ORAÇÃO DE SÃO FRANCISCO
Senhor,
Fazei-me instrumento de vossa paz.
Tal solicitação, de tão eloquente e grandiosa, pertinente a um ser, ainda que à época encarnado, divinizado certamente, que tanto amava Cristo, ao ponto de solicitar-lhe ser estigmatizado com vistas a compreender o martírio sofrido pelo querido Amigo. Atendido, as mãos de Francisco ficaram marcadas com as chagas semelhantes às do Divino, e o franciscano nunca mais deixou de sentir as dores correspondentes, e se libertou do odor característico de feridas infectadas.
Nós outros, contudo, vacilantes na fé e indecisos quanto aos rumos a serem tomados, sem virtudes suficientes para alcançar paz serena e ilimitada, possamos corrigir nossos temperamentos problemáticos, amainar tempestades íntimas, alcançar e transmitir pacificidade onde estejamos e invitar a todos que se empenham em lutas inglórias a cessarem ódios e conflitos, substituindo-os por solidariedade e cordialidade.
Por fim, pedimos piedosamente que possamos conviver em equilíbrio e harmoniosa comunhão universal.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Relembramos de forma resumida Paulo, o apóstolo, que com palavras sublimes e apropriadas afirma que o amor é benigno, não se irrita, não se ensoberbece, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, mas quantos de nós fazemos dele propósito de vida?
Para que eu possa levar afeição onde se estabelece discórdia, eu tenho que desdobrar-me e evangelizar até ficar rouco, visando transmitir comovente apelo à fraternidade.
O ódio desestabiliza e arruína populações e individualidades e contamina mentes doentias, e ainda que o amor, resistente e humilde, insista em convencer a odiosidade a respeito da repugnância e do horror por ela causados, ela continuará a maltratar pessoas e cultivar inimizades, porque se nutre do que mais abjeto possui a humana criatura.
Apesar de contratempos, desventuras e lamentos, que eu nunca abdique de amar intensamente e de fazer do amor ao próximo propósito de vida.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Ofensas são dardos venenosos que atingem, paralisam e aniquilam almas. São patentes manifestações de crueldade daquele incapaz de aturar o diferente e que se ufana de supremacia inexistente.
O elemento jactancioso nem sempre se apercebe preconceituoso e falso moralista, e qual touro indomável destrói tudo o que confronta sua tênue paciência, com o agravamento de que dispondo de raciocínio, dele se utiliza para a prática de malignidade.
O perdão é reação e antídoto de corações benignos contra malignidade e vindita, mas o provocador e o ofensor compreendem o perdoador como sendo ser evoluído, ou o considera covarde e sem brio?
Se o impenitente não compreende nem pratica o perdão, permanece em atraso espiritual e enquanto assim se fixar, jamais será justificado perante o tribunal divino.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Discórdias constam desde o surgimento da espécie humana, e quantas criaturas não se sentem jubilosas por serem perniciosas e inamistosas?
Desejo ardente e firmemente tornar-me pacificador, ainda que me faltem méritos para tanto, enquanto os virulentos a zombarem de quem imbuído de favorecer o bem, e embora constem inúmeros empecilhos à formatação de benignidade, sejamos leais e fraternos sem jamais esmaecer um só instante de cumprir missão redentora.
Seja, pois, construída e constituída união sincera e duradoura não só entre os terráqueos, também entre todos os povos universais.
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Senhor: consta numerosa procissão de criaturas duvidosas e inseguras quanto à sua identidade, sexualidade, importância e potencialidades, e muitas delas envergonham-se ante a realidade que não podem contornar, e sem terem ciência quanto aos rumos a serem tomados, acabam por cometer deslizes que as perturbam e prejudicam. Elas precisam ser observadas com olhar mais atento, porquanto demais necessitadas de acolhimento em função de dificuldades existenciais. Em estes termos, não há como escusar-nos auxiliar quem em desequilíbrio ou desespero, sob qualquer pretexto. Em verdade, desculpas e alegações ditas no sentido de justificar o não auxílio a um necessitado não convencem nem contribuem para o bom andamento social. O bem-servir é aqui e agora e dele não nos afastemos, quais os motivos alegados.
A fé, consagrada virtude, indispensável não só para transmitir segurança, também para fortalecer a anima e propulsá-la às culminâncias.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Pai, erros são cometidos por tantos motivos e em quantas circunstâncias, neles incluídos aspectos relativos à sobrevivência, segurança e ganância, e são causadores de transtornos e desconfortos concernentes ao bom ordenamento social. Quando as falhas são ocasionais ou mesmo intencionais, são próprias de personalidades imaturas ou viciosas que não deixam de ser condenáveis e merecedoras de reparos.
Ao usar justificativas convenientes, com vistas a não assumir responsabilidades intrínsecas, o indivíduo se vale de escudo e acomoda-se em zona de conforto mental, onde provisoriamente não é despertada a consciência.
No que diz respeito às admoestações e com vistas ao caminhante enveredar por vias seguras, firme-se ele em fortitude e esteja convicto de que segue rumo certo, porque de escolha feliz, maiores as possibilidades de obtenção de sucesso.
A verdade, imprescindível, por vezes choca e maltrata, porquanto expõe as faces desnudas do engodo, da farsa, e ninguém se sente confortável se rebaixado por críticas e condenações exacerbadas. Para que tudo se estabeleça condignamente, que se busque comportamento ilibado, eliminando-se o instituto da mentira, bastante utilizado por muitos como muleta para continuidade da jornada, que fatalmente esbarra em ponte não concluída.
Onde houver desespero, que eu leve esperança.
A esperança é força propulsora para luta e permanência, de encorajamento para prosseguir, reanimar e erguer-se a criatura do leito de tristeza e solidão, onde se queda vencida, para a luz solar.
O desespero, se não fortemente combatido, pode levar o indivíduo a cometer atos inconcebíveis, a exemplo de explosões violentas e até mesmo autocídio, daí a importância de ajuda psíquica e assistência espiritual para quem fora de controle vencer os demônios interiores.
Seja a esperança imperecível e os esforços concentrados em causas úteis com firmeza e boa vontade, profícuos e multiplicados.
Possamos, ó Senhor, atuar como missionários ou obreiros incansáveis na propagação do bem e no auxílio aos irmãos carentes de soerguimento anímico, incentivando-os a se tornarem pacificados, serenos e estabelecerem convívios amistosos com os demais viventes.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Nosso orbe concentra tanta dor e suplício, que para muitos é inimaginável suportá-los sem o indivíduo desintegrar-se.
A tristeza representa estado de alma doentio, infeliz, a essência combalida e quiçá em processo obsessivo, a passar dias vazios, sombrios e sem sentido.
Alegria é efusão de bom ânimo e agradáveis conquistas, sensação boníssima de que tudo transcorrendo às mil maravilhas, com a atmosfera leve e as horas tranquilas.
Fazei, ó amado Construtor, que pequeninos agentes de teu amor, sejamos merecedores e capazes de transmitir alvíssaras e redirecionar pessoas perdidas nas batalhas existenciais para o burburinho das ruas onde se dá concretude, e os fortes e sensatos agem com tato e confiança de que finalizadas as lides diárias, retornarão para suas casas incólumes e com a sensação de que tudo transcorrido de forma justa e precisa, e gratidão estampada em olhos luminosos e sorrisos francos e agradecidos.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Trevas aludem a desconhecimento, infortúnio, desesperança e escuridão que aterrorizam e explicitam malignidades que atormentam e aniquilam existências, e se relacionam a degradação, desconhecimento, malogro, farsa e ao estado mais abjeto e degradante que pode ser vivenciado por um ser humano.
Luz é explosão de vida, claridade que anuncia beleza, justeza e veracidade, o saber que liberta almas do cativeiro da ignorância e do atraso e as impulsionam para progresso material e conquistas sublimes.
Se formos distinguidos por vossa misericórdia com possibilidades de tornar-nos venturosas luminosidades, em preito de gratidão, ó Pai, nós nos prostraremos comovidos a vossos pés, e nos tornaremos jubilosos e benditos pela eternidade.
A missão de fazer vigorar luz onde vigente treva, divinal, e como desejamos levá-la adiante, Senhor dos mundos, com satisfação e entusiasmo!
Ó Mestre,
Fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando, que se recebe.
É perdoando que se é perdoado e
é morrendo que se vive para a vida eterna!
Quanto horror, quantos sofrimentos ocultos, quantos a vagar sem estímulo e sem estima, quantos óbices a serem vencidos, e muitos se vergam ao peso de fardos morais, outros os carregam com imensas dificuldades, alguns desistem de empreitadas consideradas inglórias e injustas, enquanto os demais os carregam estoicamente, sabedores que ao findar a jornada eles serão colocados nos lugares que lhes foram destinados e a missão terá sido fielmente cumprida.
Apesar dos percalços, necessitados que somos de misericórdia e cuidados, sejamos suficientemente fortes para consolar quem em aflição e reerguer o irmão decaído para as batalhas anímicas.
Possa eu atinar os pensamentos, os sentimentos, a razão e a natureza inerentes ao próximo, a fim de estabelecer correto juízo de valor, e auxiliá-lo quanto possível, com coração amoroso e benigno.
Compreender é ação ativa. Ser compreendido é atitude passiva. Ao entender e auxiliar o outro, alçamos mais um degrau de excelência e nos habilitamos a melhor enfrentar os obstáculos que se interpõem ao nosso crescimento, vencê-los solenemente e nos tornarmos melhores.
Amar segundo concepção sublime é gostar, aceitar, desejar e fazer o bem ao semelhante, mesmo àquele que não conhecemos ou nos persegue e calunia, e isto atributo de almas benditas.
Sentir-nos amados e efetivamente sermos brindados com este sentimento é gratificante, faz nosso ego revigorar-se com os suaves eflúvios recebidos, e se dispormos dos mesmos afetos e ofertá-los para aqueles que nos circundam, nós nos tornaremos próximos dos que são justos e realizados espiritualmente.
Que possamos dar de nós, São Salvador, vibrações, entusiasmo, energias, experiências, tudo o que de nobre e digno, e receber em troca a superior sensação de consciência pacificada e límpida e da tarefa efetivamente concluída. Doar de coração e boamente, não existe mais gratificante emoção, porquanto atinente à alma em ascensão ou já evolvida.
Se no presente seguimos em extenso cipoal que nos fere e retarda nosso avançar, em razão de termos seguido errôneos caminhos, mesmo assim permanecemos com os membros invioláveis, e a capacidade de discernir o que é certo do que é errado, de sorte que podemos refazer a jornada e constituir novos objetivos ao nosso existir.
Para conquistar elevação espiritual é preciso que o indivíduo vença os graves desafios referentes a proceder indigno, reconhecer-se falido, e daí buscar mudança estrutural através do refazimento de procedimentos, e para que isso aconteça é preciso utilizar-se com vigor e humildade do instituto do perdão incondicional.
Perdão é ação divina e só os redimidos conseguem aplicá-lo, e pela força do exemplo transformador, forças renitentes compreendem a inutilidade de ações indignas, fúrias, vinganças, e desentendimentos esmaecem conforme cada individualidade, e os cômodos da alma, antes poluídos, agora arejados e purificados com sentimentos nobilitantes.
Quando Francisco enfatiza o fato de que “é morrendo que se vive para a vida eterna”, quanta filosofia e sabedoria reunidas.
A morte normalmente considerada é a da massa corpórea, que com o perecimento físico se dissolve e se torna pó.
A vida eterna é constituída por existências fragmentadas, que se estabelecem no aqui e no além. No conceito franciscano, no entanto, a expressão “vida eterna” ganha conotação distinta, porquanto alude à grandiosa conquista de virtudes plenas, que acompanham o espírito por todos os tempos, ser luminoso que não mais sente dor e sofrimento, e possuidor de amor tão intenso, capaz de alumiar orbes trevosos e tornar vidas opacas reluzentes.
A vida eterna, consoante o pensamento do anjo de Assis, seja entendida como a aquisição de espiritualidade sublime, alcançada pelos arcanjos e os entes divinos sob a tutela do Pai universal.
JOSÉ PERIANDRO MARQUES