Ser Humilde. Humilhar-se. Ser Humilhado.
A religiosidade exalta a humildade como sendo atributo divino e pilar fundamental a fim de que a criatura alcance plenitude espiritual.
Mas o que significa humildade?
Humildade, aliada a outras virtudes, é fundamental com vistas a que o ser pensante se torne capacitado a interagir e integrar-se ao Criador. Quem dela possuidor conquista elevado padrão moral que se reflete em despojamento de orgulho, egoísmo, vaidade, e mesmo aquele que dispõe de recursos financeiros consideráveis, não se ensoberbece, não ojeriza quem em patamar rasteiro nem se julga superior ao acuado e oprimido, porque sabe que status social, econômico e político, momentâneos, modificáveis a cada encarnação vivida, e a verdadeira riqueza, a do espírito.
A propósito, com relação ao parágrafo precedente, consta aparente contradição com relação a Cristo, quando exalça como venturoso o “pobre de espírito”, essencialmente virtuoso, e que no ambiente terrestre cumpre a vontade do Pai. Quando, todavia, nos referimos à “verdadeira riqueza”, enfatizamos os tesouros imperecíveis alcançados por almas, que vencendo o mundo, tornam-se benditas e gloriosas, enquanto Jesus enfatiza aqueles que não mais se locupletam com valores materiais, e constituem existências simples e operosas sempre na prática de justiça e de beneficência. Em assim sendo, não se confundam os conceitos, porque ambos redundam em mesmo sentido.
Por outro raciocínio, não se misturem os termos “ser humilde” e “humilhar-se”, porque têm definições e aplicações díspares.
Humilhar-se é espontaneamente rebaixar-se por se sentir desvalorizado àquele que julga em pedestal inalcançável e não se reconhecer como criatura divina, abusar de servilismo nada nobilitante, e que não é reconhecido como lealdade ou fidelidade, e sim como capachismo por quem bajulado, e tal comportamento comumente é considerado inconveniente e inadequado, e quem assim age, por vezes alcança projeção financeira, mas no íntimo não se sente satisfeito com seu modo de ser, e como efeito de sua opacidade mal administrada, reage humilhando e sujeitando quem em inferioridade social e econômica.
Não é preciso o indivíduo deslizar qual cobra pelo chão para ser pisado e desmoralizado: com efeito, quantos tiranos e opressores, em quaisquer campos de atividades, não perseguem e infelicitam subordinados e os tratam como nada, e as necessidades de sobrevivência e salário não os fazem se recolher em mágoas e explodir em revoltas e lágrimas em recintos seguros?
Humilhar-se ou ser humilhado representam decisões conscientemente tomadas por caráteres frágeis ou retrógrados e degradados.
No primeiro caso retrata o desapreço e desamor que o sujeito tem por si mesmo ao admitir e aceitar ser pisoteado, quiçá visando obter alguma vantagem de quem o fere.
Na segunda hipótese verifica-se ação costumeiramente perpetrada por elementos que se satisfazem no menosprezo e na exposição vexatória de conhecidos, familiares, subordinados e desafetos, que são tratados sem empatia, solidariedade e misericórdia, antes com toda a fereza e rudeza que suas mentes pervertidas e doentias expressam.
Em resumo, quem efetivamente superior jamais se comporta extravasando ira, presunção e ódio contra o próximo.
De outro modo, não se encolha em fingidas atitudes, não caminhe cabisbaixo nem empregue palavras forçadas de inexistente brandura, quem a caminho da redenção: exterioridade não retrata o interior, nem a humildade é representada pela aceitação de agressividade alheia e tortura mental e corporal. Quando vilipendiada e execrada por qualquer persona, não se amofine nem perca as estribeiras, antes reaja com sabedoria, evitando companhia daninha que traz desassossego. Repare que o agressor é moralmente deplorável e se sua pessoa insistir em obter compreensão de quem acostumado a dar patadas, mais sofrerá desenganos, até que desgastada e decepcionada, abolirá armas e seguirá outro rumo em busca de tranquilidade antes não conservada.
Ao alimentar um ogro com leniência, ele interpretará tal procedimento como falta de energia e mesmo masculinidade, e mais se acentuará sua brutalidade, e ele tudo fará para destruir o inimigo de forma inexorável, porque assim se estabelece a compreensão dos fatos, pois sua inteligência precária e deturpada. Em desfecho, repare: quando você procede de maneira cortês e amistosamente para com um ser insensível, ao invés de acalmá-lo e fazê-lo refletir a respeito de seu jeito de ser, mais estará dando-lhe força para que prevaleçam instintos rebaixados.
Caso se encontre em dúvidas quanto ao meio de agir, procure na trajetória do amado filho de Deus quantas vezes se inferiorizou ante os soberanos da Terra, e a resposta, sequem uma vez assim se fez.
Em suma: ser humilde não é humilhar-se, mais precisamente compreender e ensinar sem afetar veleidade, doar-se sem exigir reciprocidade, nobreza de caráter, altivez sem demonstrar empáfia, reconhecer-se obreiro da espiritualidade sem impressionar-se com feitos dignificantes e sim deixar-se levar por agradável sensação decorrente dos resultados alcançados.
Não confunda, ó ser racional, as coisas, não se deixe dominar por figuras inescrupulosas, que nada têm a oferecer. Guarde energias no sentido de empregá-las em benignidade, e neste específico aspecto, observe os ensinamentos de Cristo a seus discípulos, a respeito de como disseminar a Palavra perante os povos, conforme “Mateus: 10,11-13: Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber que nela seja digno, e hospedai-vos aí, até que vos retireis. E, quando entrardes nalguma casa, saudai-a; E, se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós vossa paz.”.
Em outra tradução: “ao entrardes na casa, saudai-a; se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se, porém, não o for, torne para vós outros a vossa paz. Se nalgum lugar não vos receberem nem vos ouvirem, ao saírem dali, sacudi o pó dos pés, em testemunho contra eles...”.
Atente, ó cidadão: aquele com quem você deseja confraternizar-se, estabelecer diálogo, esclarecer fatos significantes ou reconciliar-se, se este recebê-lo com indiferença ou arrogância, siga em frente: ele não está preparado para aceitar palavras amistosas, incentivadoras ou revigorantes. Resguarde suas resistências para manter-se equilibrado, e as empregue em favorecimento de quem disposto a reformular-se interiormente. Não se aflija pela alma momentaneamente atormentada: chegará ocasião em que ela despertará para a realidade transcendental. Se quiseres francamente que a criatura visada atinja o clímax de espiritualidade, ora por ela incessante e piedosamente, a fim de que sejam tocadas suas fibras íntimas e ela finalmente se encontre nos exemplos do Mestre divino.
Por fim, conclamamos os bravos soldados de Cristo, e todos aqueles tomados por sentimentos de boa vontade, para que façam escolhas sábias, não se percam em culpas que não lhes cabem, desculpem-se e peçam desculpas sinceras se tiverem agido com intemperança ou malícia, mas se a boa intenção não for acatada ou for repreendida por quem ressentido, avance em boa vontade, e deixe que a suprema Sabedoria decida quanto ao caso.
José Periandro Marquesa