Prezad@s, boa noite.
Saudações daqui do Vale do Jequitinhonha!
Tenho acompanhado os diálogos entre os membros deste grupo, associados do CBCE, entre colegas (docentes e discentes), e percebo que há indicadores de prospecção para refletir sobre a criação de um novo GTT, sobretudo, consensualmente, está em diálogo se o campo
das Relações Étnico-Raciais tem demanda para que se torne um Grupo de Trabalho Temático no Conbrace/CBCE?
Foi encaminhado, dentre as provocações, pelo companheiro Melo (UFRJ), se Monografias, TCC´s, Dissertações e Teses foram defendidas em cursos de formação inicial e continuada, e se em programas de pós-graduação, cuja temática envolveu Educação Física e Relações
Étnico-Raciais? Penso que pode haver uma produção significativa na Educação Física e em outros programas de pós-graduação, em que discentes destes programas defenderam as suas pesquisas (seria importante fazer este levantamento junto ao catálogo de dissertações
de Teses da Capes) na temática em discussão.
Mesmo a considerar que a questão étnico-racial é complexa, relaciona-se a particularidade de formação da sociedade e do Estado brasileiro, podemos citar autores que contribuíram na história da arte deste tema, e sempre estão presentes nas referências bilbiográficas
de Livros, Artigos, TCCs, Dissertações e Teses: Guerreiro Ramos, Abdias Nascimento, Kabengele Munanga, Octavio Ianni, Florestan Fernandes, Iolanda de Oliveira, Nilma Lino Gomes, Beatriz Nascimento, José Jorge de Carvalho, Petronilha Beatriz Silva, Neusa Santos
Souza, Helena Theodoro, entre outros. É possível compreender que a questão étnico-racial em países multurraciais ou pluriétnicos, ultrapasse os problemas vividos no campo da Educação Física, mas esta área de intervenção não isenta-se das contribuições para
promoções das práticas racistas, vejamos em nosso passado republicano, até chegar o atual momento de conjuntura, ou seja, pela cristalização das recentes manifestações de racismo no esporte e na política partidária brasileira.
Lembro do período republicano, em que na Educaçaõ Física, o aspecto hegemônico higienista e eugenista de nossa sociedade (Guiraldelli Jr. sinalizou que as fases da E.F. não desaparecem junto ao tempo, elas coexistem em nossa sociedade) deixou comom legado aos
tempos atuais, seja no esporte de rendimento e/ou no fitness, atualiza a questão do racismo em nosso tempo, seja através da performance ou pela estética, e suas equifinalidades. Para melhor esclarecer este argumento, podemos fazer uma simples pergunta: quantos
negros somos em nosso país? Quantos estão no salão de musculação, nas salas de aula nos cursos de graduação e de pós-graduação no ensino público e privado no Brasil? Quantas mulheres negras são docentes da rede pública estadual e federal de ensino superior?
Quantos negros estão palestrando em mesas temáticas nos eventos científicos? Quantos discentes negros são ingressantes, que permanecem durante toda formação inicial nos cursos das carreiras imperiais (Medicina, Direito e Engenharias)?
Lanço estas questões e lembro de dois pesquisadores que deixaram amplo legado para ciências sociais e humanas no Brasil, sobremaneira, quando se busca compreender os fenômenos do racismo: Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale Silva, que ao analisar dados quantitativos
das PNADs, emitiram pareceres qualitativos, que revelaram ampliação das desigualdades raciais em nosso país, principalmente, entre os anos de 1970 a 1990.
Então se não há uma demografia em nossas universidades e entidades científicas, que represente o quantil populacional e racial brasileiro atual, então temos desigualdades, e também há distinção racial, sobretudo, o racismo institucional permanece, sem ser desestabilizado,
ameaçado ou superado!
Em suma, nos comentários, não se duvidou sobre a demanda/relevância da temática, nem tão pouco evidenciou diretamente, qualquer dúvida sobre linha(s) epistemológica(s) que cerceiam está subárea. A historiografia da Educação Física já sinalizou dados sobre a
presença das relações raciais em nossa área, lembro do livro do Professor Lino, e dentre as passagens de nossa história da Educação Física, aquela que não se conta, há passagem sobre a construção da piscina no Campus da Praia Vermelha (nadei nesta piscina,
sou egresso da Minerva, e o fato de ter tido oportunidade de utilizar este equipamento, deve-se sempre fazer menção a vanguarda e a coragem do movimento estudantil da Universidade do Brasil, nos anos 1950), mas, o fato marcante, que sempre destaco em minhas
aulas (em especial, na Disciplina EDF 110 - Educação e Relações Étnico-Raciais, 45h, ofertada desde 2015 aos cursos de Licenciaturas em Ciências Biológicas e Educação Física, na UFVJM), é sobre um discente, negro, da Universidade do Brasil, que era impedido
de frequentar um tradicional Clube no Distrito Federal, que no estatuto deste clube, impedia acesso de pessoas de cor na sua área social, e a casualidade deste impedimento quase provocou uma jubilação deste discente.
Então, a criação de um GTT Educação Física e Relações Étnico-Raciais tem legitimidade científica!!! Não somente pela perspectiva identitária e da política social (mobilização dos movimentos e representações sociais), e sim pelos dados sócio-históricos que convergem
na configuração/constituição da área 21 do CNPQ!!!
O fato histórico sinalizado revela o quanto a questão racial influenciou a Educação Física brasileira, talvez, tenha sido, dentre as áreas de intervenção na Educação Básica e no Ensino Superior, aquela que mais contribuiu para promoção do racismo institucional.
Vejamos, se estamos em debate atual sobre a criação ou não de um GTT Relações Étnico-Raciais, e partimos para um debate que já foi deliberado em outras entidades como: ANPOCS, ANPED, ABA (Kalyla mencionou sobre essas entidades científicas) e a ABRASCO, dentre
outras, que inserem a questão étnico-racial enquanto ethos/habitus, objeto/sujeito, espaço/campo social, cristalizada em grupos de trabalhos temáticos, que destacam as produções e reflexões a partir das categorias analíticas raça, etnia e racismo.
Gostaria de afirmar que sou favorável a criação do GTT, no entanto, penso que há uma questão que precisa nortear os trabalhos da equipe/grupo que está debruçado em sua criação: qual é o limite entre ciência e militância? É possível ser militante e cientista?
Epistemologias demarcam o campo das Relações Étnico-Raciais, mas, quando se elege uma linha, quero dizer sobre a decolonialidade, podemos estar em contradição e pregar algo que revela-se tão hegemônico quanto correntes de pensamento científico tem historicamente
tem ofuscado e deslocado a questão racial para subsunção ou subalternização.
Penso ser legitimo indicar uma linha epistêmica que una as diferentes linhas e correntes de pensamento em nossa América Latina, que destaque ações que superem os fenômenos produzidos pela colonialidade, entretanto, é preicso destacar que não é uma tentativa
vanguardista nas ciências sociais (Quartier Latin, Estudos Culturais e Pós-Coloniais, e
Subaltern Studies já sinalizaram por uma tentativa de unidade na diversidade para dialogar sobre fenômenos que destacam as diferenças étnicas e raciais, dentre outras distinções interseccionais). Não se pode cair no equívoco de legitimar autores da decolonialidade
(Catherine Walsh, Quirano, Dussel, entre outros) como sendo únicos para compreender a complexidade da realidade (particular) dos fenômenos sociais brasileiros, baseados em condições fenótipicas correlatas, em suma, que tem o fenótipo como elemento seletivo
para distinção social, e se adotarmos a decolonidade como referência epistêmica no GTT Relações Étnico-Raciais, assim, como tem sido em outras entidades (Reunião anual da ANPED 2019 debati numa mesa temática de trabalhos sobre tal assertativa) e desconsiderarmos
as produções clássicas sobre raça e racismo, não seria um ato pelo qual Hanna Arendt denomina como totalitarismo? Quais seriam as consequências desta escolha epistêmica? Penso, principalmente, que seria a contradição, de revelar-te um ato impar, sem promover,
in facto, a pluralidade, da qual tanto deve-se orientar as nossas ações decisórias e deliberativas.
É preciso refletir sobre a criação de um GTT que sugere revelar o caráter da diversidade, e que tenha como clareza, o seu princípio de inter/trans/multidisciplinaridade, seja pelo envolvimento dos diferentes sujeitos, ou pela origem de diferentes correntes
epistêmicas que configuram o campo das Relações Étnico-Raciais (análise crítica sobre as Ciências Naturais - Séculos XVII a XX; Antropologia Física - Séculos XIX e XX; Sociologia das Relações Étnico-Raciais - Século XX; Antropologia - Séculos XIX e XX; Educação
- Séculos XX e XXI; Políticas Públicas - Séculos XX e XXI; Psiquiatria - Século XX; Identidade Racial - Séculos XX e XXI, entre outras).
Que o CBCE adote uma decisão coletiva, que seja madura, compreensiva e segura, sobretudo, preserve a coexistência das diferentes epistêmes que qualificam e identificam o campo das Relações Étnico-Raciais.
Saudações,
Marcelo Siqueira de Jesus
Docente
Líder do GENEJEQUI
UFVJM
FCBS DEFi
Campus JK, Diamantina-MG