PERDÃO
Qual risco produzido por navalha que faz sangrar abundante e constantemente, de modo idêntico são os ferimentos morais.
Dores e horrores vividos não podem ser simplesmente catalogados como coisas banais: assédio de qualquer ordem impacta e pode traumatizar indivíduos per o tempo em que permanecerem nas arenas globais.
Acontecimentos que ocasionam graves consequências, difíceis de serem aceitos e são entraves para que se estabeleça boa convivência, podendo reverberar por tempo indeterminado até que as partes envolvidas se disponham a superá-los.
Vitupérios, risos, deboches e toda forma de desprestígio e aniquilamento de honra alheia, destrutivos, e se o atingido não suficientemente forte para suportá-los, sucumbirá em desvalia, e qual caramujo, se recolherá em concha visando proteger-se e não ser avistado, por temer os semelhantes.
Ofensas proferidas e recebidas retratam as condições psicológicas dos agentes: os primeiros, julgando-se “superiores”, tratam de rebaixar e incomodar aqueles que desprezam ou têm ojeriza, enquanto os segundos sentem na pele a rejeição sofrida, e isto nada bom para ser acolhido.
Quando os ofendidos reagem de maneira ostensiva forma-se campo vibratório propício a inimizades e intrigas que, conforme ampliem, podem degenerar em eventos gravíssimos.
Se o infrator reconhece que extrapolou bom senso e discernimento e se compreende devedor por ter magoado demasiadamente, se considerar válido, intentará aproximar-se daquele que prejudicou, buscando desculpar-se dos atos praticados, e solicitará perdão de forma direta ou indireta.
Pedido de perdão, além da intenção de reconciliar-se com o oponente, enseja oportunidade para que o indivíduo se reconcilie consigo mesmo com vistas superar traumas e recomeçar em outro patamar, sem resguardar fluidos deletérios e ofensivos.
Aquele que se compreende devedor e busca aceitação de outrem, que o rejeita, cumpriu considerável parcela do que se propõe executar. Todavia, o não acatamento de perdão do que se sente ofendido representa o fim de possibilidades de conciliação pela não aceitação de outrem, o que transparece orgulho ferido e intransigência absoluta.
Pacificação interior requer comportamento irreprochável e atitudes dignas e nisto ínsito adequado tratamento concedido ao semelhante, o que conseguido em sucessivas encarnações, porque a internalização das coisas celestes é lenta e penosa conquista de almas purificadas e amadurecidas.
O ser humano capaz de cometer incríveis barbaridades, e aqueles que se sentem ressentidos pelo mal recebido, em outras ocasiões também feriram, mas não recordam, por conveniente, que são igualmente ferinos.
O ato de alguém perdoar um ofensor é conceito formal que em nada modifica resultados, a não ser deixar o requerente aliviado do sentimento de ter cometido algo demasiadamente abusivo, mas na prática, o que mesmo vale é o reconhecimento de que atitudes tomadas em certos momentos não foram producentes ou ensejaram aflição para as partes envolvidas.
Quando se dá que o imperdoável por se sentir ofendido despeja rajadas de impropérios contra o arrependido, se este tiver suficiente maturidade espiritual, compreenderá que o irmão ainda se encontra preparado para atinar a respeito das coisas divinas. Se, contudo, bilioso, reverterá o instante vivenciado e enfurecido entrará em desforço verbal ou físico com o adversário.
A propósito, Jesus ensinava seus discípulos transmitir a palavra divina nos lares: se fossem bem acolhidos, que abençoassem as famílias receptivas; acaso repudiados, que dessem volta e seguissem outros caminhos, e esta resolução sensata a ser utilizada por quem pediu perdão e não foi distinguido com consideração. Aquele que bem intencionado, sem agastar-se e ofender-se com possíveis agressividades, enfrente as estradas da vida com determinação, coragem e faça triunfar amor e fraternidade por onde passe. Que os imperdoáveis cultivem “ódios eternos”: a razão ainda não alcançou suas animas desequilibradas.
Plausível: não coloque expectativas em criaturas, comumente preconceituosas, incongruentes e agressivas, que não sendo deusas não possuem o poder de perdoar, ademais porque dívidas espirituais são necessariamente pagas, não havendo isenção, conforme sucede nesta esfera planetária.
Faça o ente arrependido sincero compromisso de mudança estrutural e suas culpas se farão diluídas ao longo do percurso perenal.
JOSÉ PERIANDRO MARQUES