Prezada Mariana,
Bom dia!
Grato pelo envio do email com as informações acerca das decisões tomadas pelos discentes de RI no que tange à greve dos docentes nas universidades federais e, particularmente, na nossa UFF.
O resultado da pesquisa, na minha avaliação, é contundente, legítimo e representativo, posto que do universo de 147 alunos, 130 , portanto, quase 90%, se manifestaram contra o Curso de RI aderir à greve que se desenrola desde o dia 22 de maio na UFF.
Entretanto, prezada Mariana, a minha modesta contribuição para todos vocês, respeitando plenamente as opções tomadas pelos discentes de RI, é oferecer-lhes uma reflexão que vai de encontro às decisões deliberadas pelos discentes e
muito especificamente, ao posicionamento dos 130 alunos e alunas de RI.
Quero exercer, portanto, aquilo que Voltaire, pensador do século XVIII, costumava salientar: "discordo de suas ideias, mas defenderei até a morte o seu direito de defendê-las".
Assim sendo, tomo a liberdade, cara Mariana (e peço-lhe para enviar este email aos demais discentes), de não só copiar esta mensagem para os meus amigos e professores Eurico de Lima Figueiredo (Diretor do INEST), Thiago Rodrigues (Chefe do DEI) e Adriano de Freixo (Coordenador do Curso de Graduação em RI), como também, abaixo explicitado, oferecer-lhes um instigante texto de um amigo meu, da UFRJ, e Presidente da Associação de Docentes da UFRJ, o Mauro Iasi, que, em síntese, e estou de acordo com ele, defende a greve das Universidades Federais.
Desejo-lhes tudo de bom, mais e mais êxito e ótima
leitura.
Abraços,
Carlos Henrique A. Serra
Professor Adjunto IV do Departamento de Ciência Política (GCP)
Matrícula SIAPE 2168111
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A greve nacional dos
professores das Universidades Federais
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Mauro
Iasi
O Ministro da Educação, o senhor Aloísio
Mercadante, se diz surpreso com a deflagração da greve nacional dos professores
universitários federais. É compreensível, primeiro porque o MEC esteve ausente
e omisso durante todo o processo de negociação ocorrido durante o ano passado e
parece desconsiderar a real situação dos professores e as distorções da atual
forma na qual se estrutura a carreira docente. Vejamos porque para nós a greve
não só não surpreende como se apresenta necessária.
Razões da greve
Há dois anos que os professores negociam com o
governo seu projeto de careira docente e para tanto o ANDES construiu a partir
de um amplo debate com a categoria um anteprojeto de lei no qual é
apresentada nossa proposta de uma carreira docente única com 13 níveis
remuneratórios baseado no tempo de carreira, na titulação e na avaliação
realizada com autonomia e por critérios objetivos definidos com fundamentos
acadêmicos.
A posição do ANDES, que consideramos correta, é que
nossa discussão salarial deveria ser feita com base em um projeto de carreira,
ou seja, não nos interessa a mera discussão de um índice de aumento salarial ou
de recuperação de perdas se não atacamos as raízes das distorções que dividem
nossa carreira e geram desigualdades injustificáveis entre professores. Por
exemplo, na concepção do governo a carreira dos docentes do ensino público federal
se divide em ensino universitário e do ensino básico, técnico e tecnológico
(que inclui os professores dos Colégios de Aplicação, ensino técnico de segundo
grau, etc.) Sabemos das especificidades destes setores, mas segundo nossa visão
são diferenças de função e não de profissão, somos professores do ensino
público federal com diferentes atribuições dentro de uma mesma carreira.
Outra divisão, esta dentro do mesmo campo do ensino
universitário, é aquela que compõe nossa atual carreira e que nos divide em
professores auxiliares, adjuntos, assistentes e titulares, esse último
constituindo uma carreira à parte que inclusive exige novo concurso. Ora, essa
distinção se fundamenta e um pressuposto quase feudal, próprio de um modelo
universitário anacrônico e autoritário em frontal contradição com o modelo de
universidade e sociedade que defendemos. Sua base é a concepção de que existe
um grupo de professores “donos” de certa área ou disciplina e que dão algumas
aulas durante o ano comunicando seus estudos e pesquisas assim como seu acumulo
teórico sobre um tema e são auxiliados por professores que o circundam como
assistentes ou adjuntos e estes por auxiliares numa hierarquia que implica mais
que uma divisão de trabalho uma lógica de poder.
Isso não faz sentido na realidade da universidade
brasileira que desde a constituição de 1988 em seu artigo 207 estipula a
articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Na prática tal conformação
divide a categoria em faixas remuneratórias que funcionam como um funil em que
poucos podem chegar ao final da carreira e as salários maiores e a maioria fica
presa nas faixas intermediárias. Segundo estudo promovido pela ADUFRJ, por
exemplo, na UFRJ, mais de 80% se aposentam como professor adjunto 4.
A proposta inicial do governo criava mais um
patamar que denominou de Professor Sênior, hoje retirada da proposta,
extinguindo a carreira de professor titular, que impunha aos professores mais
quatro degraus até o final da carreira e impunha critérios que fechava ainda
mais a saída do funil.
Durante todo o ano de 2011 o ANDES acompanhou uma
longa e tortuosa enrolação do MPOG que supostamente deveria debater as
propostas apresentadas sobre a carreira buscando aproximações e diferenças
visando chegar a uma proposta negociada. Sob uma série de pretextos o governo
protelou as reuniões, quando não as desmarcou unilateralmente numa total falta
de respeito ao que havia sido combinado. O fato que chegamos ao final do ano
sem que um milímetro da negociação sobre a carreira docente houvesse sido acordado.
No final do ano passado o governo apresenta uma
proposta emergencial, diante do impasse na negociação, que consistia
basicamente em três pontos: aumento emergencial de 4% a ser pago seis meses
adiante (em março de 2012); incorporação de uma das gratificações ao vencimento
básico (GEMAS para ensino superior e GEDBT pra o ensino básico, técnico e
tecnológico). Até maio deste ano o governo não havia cumprido sequer o acordo
emergencial.
Uma greve em defesa da universidade pública: pela
carreira docente, por salários e por melhores condições de trabalho.
O governo apresentou um Projeto Lei que incluía os
termos acordados ao final de 2011 e o transformou em Medida provisória agora em
maio (a MP 568). Ocorre que junto com o aumento de 4% e a incorporação das
gratificações, agrega inúmeras medidas referente à várias categorias do
funcionalismo que não foram negociadas e que pode gerar perdas para os
trabalhadores, como é o caso da mudança do cálculo da insalubridade que afeta
diretamente os médicos.
O acordo e seu injustificável atraso é
insuficiente, neste sentido a greve dos professores não é apenas pelo seu
cumprimento, na verdade uma obrigação acordada com o governo, mas pela imediata
abertura de uma negociação séria sobre nossa carreira e pelo enfrentamento das
causas que levam hoje à precarização do trabalho docente, das condições de
trabalho e das instalações universitárias. Esse aspecto está ligado diretamente
à expansão realizada pelo governo que não veio acompanhada dos recursos necessários
para sua implementação gerando salas de aulas superlotadas, pressões para um
aumento da carga horária dos docentes em sala de aula prejudicando a relação
entre ensino, pesquisa e extensão, falta de professores, precariedade de
instalações.
Vários campus estão funcionando em espaços cedidos
por prefeituras, salas improvisadas, sem laboratórios, equipamentos e
instalações adequadas. Tudo isso tem acarretado vários problemas que vão desde
turmas que estão ameaçadas de não se formar, como é o caso da medicina de Macaé
que não tem hospital para que seus alunos façam a residência além da carência
de professores em várias disciplinas.
Na verdade o sucateamento da universidade pública e
a maneira como o governo entende o setor revela uma concepção de Estado que
está na base do projeto de governo que se implantou em nosso país. Vivemos uma
contra-reforma do Estado e uma clara opção pela lógica do mercado e das
parcerias público-privadas que tem por centro e meta principal a formação de
superávits primários sangrando o fundo público para colocá-lo a serviço dos
interesses do grande capital monopolista. Não há uma crise da Universidade
Pública, o que há é uma clara intenção de adaptá-la, destruindo-a, para que
sirva aos interesses da lógica capitalista e do mercado.
Desta forma, o ensino público é concebido como um
serviço oferecido que deve disputar o mercado e seus “clientes/consumidores”
com as demais empresas do setor e para tanto deve assumir uma lógica gerencial
fundada na “eficácia”, entendida como produzir o serviço com os recursos
existentes e ter iniciativa de captar os recursos adicionais necessários. Daí
as Universidades são incitadas a buscar recursos na iniciativa privada, seja
através de projetos de parceria, financiamento de pesquisa e de desenvolvimento
tecnológico, através de fundações ou outras formas. Para os professores é
pensado uma remuneração básica e uma concorrência entre seus pares no balcão de
projetos e bolsas oferecidas pelas instituições de fomento ou pelas
oportunidades do mercado, o que vem se tornando para boa parte da categoria a
principal fonte de sua remuneração, ou, no mínimo, uma parte considerável de
seus vencimentos.
Além desta prática quebrar a autonomia
universitária e o necessário financiamento público, gera distorções e
diferenças não apenas entre unidades da Universidade, com centros e unidades
com grandes somas de recurso e outras com recursos abaixo do mínimo necessário,
o que se reflete não apenas nas instalações, mas na própria capacidade de
produção de pesquisas, intercâmbios e visibilidade de sua produção acadêmica e
científica; como, também, entre os professores e sua remuneração.
A situação atual é produto desta opção. Por isso se
explica o abandono de uma política, não de valorização dos salários, mas mesmo
de sua recomposição. Se considerarmos os salários nominais entre 1998 e 2011 de
categorias do serviço público federal que exigem a mesma formação e que se
compõe de atividades similares, como por exemplo os profissionais de Ciência e
Tecnologia e os pesquisadores do IPEA, temos que em 1998 os professores
universitários recebiam R$ 3.388,31, os pesquisadores do IPEA R$ 3.128,20
e do MCT recebiam R$ 2.6632,36. Em 2011 a situação se inverte de forma que os
pesquisadores do IPEA ganham R$ 12.960,77, em segundo lugar os profissionais do
MCT com R$ 10.350,68, e os professores passaram para a última posição com R$
7.333,67, sendo a pior remuneração entre os funcionários públicos com este
nível de formação exigido.
Isso considerando a categoria como um todo, pois as
divisões as quais nos referíamos no interior da carreira existente e que
permanecem na proposta do governo, fazem com que os aumentos oferecidos
concentrem-se no alto da pirâmide e se diluam nas categorias intermediárias e
na base. O secretário de relações do trabalho do MPOG, Sérgio Mendonça, por
exemplo, alega que considerada no conjunto os professores tiveram reposta
a inflação do período relativo aos governo Lula e Dilma (cerca de 57,1 %). No
entanto, considerando as diferenças, os extratos superiores da carreira, como
professores titulares e assistentes 3 e 4, tiveram em media seus salários
ajustados entorno de 15% acima da inflação, enquanto os adjuntos, faixa na qual
se encontra a maior parte dos professores inclusive os aposentados, amargam uma
defasagem que chega à 40% abaixo da inflação do período.
Para o governo esse não é um problema da educação,
de uma política para universidade brasileira, mas um problema de gestão, não é
por acaso que o principal negociador durante todo esse tempo não foi o MEC, um
ilustre ausente e omisso nesse debate, seja com Haddad, seja agora com
Mercadante, um político que traz no nome a marca de seu compromisso, mas o
Ministério de Planejamento.
Os professores universitários são vistos como uma
categoria privilegiada que trabalha pouco e ganha altos salários e a
universidade um antro de maus gestores e de desperdício do dinheiro público,
justificando o controle que rouba a autonomia universitária, uma limitação de
recursos e o destino de completá-los no mercado e das parcerias, condenando a
universidade a se transformar em uma central de serviços e os professores em
mascates de projetos e que tem, se quiser cumprir os requisitos para ascender
na carreira, que dar aulas (muitas aulas), participar de projetos de extensão, da
pesquisa, da pós-graduação, além de participar dos espaços coletivos de gestão
da vida universitária que se tornam cada vez mais homologatórios e formais.
O resultado disso é o adoecimento dos professores,
a insegurança na carreira que é cada vez mais preterida roubando dos campos
aqueles que poderiam contribuir para uma universidade pública e de qualidade,
uma lógica perversa que sucateia a universidade pública para oferecer como
saída sua mercantilização.
Por tudo isso os professores estão em greve, na maior
greve do último período, pela defesa da Universidade Pública, pela defesa da
carreira docente apresentada pelo ANDES-SN, por melhores condições de trabalho.
Devemos isso ao pais, porque precisamos de uma universidade pública de
qualidade, ainda que lutemos por mais que isso, para nesta universidade pública
também se reflita os interesses dos trabalhadores e da maioria da população
lutando por aquilo que chamamos da luta por uma Universidade Popular, e, por
isso, a luta por uma Universidade Pública e por uma Universidade Popular é uma
luta pelo socialismo. Devemos isso, também, a nós mesmos, os professores,
porque merecemos respeito e precisamos resgatar nossa dignidade espezinhada por
este governo de burocratas à serviço do grande capital monopolista que vê na
Universidade mais oportunidade de negócios (como mostra a proposta da Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares- EBSERH); mas, principalmente, devemos isso
aos nossos queridos alunos que merecem uma educação de qualidade e uma
verdadeira aula, aquela que demonstra que é somente no caminho da resistência e
da luta que conquistaremos uma universidade melhor e caminharemos para superar
a lógica do capital que está na base da proposta de universidade que se
implanta.
Nós não podemos impedir que os exploradores se
comportem como tal, da mesma forma que não nos cabe mudar o comportamento de
seus aliados e serviçais que hoje no governo implementam o desmonte das
políticas públicas, do Estado e, portanto, da Universidade Pública. Mas,
podemos e devemos decidir não ser seus cúmplices e dizer em alto e bom tom: se
quiserem destruir a Universidade Pública terão que fazer sem nosso
consentimento, sem nossa omissão, terão que fazê-lo contra nós e isso não se
dará sem luta.
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da
UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas
Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do
livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência
(Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às
quartas.