivo. Nem
com outr@s cidadãos e cidadãs. Se vier com sua família, seu par ou
não, ficará junto dela se quiser, mas nada mais. Nada de ‘nós que
viemos de tal lugar vamos ficar juntos para fazer bagunça ou para
conversar ou para cantar à luz da fogueira ou para seja lá o que for’.
Isso vocês podem fazê-lo em suas geografias e em outros calendários.
Aqui, você (ou você e sua família, casal ou não) vem para participar
da cotidianidade e do saber do povo indígena zapatista, e, claro,
também de indígenas que não são zapatistas.
O povo zapatista é um povo que tem a particularidade não só de ter
desafiado o poderoso, nem tampouco só de ter-se mantido em rebeldia e
resistência por 20 anos. Também, e, sobretudo, de ter conseguido
construir (nas condições que você conhecerá pessoalmente) a definição
indígena de liberdade: governar e governar-nos de acordo com nossos
costumes, em nossa geografia e neste calendário.
Sim, isso de em nossa geografia e neste calendário marca uma
distância apreciável em relação a outros projetos. Não só adverte que
não é um modelo a seguir (para nós algumas coisas deram certo, outras
não), um novo evangelho ou uma moda pronta para ser exportada.
Tampouco é um manual de construção da liberdade. Nem sequer para todos
os povos originários do México, menos ainda para os povos que lutam em
todos os campos do mundo.
Além disso, muita atenção, estamos definindo um tempo. Isso que você
verá, agora vale para nós. Novas gerações irão construindo seus
próprios caminhos, com suas próprias maneiras e seus tempos. Um
conceito de liberdade não deixa em herança a escravidão em relação a
si mesmo.
Porque para nós a liberdade é isso: exercer o direito de construir um
próprio destino, sem ninguém que mande em nós e nos diga nem sim nem
não. Em outras palavras: nosso direito de cair e levantar por nós
mesmos. Sabemos que isso se constrói com rebeldia e dignidade, sabendo
que há outros mundos e outros modos, e que, assim como todos e todas
nós vamos construindo, cada um vai construindo sua identidade, ou
seja, sua dignidade.
Só duas vezes durante a semana em que conviverá com as comunidades
zapatistas, participará de uma reunião no Caracol com tod@s os alunos
da região onde estiver. Nesta reunião, onde estarão reunidas muitas
cores e jeitos de diferentes calendários e geografias, haverá um
professor ou professora que se dedicará a tratar de responder às
perguntas ou dúvidas que surgirem em sua convivência. Isso porque
pensamos que será bom para você conhecer que dúvidas teve, por
exemplo, quem vem de outro país, de outro continente, de outra cidade,
de outra realidade.
Mas o fundamental da escolinha, você o aprenderá com seu...

Votán.

Durante vários meses, dezenas de milhares de famílias zapatistas têm
se preparado para receber aqueles que vêm à escolinha da comunidade.
Com eles, milhares de mulheres e homens, indígenas e zapatistas têm se
transformado em Votán ao mesmo tempo individual e coletivo.
Então você deve saber qual é o lugar do Votán na escolinha. Porque
acontece que o Votán é, como se diz, a coluna vertebral da escolinha.
É o método, o plano de estudos, a professora-professor, a escola, a
aula, o quadro, o caderno, a lapiseira, o escritório com a maçã, o
recreio, o exame, a graduação, a toga e o gorro.
Sobre o que significa Votán (ou Uotán, ou Wotán, ou Botán) tem sido
dito e escrito muito: por exemplo, que a palavra não existe na língua
maia e que não passa de uma palavra mau-ouvida e mau-traduzida, de Ool
Tá aan, algo como O Coração que Fala; que se refere ao terremoto, ou
ao rugido do jaguar, ou ao palpitar do coração da terra; ou o coração
do céu, ou o coração da água; ou o coração da montanha; ou tudo isso e
mais. Mas, como em quase tudo que se refere aos povos originários,
trata-se de versões sobre versões daqueles que têm pretendido dominar
(às vezes com o conhecimento) essas terras e seus moradores. Assim
que, a menos que você tenha interesse em elucubrar sobre
interpretações de interpretações (que acabam por ignorar os
criadores), aqui nos referimos ao significado que todas e todos nós
zapatistas damos a ‘Votán’. E seria algo assim como “guardião e
coração do povo”, ou “guardião e coração da terra”, ou “guardião e
coração do mundo”.
Cada estudante da escolinha terá o próprio Votán, um guardião ou
guardiã, não importa a idade, gênero ou raça do alun@.
Ou seja, além da família com a qual conviverá nesses dias, terá um
tutor ou tutora que é quem vai ajudar a entender o que é a liberdade
segundo nós zapatistas.
Guardiões e Guardiãs são pessoas comuns. Só que são pessoas que se
rebelaram contra o poderoso que as explorava, desprezava,
desapropriava e reprimia, e nisso colocaram a vida. Contudo, o Votán
que somos não prega o culto à morte, à gloria ou ao Poder, mas caminha
pela vida na luta cotidiana pela liberdade.
Seu Votán pessoal, seu Guardião(ã) lhe contará nossa história, lhe
explicará quem somos, onde estamos, porque lutamos, como o fazemos,
com quem queremos fazê-lo. Falar-lhe-á de nossos acertos e de nossos
erros, estudará com você os livros de texto, lhe resolverá as dúvidas
que puder (se não puder, há para isso a reunião geral), é quem lhe
falará em espanhol (a família com a qual vai conviver lhe falará na
língua materna o tempo todo), lhe traduzirá o que lhe dizem na
família, e traduzirá à família o que você quer dizer ou saber,
caminhará com você, irá ao milharal ou a recolher lenha ou a pegar
água com você, cozinhará com você, comerá com você, cantará e bailará
com você, dormirá perto de você, o acompanhará quando for ao banho,
lhe dirá que bichos evitar, verá que tome seu remédio, resumindo: lhe
ensinará e cuidará de você.
A ele pode perguntar o que quiser: se somos filhotes de Salinas, se o
SupMarcos está morto ou se bronzeando nas praias europeias, que se o
SubMoy vai chegar, se o mundo é redondo, se acredita nas eleições, se
gosta do jaguar, etcetera, etcetera, etcetera. À diferença de outr@s
mestr@s, o guardião ou guardiã, se não souber a resposta, lhe dirá:
não sei.
Seu Votán é também seu tradutor simultâneo que não precisa de
baterias. Porque aqui, sempre que possível, lhe falarão em língua
materna. Só o guardião ou a guardiã pode lhe falar em castelhano.
Assim você mergulhará no que acontece quando um indígena trata de
falar na língua dominante. A diferença fundamental e que você aqui não
será tratado com desprezo nem gozação por não entender o que se diz ou
por pronunciar mal. Haverá risadas, sim, mas de simpatia por seu
esforço em entender e fazer-se entender. E, atenção, seu Votán não lhe
traduzirá só palavras, e sim cores, sabores, sons, mundos inteiros, ou
seja, uma cultura.
Na reunião da qual participará junto a seus condiscípulos da região,
você não poderá fazer uma pergunta direta à professora ou professor,
mas deverá fazê-la a seu guardião(ã), e ele-ela a traduzirá ao
professor, que responderá em língua materna, e o guardião a traduzirá
para você. Claro que você ficará com a dúvida se sua pergunta foi bem
traduzida e se a resposta que recebe é a que o professor deu. Mas, não
dizem que é justo que um indígena compareça perante as instancias
governamentais de justiça com um tradutor de palavras? Ou, acaso, nos
julgamentos se traduzem culturas? Assim, você entenderá que isso que
chamam de igualdade jurídica é mais um dos espantalhos da justiça em
nosso mundo. Onde está a igualdade jurídica se a tradução de palavras
como liberdade, democracia, justiça se faz com as mesmas palavras
daqueles que querem nos escravizar, nos espoliar, fazer-nos
desaparecer? Onde a igualdade se a acusação, o julgamento e a
condenação é feita por um sistema jurídico, além de corrupto, imposto
com a língua do Mandão? Onde está a justiça se o sistema que julga
está baseado na premissa da expropriação cultural?
Por isso, a escola é assim. Por isso assim é o Votán. Porque...

Somos ele.

Seu Votán é um grande coletivo concentrado numa pessoa, ele ou ela
não fala nem ouve como pessoa individual. Cada Votán somos todas e
todos nós zapatistas.
Semanas atrás, os Subcomandantes Moisés e Marcos entregamos o cargo
de porta-vozes do EZLN a milhares de homens e mulheres indígenas
zapatistas para os dias da escolinha. Durante esses dias de agosto (e
depois em dezembro e janeiro próximos) por sua voz falará todo o EZLN,
com seu ouvido escutará, e em seu coração palpitaremos o grande nós
que somos.
Assim que nesses dias da Escolinha, você terá como professor ou
professora nada mais e nada menos que a máxima autoridade zapatista, o
chefe/chefa supremo do Exército Zapatista de Libertação Nacional:
Votán.
E Votán também se encarregará de...

Das crianças.

Se o aluno ou aluna é menor de idade (12 anos ou menos), uma guardiã
por cada criança acompanhará a mãe e/ou o pai o tempo todo, ajudará a
cuidar, que não adoeça, que tome seu remédio, que brinque, que
aprenda, que esteja contente. Se já sabe ler, estudará com uma criança
o livro de texto, lhe contará histórias de como viviam as crianças
indígenas antes do levante e como vivem agora, lhe contará histórias
terríveis e maravilhosas, contos, piadas, lhe contará a do laço
vermelho. E, caso se comporte mal, lhe dirá que não faça assim, porque
senão chegará o SupMarcos com sua grande bolsa de bolachas e não vai
lhe dar nenhuma, ainda que seja a de animaizinhos, e o grande Don
Durito de La Lacandona não lhe contará de quando lutou, ele sozinho,
contra 3.141.592 dragões desdentados, nem a maravilhosa história de
‘Luzinha’ e do ‘Gato-Cachorro’ que, me dizem, deixa bem pra trás
Ironman, Batman, Os Vingadores, Homem Aranha, X-man, Wolverine, e o
que estiver saindo.
Todas as crianças, com os familiares que os acompanham, serão
colocadas na área mais próxima a San Cristóbal de las Casas, com as
melhores condições que podemos oferecer. Habilitar-se-ão lugares
especiais para elas, junto a seus pai/mãe, para que não tenham muito
frio nem se molhem se chover. Haverá também compas que sabem lidar bem
com a saúde e primeiros socorros. E para qualquer emergência, nas 24
horas do dia estarão disponíveis 2 ambulâncias e 2 veículos para levar
a criança à cidade, caso precise de um médico, ou irão por remédios,
caso seja necessário. Se for necessário que a família retorne à sua
geografia particular, temos um pequeno fundo econômico para ajudar com
as passagens, ou a gasolina, para a viagem de volta se esta se tornar
necessária antes que termine o período escolar.
Em resumo: as crianças terão tratamento especial. Mas nem elas nem os
adultos se salvarão de...

A Avaliação.

É mais difícil do que você já tenha imaginado. Não constará de um
exame, uma tese ou uma prova de múltipla escolha, nem haverá um jurado
ou uma banca de professores com títulos universitários.
A avaliação a fará a sua realidade, em seu calendário e geografia, e
sua banca será...um espelho.
Aí você verá se pode responder à única pergunta do exame final: O que
é a liberdade segundo você-vocês?

-*-

Valeu. Saúde e acredite, digo isso por experiência própria, o que mais
se aprende por aqui é a perguntar. E vale a pena.

Das montanhas do Sudeste Mexicano,
SupMarcos.
México, julho de 2013.



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