Notícias de Chiapas 07/08/2013

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Coruja Vermelha

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Aug 7, 2013, 1:52:31 PM8/7/13
to chiapas-...@googlegroups.com
VOTÁN III – SESSÃO NO FAQ.
La Jornada, 03/08/2013.


O que você sempre teria gostado de que alguém o advertisse em relação
aos e às zapatistas, sua mencionada escolinha e as consequências que
lhe pode acarretar participar.

Julho de 2013.

Pois parece que vai mais ou menos se esclarecendo o panorama sobre
que diabo nós zapatistas estamos pensando quando falamos da escolinha.
Mas é de se esperar que você agora tenha mais perguntas do que
respostas. Ainda que já não se preocupe com o calçado, lhe restam
interrogações. Se acha que talvez seja certo isso de que a zapatista é
uma rebelião do século XXI, hábil em tudo o que tem relação com o
cibernético (tem até um grafiteiro de muros virtuais). Assim que você
vá ao café-internet mais próximo, ou liga o seu computador e procura:
Escolinha Zapatista, dúvidas, perguntas frequentes FAQ, etcetera.
A tela, então, dá, como se diz, uma elegante guinada cibernética para
escapar da vigilância da Agência de Segurança Nacional estadunidense,
e o adentra no servidor ultrassecreto dos transgressores da lei: o ZPS
(Zapatista Pozól Server, pela sigla em inglês). Depois de aparecer na
tela um contundente “Fuck You XKeyscore”, você vê que se pede uma
contrassenha para entrar. Você tenta MARICHIWEU e o computador diz
Não. Tenta com NOSOTR@S e na tela aparece Tampouco. Tenta com DURITO e
a tela reza Uh, nem pensar. Irritad@ pelos obstáculos, você deixa uma
mensagem dirigida ao governo norte-americano e, ao colocar sua
assinatura, a tela se abre como se fosse uma porta em 3D, som dolby e
todo o mais, e aparece um letreiro que diz “Escolinha Zapatista, No
FAQ, - Perguntas Não Frequentes”. No final pode acrescentar a sua,
seguido de uma longa lista com perguntas e respostas, como as que
seguem:
- Encontre a descrição que mais se assemelhe à sua, ligue com a
pergunta e veja a resposta correspondente:
- Não tenho estudos superiores/Não sou artista/Não sou uma pessoa de
renome? Não represento ninguém/Não sou dirigente nem líder de nada/Sou
muito jovem/Sou muito grande de idade. Nunca antes fui à escola/Sou
nov@ no conhecimento do zapatismo e nunca estive numa comunidade/Não
havia nascido ou era muit@ pequen@ quando vocês saíram à luz
pública/Não me inteirei de nada até o dia do fim do mundo/Eu sobe
apenas umas semanas atrás e pedi que me convidassem/Eu não sei nem
porque me convidaram se a mim os zapatistas caem mal, bom os
zapatistas sim me caem bem, mas o Marcos é um palhaço que está se
aproveitando dos pobrezinhos dos indinhos e
eu-vou-lhe-explicar-que-não-se- deixem-enganar-vou-redimi-los/o
etcetera que estiver na moda/________ (seu caso particular)...

Perguntas:

Vão me tratar do mesmo jeito daquele que sabe de cor o hino
zapatista, que tem participado de todas as atividades do/sobre o
zapatismo, que tem uma camiseta do EZLN, que sabe bem o bordão do “é
uma honra estar...” –ah, não, isso é de outro canal-, que traz umas
superbotas e um equipamento de alpinismo de alta montanha, que esteve
muitas vezes na comunidade e tem apoiado muiiito, mas muuuiiito os
indígenas? Isso faz muita diferença na escolinha? Isso é de
impedimento para participar ou para pedir que me convidem?

Respostas (de acordo com a ordem das perguntas):
Sim. Não. Não.

Pergunta: Posso ficar para viver numa comunidade zapatista?
Resposta: Não.

Pergunta argumentada: Mas já pensei muito nisso e estou bem decidid@ a, Sim?
Resposta reiterada: Não.

Insistência enfática: Por favor? Por favor? Por favor? Sim?
Resposta igualmente enfática (de acordo com a ordem das perguntas):
Não. Não. Não. Não.

Pergunta: Posso dar mais de cem Pesos pelo material de apoio
educativo, como sinal de solidariedade com as comunidades indígenas
zapatistas?
Resposta: Sim, mas nem nós, nem os demais saberemos a quantia, nem
quem a deu. Ao credenciar-se, você passará diante de um balde ou caixa
(não sei o que vão pôr) e deposita os seus cem Pesos e o que quiser.
Ninguém mais do que você saberá se deu apenas os cem Pesos, ou mais,
ou menos, ou se colocou um cartão pré-pago, um bilhete do metrô ou uma
‘mentada’ (de menta, claro). Depois do credenciamento, os compas
encarregados esvaziarão o balde ou caixa, e entregarão o que contém a
uma comissão da Escolinha Zapatista. Assim, nós tampouco saberemos nem
quem nem com quanto colaborou. Desta forma, ninguém poderá reclamar ou
exigir tratamento especial ou VIP porque você não sabe quem eu sou,
nem todos os cargos e prêmios que consegui, nem o muiiito, mas
muuiiito que tenho ajudado as comunidades/e ninguém vai me humilhar
colocando-me com gente que sequer esteve na comunidade,/e não têm nada
a me ensinar e sim, por outro lado, tudo que me agradecer,/ e a única
imagem de indígena que consigo digerir é a de quem, prostrado, me
adora, a imagem de indígenas rebeldes, ou seja, mal-agradecidos, me é
indigesta (como já tem dito uma ilustríssima pessoa do meio
artístico-cultural).

Pergunta: Posso levar coisas para presentear a família que vai me receber?
Resposta: Não.
Claro que será natural que você vá construindo uma relação de afeto
com quem vai conviver. Mas os presentes pessoais desequilibram a
comunidade e deslocam uma relação política para uma pessoal. Então,
você deixa de se relacionar com uma causa e passa a se relacionar com
uma pessoa, o que também não é ruim, mas você não vem para fazer
amizades, e sim para aprender. O que se vai fazer é que, no CIDECI,
você poderá doar o que quiser doar, seja na hora do credenciamento ou
quando o curso terminar. O doado se fará chegar às Juntas de Bom
Governo que distribuirão, EQUITATIVAMENTE e entre todas as comunidades
zapatistas, o que vier a ser recebido. Mas leve em consideração que
para nós, ou seja, para as famílias que recebem um e outro, o
importante é a pessoa, não o que possui ou dá. Também para você, o que
deve importar são os povos zapatistas em seu conjunto, não a família
ou Votán particular com quem se relaciona, porque não é um grupo de
pessoas que o atendem e sim todos os povos zapatistas organizados,
sintetizados para você numa família e num(a) guardião(ã).

Pergunta: Por que não aceitam que eu obsequie com alguma coisa quem
vai me receber em sua casa, vai me alimentar, vai me cuidar e vai me
ensinar?
Resposta: Olhe, há famílias zapatistas que não vão receber ninguém,
mas têm colaborado e colaboram com alimentos, materiais, transporte.
Participam tanto quanto a família que recebe. Para essas famílias não
há presentinho porque você não as viu? Você não vai dar seus dados
para elas caso ocorra de alguma vez ir à sua geografia ou para que o
chamem ou lhe escrevam? Para essas crianças que não conheceu não
haverá doces, roupas, brinquedos, presentes?
Por exemplo, há povoados zapatistas sob constante ameaça de grupos
paramilitares. Como aí a segurança é bem precária, não podem receber
estudantes para a escolinha, porque não poderíamos cuidas de noss@s
convidad@s nesses lugares. Mas essas famílias se prepararam do mesmo
modo, apoiaram os que vão receber [convidados], construíram, varreram,
lavaram, esfregaram, pintaram, cozinharam, juntaram lenha, cooperaram
com os alimentos que vão lhe oferecer. Você não os conhece, nem os
conhecerá na escolinha. Se as agressões paramilitares e policiais
aumentarem, terão que sair de onde estão. Você talvez ficará sabendo
ou não (verifique o número de entradas-leitura da última denúncia da
JBG), mas para você não terão nem nome nem rosto.
Serão invisíveis do mesmo modo que centenas de milhares de
zapatistas. Há alguém que os leve em consideração ainda que sejam
invisíveis para você e para o resto?
Sim, todas e todos nós, seus companheiros e companheiras. Por isso, o
que se recebe de fora se procura fazer com que seja distribuído
equitativamente: reparte-se mais e melhor ao mais necessitado.
Outra coisa sobre esta questão das doações. Sabemos que lá fora
predomina esse estereótipo de que os indígenas são objeto de
comiseração e esmola, de que se deve dar a eles o que sobra ou
estorva, no lugar de jogá-lo. Algo como uma espécie de síndrome
“Teletón” generalizado. Seu equivalente na classe política está no
photoshop da esmola (nada que não se possa maquiar com uma campanha
contra a fome...ou com uma fotocopiadora).
Nós, zapatistas, a chamamos de aspirina da consciência.
E no que andamos em nosso longo sobe e desce pela luta, vimos muitas
coisas. Uma delas é que, nos momentos de desgraça, quem mais tem dá do
que lhe sobra; e quem menos tem, dá o que lhes falta. Alguém com
dinheiro e bens, doa os cobertores que não usa, a roupa que não lhe
serve, os sapatos que estão fora de moda, as moedas que não lhe fazem
falta. E aqueles que devem lutar em cada momento do dia para receber
um pouco de pagamento e ter algo pra pôr na mesa, além de uma toalha
puída ou nem isso, dão essa moeda de que precisam para completar o
necessário de sua sobrevivência.
Este povo indígena, o zapatista, não merece sua comiseração. Apesar
do desprezo recebido por ser moda passageira ou por negarmo-nos a ser
parte dos arrastados pelo movimento histórico da conjuntura de
plantão, temos nos levantado com dignidade, do mesmo modo que há 20,
50, 500 anos. E continuaremos fazendo isso. Não nos insulte com a
esmola.
Não lhe pedimos nada que não seja justo: só o pagamento do custo do
material de apoio (cem Pesos) e sua disposição a prender. Nós @s
hospedaremos. Nós @s alimentaremos. Não será um hotel de 7 estrelas
nem um buffet gastronômico, mas em cada tortilha, feijãozinho,
verdura, cama ou rede, náilon para a chuva, está o carinho e o
respeito de todas e todos nós para você, porque é nossa convidada,
nosso convidado, nosso companheiro, nossa companheira, nossoa
companheiroa.
Não nos deve nada nem fica devendo nada. Da escolinha não segue a
militância, o pertencer orgânico, a subordinação ao comando, o
fanatismo. O que vem depois da escolinha é algo que a você, e só a
você, cabe decidir...e agir de maneira consequente. Não os convidamos
para recrutá-los, formá-los ou deformá-los, ou, como se diria agora,
“resetá-los”. Abrimos uma porta e o convidamos a entrar para que veja
como é a nossa casa, a que levantamos com a ajuda de pessoas do mundo
todo que, essas sim, não nos deram suas sobras, e sim seus olhares e
ouvidos companheiros, e a aqueles que nunca ocorreu sequer que lhes
tivéssemos que estar eternamente agradecidos, nem prestar-lhes culto
como se presta a quem possui e ordena.
Você é quem é, e só a você deveria caber o continuar sendo assim ou
de outra maneira.

E para finalizar este fragmento da sessão de Perguntas Não Frequentes:
Você não é nenhuma personalidade? Não tem grandes estudos? Nunca
esteve antes numa comunidade zapatista? Sequer havia nascido quando o
EZLN se tornou público? Você não se inteirou de nada até o dia do fim
do mundo, ou depois?
Não se preocupe nem se ocupe com isso. Aqui não se olham os
currículos acadêmicos, nem os calendários de antiguidade na vida ou na
luta, e sim os corações. Aqui virá gente com vários doutorados e quem
sequer entrou no maternal; pessoas com mais de 90 anos e quem ainda
nem chegou a tirar as folhas do calendário. A todas, a todos, a
todoas, vamos recebê-los com os mesmo carinho companheiro, vamos
atendê-lo com o melhor que temos, vamos ensinar o que somos do mesmo
jeito e vamos cuidar dele com o mesmo esmero.
Assim, deixe esses reparos, traumas e ressentimentos para o seu
seriado de tevê favorito.
Pense melhor, por exemplo, que, ao seu retorno, poderá falar com seus
familiares, amig@s, ou colocar em seu blog, ou seu perfil, algo como:
“Lembro-me de quando Pablo (González Casanova), o Luis (Villoro), o
Adolfo (Gilly), O Immanuel (Wallerstein), a Paulina (Fernández
Christlieb), o Oscar (Chávez), um que chamávamos ‘el Mastuerzo’, outro
que chamávamos ‘Rocco’ não sei porque, uns amigos que faziam a
cantoria com nomes raros como o Comando Cucaracha, SKA-P e Louis Ling
and the Bombs, e outr@s compas dos quais agora não me lembro,
estávamos juntos na escola e nos descontraíamos no recreio, e com
certeza nos castigaram por não fazer a tarefa. E um dia surpreenderam
Toño (Ramirez Chávez) e a Domi (a única Domi que existe) grafitando a
parede que dá para fora, para nossos mundos, e, com eles, cada um
agarrou o que podia e nos pusemos todos a pintar. Mas aí chegou o
porteiro, e então nos pusemos tod@s a correr. O porteiro ficou olhando
a parede, foi e voltou com um balde de tinta e uma brocha. Pensávamos
que iria apagar o que tod@s havíamos pintado com muitas cores. Mas
nada. Não vão acreditar, mas acontece que o porteiro pegou a brocha e
começou a colocar traços no muro. Mas algo bem diferente, porque o
porteiro desenhou uma rachadura na parede...e foi embora. Mas o mais
estranho é que, a cada dia que passávamos na escola, a rachadura
desenhada passou antes a se tornar real, e, em seguida, foi se
ampliando e se aprofundando. No último dia de aula, nos juntamos todos
diante da parede, olhando e esperando para ver se a rachadura acabava
de quebrar o muro. Estávamos nisso, quando passou um compa zapatista
com um passa-montanha de muitas cores bem divertidas e nos disse: O
que fazem aí se a escolinha acabou? Mandem-se para a sua terra! Fomos
tod@s embora. Sim, conto isso para que vejam que tenho estudos sim.
Eh? Para que serve o balde de pintura em aerossol? Nada, estava
olhando para essa parede aí na frente, onde do outro lado vive o
Mandão. Esse muro tão grande, tão bem cuidado, tão sólido, tão
poderoso, tão intimidante, tão indestrutível, tão cinza. Fiquei
pensando e disse para mim mesmo “a esse muro falta...uma rachadura”.

-*-

Valeu. Saúde e não compre a tinta nem a brocha, tragam-nas no coração.
O que fizer com elas é parte da sua liberdade.

Das montanhas do Sudeste Mexicano,
O SupMarcos.
Porteiro, zelador, varredor na Escolinha Zapatista (não deixem sua lixeira!)
México, julho de 2013.

________________________

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podem ser feitos através do site:
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Aguardamos suas críticas e observações pelo e-mail nadiacoru...@gmail.com
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