enxame
unread,Mar 5, 2008, 9:51:35 PM3/5/08Sign in to reply to author
Sign in to forward
You do not have permission to delete messages in this group
Either email addresses are anonymous for this group or you need the view member email addresses permission to view the original message
to c4 conscienciacriativa
Mais tês textos afins, retirados do site da Carta maior:
CRISE E CANTO DE SEREIA NA ÁMÉRICA LATINA.
Para a chamada grande imprensa, o "errático" presidente brasileiro não
inspira a confiança do "republicano" Uribe. Uma pena. Cenário
completamente distinto de quando estavam no poder Fernando Henrique
Cardoso, Carlos Andres Peres, Menem e Fujimori. Ali, sim, a confiança
era mútua e irrestrita. A análise é de Gilson Caroni Filho.
Gilson Caroni Filho
As primeiras manifestações na imprensa brasileira, após o governo
colombiano ter atacado as Forças Armadas Colombianas (Farcs), em
território equatoriano, revelam bem mais que um viés pró-Uribe.
Explicitam, como em nenhum outro momento, um jornalismo pautado por
uma agenda que repudia a integração soberana da América Latina.
Os principais colunistas dos grandes jornais se aproveitam da crise
para reiterar seu condicionamento à política externa de Washington e
das forças conservadoras a ela aliadas. Mais que uma mostra da doxa
das redações, o que vemos nas páginas é a antecipação do que será a
inserção internacional, caso a velha aliança PSDB/DEM retorne ao poder
em 2010: um retrocesso que não respeitará conceitos de soberania
nacional, ignorando estabilidade institucional como pressuposto para o
regime democrático. Afinal, os textos são de seus escribas. E não
faltam pedidos de desconstrução imediata do novo mapa político do
continente.
O agir comunicativo de um jornalista se dá dentro de um espaço
estruturado e tenso que Pierre Bourdieu (1930-2002) analisou a partir
da noção de campo. No caso brasileiro, sempre é bom lembrar que,
mantendo suas especificidades e lógica interna, o jornalismo reproduz
as virtudes e os vícios da formação social em que está inserido. E,
nesse ponto, os vícios ganham com folga.
A docilidade da grande imprensa no trato com forças políticas
conservadoras, em especial com o consórcio neoliberal que esteve à
frente do Estado por oito anos, acabou por configurar a internalização
de disposições que lhe moldaram tanto a fisionomia quanto a prática.
Em outras palavras: o uso do cachimbo deixou a pauta torta, como se
pode observar no enfoque do noticiário, bem como na relação com
autoridades políticas.
Assim, dependendo da matriz político-ideológica do ator político, o
tratamento vai da rispidez, quando não agressividade, à reverência
que, no limite, vira servilismo. No primeiro caso, se estabelece a
estrutura discursiva direcionada para o campo democrático-popular, com
destaque para os presidentes Lula, Morales,Correia e Hugo Chávez. No
segundo, a mediação simbólica elaborada para representar (e legitimar)
os atores do bloco liberal-conservador. A relevância disso é que
estamos tratando de práxis social, de tessitura de hegemonia. E o
papel da mídia é de uma centralidade inequívoca. Os trechos que
transcreveremos abaixo falam por si. Mostram uma imprensa que, por
atuar em campo destituído do princípio do contraditório, se locomove
de forma igual e combinada.
Na edição de 4 de março de 2008, o colunista Merval Pereira escreveu:
"A postura oficial do governo brasileiro no confronto entre Colômbia e
Equador foi a mais cômoda possível: condenar a invasão territorial,
exigir um pedido de desculpas e um compromisso formal do governo da
Colômbia de que não haverá repetição do ato de hostilidade. Mas o que
fazer com a clara proteção que o governo do Equador e da Venezuela dão
aos narcoguerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(Farcs)? E como impedir que o governo da Venezuela se intrometa,
tomando as dores do Equador mandando tropas para a fronteira, numa
clara provocação ao governo de Alvaro Uribe, a quem já vinha chamando
de traidor desde os primeiros incidentes envolvendo a libertação de
reféns das Farcs?"
O que seria para o jornalista do Globo uma postura governamental mais
incisiva? Aquela que, operando um transformismo impensável, abrisse
mão de política externa autônoma, absolutamente soberana, guiada por
objetivos e interesses nacionais, para adotar um alinhamento
incondicional aos desígnios de "Bush-Uribe"? Seria o caso de pedir a
Merval Pereira que, em nome da verdade factual, apontasse um fato que
demonstre estratégias geopolíticas comuns entre Caracas e Quito.
Concluindo, o analista do jornal da família Marinho não deixa margens
para qualquer dúvida quanto ao que norteia sua reflexão de superfície:
"A esquerda tradicional" representada por Lula e Bachelet, no Chile,
seria fundamental para dar estabilidade à região. Mas para isso seria
preciso que o governo da Colômbia identificasse no Brasil um poder
moderador independente, o que não acontece".
Em outras palavras, o "errático" presidente brasileiro não inspira a
confiança do "republicano" Uribe. Uma pena. Cenário completamente
distinto de quando estavam no poder Fernando Henrique Cardoso, Carlos
Andres Peres, Menem e Fujimori. Ali, sim, a confiança era mútua e
irrestrita. Há uma faceta cômica no " banzo" de conhecidos
profissionais da imprensa.
Miriam Leitão, colega de redação de Merval, sentencia na mesma edição,
em sua coluna na editoria de economia.
"A Venezuela está procurando uma guerra há tempos. Armou-se para isso:
só em 2006, foram US$ 3,1 bilhões (o dobro de 2005) investidos por
Chávez na compra, entre outros, de 24 caças russos, navios de guerra
espanhóis e cem mil fuzis AK-103. Seu alvo principal sempre foi a
Colômbia."
Aqui é visível a perda de foco e sentido lógico.
Somos levados a concluir que Forças colombianas invadiram território
equatoriano, seguramente com apoio logístico dos Eua, e mataram
dirigentes das Farcs, que negociavam a libertação de reféns, a 1.800
metros da fronteira, porque a "Venezuela está procurando uma guerra há
tempos". Seria engraçado, se não fosse cínico e calculado.
Mas o Globo não está só na cruzada. Clóvis Rossi, articulista da Folha
de S.Paulo, ignorando a diferença entre a movimentação de guerrilha e
ação do aparato repressivo de um Estado, não deixa por menos no
intenso exercício de sofismas.
"Ou, posto de outra forma: o Exército colombiano invadir território do
Equador é condenável, mas as Farc adotarem o mesmo comportamento é
aceitável?"
A comparação entre forças de natureza distinta não depõe apenas contra
o jornalista. Rossi desnuda, de vez, por quem os sinos dobram no
jornal da Barão de Limeira. Mas o melhor está por vir e, confusamente,
atingirá mulheres respeitadas pela trajetória militante.
"O que chama especialmente a atenção nesses episódios é o silêncio,
denso das mulheres que se dizem de esquerda. Tiveram papel relevante,
no Brasil, na luta pelo respeito aos direitos humanos. Como é que
silenciam agora, quando há tantas barbaridades praticadas por um grupo
que se diz de esquerda, mas é apenas criminoso?"
Aqui atingimos o terreno do patético. Não há limites para o exercício
da imaginação, mas o que pretende Clóvis Rossi nesse trecho. Que
Iramaya Benjamin e Cecília Coimbra, entre tantas outras que se
destacaram na luta contra o arbítrio, desçam em solo colombiano para
uma manifestação de apoio a Uribe e seus paramilitares? É certo que
estamos no continente que gerou o realismo mágico, mas não há Macondo
que comporte tanta falta de sentido.
Nessa toada, o editorial do Estado de São Paulo, registra como se
fosse uma certeza cartesiana:
"A incursão das forças colombianas contra um acampamento das Farc
localizado no lado equatoriano da fronteira - da qual resultou a morte
do Raúl Reyes, segundo homem na hierarquia da organização terrorista -
constituiu, sem dúvida, uma violação da integridade territorial e da
soberania do Equador. Mas o incidente não provocaria as reações que
tiveram os presidentes Rafael Correa, do Equador, e Hugo Chávez, da
Venezuela, se os dois não estivessem cada vez mais comprometidos com
as Farc."
Ou seja, só há compromisso com a soberania quando interesses escusos
norteiam as lideranças políticas. Fora isso, cabe a cegueira
conveniente da diplomacia de cartolina. Do Estadão não se espera um
posicionamento progressista, mas daí ao estupro da lógica vai uma
distância brutal.
O Jornal do Brasil foi outro veículo a seguir a deliberada ocultação
da causa determinante do conflito, responsabilizando Chávez:
"Uma vez mais o continente sul-americano sente a força
desestabilizadora do presidente da Venezuela a abalar a tradição
pacífica de seus povos. Os gestos, atitudes e palavras de Hugo Chávez
nos últimos dias vêm atiçando a chama de um conflito entre irmãos
andinos que não pode e não deve atingir o perigoso patamar de um
confronto militar".
Em sua coluna de 5 de março, Merval insinua que a solidariedade do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Rafael Correa, bem como a firme
disposição de insistir no diálogo para uma solução pacífica para a
crise diplomática teria, no fundo, uma motivação antiamericanista.
"A insistência do presidente Lula em ressaltar a invasão territorial
do Equador pela operação colombiana, e o pedido de criação de uma
comissão para investigar o que aconteceu, podem estar relacionados à
desconfiança de que as forças americanas que estão combatendo o
tráfico de drogas na Colômbia estariam interferindo nos negócios
internos da região, o que caracterizaria a concretização de uma das
grandes preocupações dos antiamericanos do governo Lula"
Mas o que se pode concluir do discurso jornalístico? Assim como já
pediu a Lula, em tempos recentes, que se descolasse do PT em troca de
uma falsa trégua, agora solicita ao presidente-operário que se
"autonomize" do contexto histórico latino-americano.
Que ignore que sua sorte está ligada ao destino dos outros governos de
esquerda da região. Pedem-lhe um pragmatismo que nada mais é que canto
de sereia. O norte da bússola midiática aponta para trás. Para uma
configuração de vice-reinados e Metrópoles benevolentes. Esse é o
caminho sonhado por tucanos de alta plumagem.
Para o governo Lula, condenar Uribe é tão imperativo quanto buscar uma
solução negociada. É mais um momento de combinar, na medida exata,
cautela e ousadia. Algo distante do que pregam colunas e editoriais.
EVO APROVA REFERENDO E OPOSIÇÃO CONCLAMA À RESISTÊNCIA>
O presidente boliviano aprovou o referendo constitucional em um
Congresso lotado por sua gente. Proibiu as consultas autonômicas e vai
limitar o tamanho das terras em mãos privadas. "É um golpe de Estado",
disse a oposição.
Pablo Stefanoni - Clarin
A convocatória de um referendo para ratificar nas urnas a nova
Constituição, aprovada pelo oficialismo em dezembro de 2007 e
rejeitada pela oposição entrincheirada em Santa Cruz, colocou a
Bolívia, mais uma vez, em um cenário de nervosismo e incerteza.
"Que seja o povo que defina o futuro do país", convocou ontem um Evo
Morales coberto de colares de flores e papel picado perante centenas
de cocaleros, mineiros, estudantes de El Alto e indígenas que há dias
cercavam o Congresso para apressar a aprovação da nova Constituição
que, segundo o Governo, vai refundar o país. "Na Bolívia todos somos
originários, mas há originários milenares, que são muitos e sempre
pobres, e originários contemporâneos, que são poucos e ricos. Não
queremos expulsar ninguém, só queremos igualdade, mas algumas famílias
de latifundiários não querem perder seus privilégios". Foi assim que o
presidente boliviano iniciou sua campanha pelo SIM à reforma.
Sem perder tempo, Santa Cruz declarou guerra à consulta, conclamou à
resistência civil e ratificou seu próprio plebiscito para validar os
estatutos de autonomia. E referendos similares foram anunciados por
toda a denominada "meia-lua", formada também por Tarija, Beni e Pando.
"Se for necessário, vamos ter que ir até Santa Cruz para reprimi-los",
ameaçou o dirigente mineiro Andrés Villka, na presença de Morales.
Em um clima violento, o Congresso aprovou o referendo constitucional e
uma consulta paralela para acabar com os latifúndios, na qual os
bolivianos deverão decidir se o tamanho máximo dos terrenos agrários
será de 5.000 ou de 10.000 hectares. Além disso, estabeleceu que é
ilegal que os governadores convoquem referendos autonomistas sem
aprovação do Congresso. E, desafiando abertamente Santa Cruz, os
parlamentares determinaram que os plebiscitos sejam realizados na
mesma data em que os cruceños devem votar: no dia 4 de maio. A
ofensiva, portanto, foi em toda linha.
Para fugir dos obstáculos da oposição, o Movimiento al Socialismo en
el Poder apelou para uma estratégia usada com sucesso em outras
ocasiões: cercar o Congresso com sindicatos urbanos e rurais, que
conseguiram se impor por meio de detonações de dinamite. Para
conseguir quorum, o oficialismo convocou os suplentes de dois
senadores de oposição que geralmente votam junto com a esquerda, sem
contar com autorização dos titulares. Mas a direita saiu em massa para
denunciar que nunca existiu quorum e que foram convocados para uma
falsa reunião "de concertação" com o vice-presidente Álvaro García
Linera, a uma quadra do Congresso, para despistá-los e garantir o
êxito da manobra oficialista. A imagem da deputada opositora Ninoska
Lazarte, tentando entrar no Parlamento no meio de empurrões, puxões de
cabelo e jatos de água percorreu ontem toda a mídia.
"Traidora, vendida", gritava um grupo de mulheres indígenas diante de
uma força policial que praticamente não fez nenhuma intervenção. Sua
colega do Movimiento Nacionalista Revolucionario, Marisol Abán, tentou
sem sucesso abandonar as sessões, recebendo cuspidas, empurrões e
gritos que a intimavam a "trabalhar".
Na quarta-feira, o líder campesino Isaac Avalos já tinha dado um
ultimato de 24 horas ao Parlamento para que os referendos fossem
aprovados. E a última tentativa de diálogo entre oficialistas e
opositores, encabeçada por García Linera, entrou na via morta das
tentativas anteriores devido à intransigência de ambas as partes para
conciliar a nova Constituição -de ideologia nacionalista e
indigenista- e os desejos dos governos autonomistas do oriente
boliviano de controlar a titulação de terras, cobrar impostos e
administrar, em conjunto com o Estado nacional, o gás e o petróleo. "O
diálogo é impossível, porque cada bando acredita que pode ganhar do
outro", resumiu para Clarín um dirigente do Movimiento Sin Miedo, do
prefeito de La Paz, Juan del Granado, um aliado do governo que está
cada vez mais distante.
A direita tentou compensar na mídia sua impotência diante do rolo
compressor oficialista no Congresso. "É um golpe de Estado", declarou
o ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, e perguntou: "Qual é a diferença
entre bloquear um Parlamento com tanques ou fazer isso com dinamite e
facões?" Por sua vez, o presidente do Senado e empresário de Santa
Cruz Oscar Ortiz, percorreu as embaixadas para pedir à comunidade
internacional que "reveja as relações com a Bolívia" e o senador Tito
Hoz de Vila alertou: "É uma punhalada contra a democracia; cuidado,
que a guerra pode estar começando".
PARA ONDE VAI A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA?
A estratégia do governo dos EUA contra Chávez é tentar desgastá-lo e
isolá-lo o máximo possível. A Colômbia é sua base política e militar
de operações, não apenas para desestabilizar Chávez, mas para
recuperar a influência perdida na América Latina.
Marcelo Colussi - Rebelión
Após a derrota eleitoral da Revolução Bolivariana no referendo de 2 de
dezembro de 2007, na Venezuela, todo o processo político que se vive
no país entrou em um período de redefinições. O que estava em jogo
naquele momento era algo muito importante, sem dúvida: uma reforma da
carta magna não é coisa de todos os dias. De qualquer modo, a
relevância dessa eleição não esteve tanto no que a população estava
escolhendo em concreto. Se alguém pensou que a aprovação da reforma
que estava sendo submetida a escrutínio popular levava ao socialismo,
errou; o socialismo é um processo infinitamente mais complexo do que
um texto constitucional, é algo que não se decreta em um papel ou em
uma sala do Parlamento.
Portanto, se tivesse ganho a proposta do SIM isso não levaria
automaticamente a mudanças revolucionárias na estrutura socioeconômica
da sociedade nem na consciência da população. Talvez ajudasse, mas
isso não é o socialismo. O aprofundamento da revolução poderia ser
feito, inclusive, nos marcos da constituição de 1999, atualmente
vigente. O que define uma mudança revolucionária em uma sociedade são
as relações de força entre as classes, coisa que não se decreta por
lei. A importância tão grande do que aconteceu nesse 2 de dezembro
esteve em que a Revolução perdeu essa batalha e no significado
político posterior desse fato.
Foi a primeira derrota eleitoral de todo o processo encabeçado por
Hugo Chávez em nove anos, depois de dez triunfos consecutivos em
diversas instâncias: eleições presidenciais, legislativas, para
governadores, para prefeitos, referendo revogatório; mas essa única
derrota teve um impacto enorme.
A Revolução Bolivariana prossegue independentemente deste fato: não se
perdeu o controle político do Estado. Mas foi uma prova de fogo - com
certeza inesperada - de como estão as correlações de força na
Venezuela. E isso mostrou a necessidade de reformulações urgentes no
discurso do governo. O resultado do referendo mostrou que, em alguma
medida, havia um triunfalismo excessivo no campo do bolivarianismo,
que tinha algo de "castelo de cartas" na construção do processo
revolucionário. Mostrou, também, que a população sempre está
divorciada do Estado em uma sociedade de classes, que os "políticos
profissionais" têm uma lógica diferente - inclusive confrontada - à
lógica das massas.
E mostrou, mais uma vez, de modo inequívoco, que a luta de classes
está em pleno auge neste momento da história do país, porque cada vez
que se pretende avançar em reivindicações populares, as forças
conservadoras (oligarquia nacional, o imperialismo dos Estados Unidos -
e também poderíamos acrescentar "novos ricos" bolivarianos?) reagem de
modo feroz. Isso é o que se viu na campanha monumental que foi feita
para apresentar um contrapeso à reforma (que supostamente abria
caminhos para o socialismo) e, mais ainda, se viu no que aconteceu a
partir de 3 de dezembro: tendo ganho este round (apenas uma de onze
eleições, muito pouco em termos de percentagem, está certo, mas muito
importante em outro sentido), a direita sentiu que retomava a
iniciativa política e o ataque durante os meses imediatamente
seguintes ao referendo tornou-se mais violento, mostrando que, sem
dúvida nenhuma, vai continuar piorando durante todo o ano de 2008,
que, por sinal, será um ano com decisivas eleições em prefeituras e
governos, em dezembro próximo.
De alguma maneira essa eleição de 2 de dezembro ficou como um divisor
de águas: marcou o momento até onde chegou o maior avanço do movimento
bolivariano e a experiência de "revolução bonita" do presidente Chávez
- revolução, ou melhor ainda: processo político multiclassista com um
horizonte socialista - e um ponto crucial de inflexão: a partir do
ponto em que se chegou só se pode avançar realmente para o socialismo
ou começarão a se perder os avanços conseguidos nestes anos.
Muito já foi dito sobre as causas destes resultados no referendo. Sem
ânimo de repetir, partindo somente da base de que o acontecido é
produto de uma soma complexa de fatores (guerra midiática ímpar da
direita, ataque da contra-revolução por meio de mecanismos como a
sabotagem econômica com desabastecimento e inflação, ideologia
capitalista profundamente enraizada, inclusive entre a população,
burocratização das estruturas do Estado cujo resultado é um fraco
rendimento na gestão de governo, pelo qual as bases passaram fatura,
falta de vanguarda revolucionária, além o líder carismático, e
ausência de partido político com clara ideologia de mudança -o PSUV
não é, e tal como vão as coisas muito provavelmente nunca será-,
processo político baseado em uma única pessoa, sem participação real
das massas na tomada de decisões, etc. etc.), tudo isso abre vários
possíveis cenários a partir de agora.
Como mínimo, é possível delinear estes três: 1) o processo se
radicaliza e se constrói um verdadeiro poder popular com um Estado
revolucionário que começa a empreender tarefas socialistas pendentes
até agora, com a figura do líder histórico encabeçando essa
radicalização; 2) o processo fica estancado, se burocratiza mais ainda
e a chamada "direita endógena" (empresários bolivarianos) passa a
controlar tanto o aparato do Estado (com o manejo do petróleo) como o
PSUV. Hugo Chávez também é parte dessa involução; 3) a Revolução
Bolivariana é retirada do poder e a direita tradicional, apoiada por
Washington, retoma seu protagonismo político. Isso poderia ocorrer nas
próximas eleições presidenciais de 2012, mas tudo leva a crer que a
estratégia do império é voltar a controlar o mais rapidamente possível
estas reservas petroleiras e cortar pela raiz as iniciativas
integracionistas que estão sendo desenvolvidas com a ALBA e com uma
Venezuela "incômoda"; portanto, tentariam terminar antes o atual
processo, sem esperar esses futuros comícios.
Descartando a princípio uma intervenção militar direta dos Estados
Unidos, ou inclusive um golpe de Estado violento por parte de setores
das forças armadas não-chavistas, a estratégia poderia ser jogar ao
desgaste e à implosão da Revolução Bolivariana. Instrumentos para
conseguir isto não faltam e de fato essa estratégia já está
funcionando a todo vapor.
Cenários possíveis
1) O povo no poder: socialismo do século XXI?
A primeira reação de boa parte da população chavista, no mesmo momento
em que foram conhecidos os resultados do referendo, foi pedir
"limpeza". Limpeza de tantos quadros na direção do aparato de Estado
disfarçados de revolucionários, de tantos burocratas que retardam as
mudanças, de tantos oportunistas que vêm obstruindo o verdadeiro
avanço da revolução, causadores -segundo o sentir popular- dessa
derrota. Esse sentir popular espontâneo -que certamente não estava
errado- foi o de buscar promover uma transformação de raiz em uma
máquina que se mostra ineficiente por todos os lados, cada vez mais,
com um certo arzinho de corrupção que não é mais possível ocultar.
A reação do presidente Chávez foi reconhecer que "por enquanto" não
tinha conseguido triunfar com a reforma, mas que a luta revolucionária
vai continuar. Como parte dessa luta, rapidamente apareceu a
necessidade de revisar, de avaliar criticamente, o que foi feito até
agora para reorientar o processo que está em marcha. Daí surge sua
proposta das 3R (revisão, retificação e reimpulso). Mas junto com isso
também veio o chamado para reduzir um pouco a velocidade na marcha das
mudanças, dando a entender que se estava indo rápido demais.
Congruentemente com isso veio também seu chamado a buscar alianças com
outros setores sociais e seu convite para que a "burguesia nacional"
se somasse a este processo.
Nesse marco "de reconciliação" apareceu sua não muito oportuna lei de
anistia para muitos dos golpistas de 2002 e a liberação dos preços de
muitos produtos da cesta básica. Dado seu gigantesco peso moral na
população, se bem estas declarações e medidas concretas podem ter
causado um certo incômodo, sua figura não ficou maculada por isso e a
ampla maioria popular não deixou de tê-lo como seu líder intocável.
Alguém poderia pensar que essas manobras faziam parte de uma jogada
que Chávez se permitiu levando em conta seu enorme faro -que até
agora, sem ser marxista declarado como ele mesmo diz, sempre o levou a
tomar as medidas mais acertadas do ponto de vista do campo popular-, e
com isso se poderia conceder a ele o beneficio da dúvida e pensar que
a força revolucionária do povo ainda está fresca, viva e que, apoiando-
se nele, pode de fato reorientar esta revolução para um rumo
socialista.
Como cenário, não há dúvida que isto seria possível. Há diversos
indícios que mostram que isso não é o mais próximo, que a revolução
não está marchando a toda velocidade para a esquerda, mas é claro que
a possibilidade existe. Há diversos setores de base no povo chavista
que continuam pedindo a "limpeza" de toda a burocracia e o
aprofundamento do processo rumo a posições francamente de mudança. Há
setores populares organizados -nos bairros das principais cidades, no
âmbito sindical, no movimento campesino, entre os estudantes, nos
meios de comunicação alternativos- que continuam trabalhando por um
horizonte socialista. E muitos desses setores são, atualmente,
aspirantes a militantes no PSUV. Na base, na discussão no interior dos
seus batalhões, todo esse potencial revolucionário continua com suas
bandeiras de luta no alto, sem abaixar nenhuma, e é aí que está a
possibilidade de continuar aprofundando o processo.
Esse movimento popular ainda espera muito do seu comandante, e não há
dúvida de que está moralmente em condições de repetir outro 13 de
abril caso for necessário. Diante da atual conjuntura de eleições de
governo e prefeituras para o final do ano, todo este potencial
transformador pode ficar robustecido. Ao eleger os candidatos para as
eleições a todos estos cargos na base, fazendo a discussão no próprio
seio do partido, poderão ser retomadas as consignas de luta
socialista, de democracia participativa, de radicalização das medidas
para as quais a reforma proposta podia servir como trampolim.
Como já aconteceu em outras oportunidades, a conjuntura empurrou para
a frente os dirigentes revolucionários, as massas superaram seus
condutores. O clamor das bases -depois dos ataques da direita no golpe
de Estado, da sabotagem petroleira ou da greve patronal- levou Chávez
a radicalizar em relação ao seu programa original, com o qual ganhou
as primeiras eleições em 1998. A pressão popular, a mobilização de
rua, foi levando todo o processo para novas definições, e é assim que
aparece o horizonte socialista. "Socialismo do século XXI" foi
chamado, marcando distância da velha burocracia dos partidos
comunistas fossilizados da Europa do Leste.
Se Chávez introduz essa idéia e volta a falar em socialismo -após anos
de liberalismo feroz nos quais a simples menção dele estava proibida-
é porque a dinâmica de mobilização social foi levando a isso. Apesar
de que depois da derrota de 2 de dezembro tem havido um certo freio no
avanço rumo à perspectiva socialista, em nenhum momento se prescindiu
dela. A vitalidade da mobilização popular ainda está aí. Muitos
setores de base até já pediram ao governo a formação de milícias
populares armadas de defesa revolucionária, o que poderia fortalecer
ainda mais a marcha da revolução.
Ou seja: em boa parte da base permanece intocada a convicção de
mudança, de aprofundamento das transformações que foram empreendidas
nos primeiros anos da revolução, quando nasceram as missões, quando se
consegue terminar com o analfabetismo, quando surge a ALBA.
É verdade que em torno de três milhões de pessoas que tinham votado
por Chávez nas eleições de dezembro de 2006, perante o chamado para
referendar a proposta de reforma constitucional em dezembro de 2007
não foram às urnas. É verdade que aí não há uma massa de oligarcas
contra-revolucionários. De qualquer modo, é tarefa da dirigência da
revolução ver o que exatamente aconteceu aí, com essas bases
chavistas, e procurar as correções adequadas: se foi que a propaganda
da direita surtiu efeito, será preciso buscar uma nova política de
comunicações mais efetiva. Se a burocratização de uma parte da máquina
do governo desmotivou boa parte do eleitorado, é fundamental fazer a
limpeza solicitada. Mas em todos os casos as correções se impõem. E é
a mobilização desde baixo a única garantia de que isso vai acontecer.
Por isso desempenha um papel decisivo a militância fecunda, envolvida,
convencida dos valores socialistas, para pôr novamente em movimento
essa população chavista que hoje parece um pouco desorientada, que
continua acreditando em seu líder mas se sente defraudada pela ampla
maioria da equipe de governo.
Ninguém disse que a marcha rumo ao socialismo foi descartada, apesar
de que neste momento os efeitos da derrota eleitoral ainda se sentem.
Mas, justamente com a nova disputa eleitoral prevista para o final do
ano, agora é um momento oportuno para voltar a acender a chama
revolucionária com eleições democráticas e transparentes dos
candidatos do movimento bolivariano desde baixo, estreitando o campo
para a direita endógena, burocrática e corporativa que foi se
infiltrando na revolução.
Em outros termos: o cenário de uma repotencialização à esquerda está
vigente. Para concretizar essa via, é hora de mobilização, de maior
diálogo de ida e volta com o líder, de não retomar a totalidade da
recém fracassada proposta de reforma, mas promover apenas alguns
pontos, os mais importantes vistos da perspectiva do campo popular:
redução da jornada laboral, leis sociais para os trabalhadores
informais, democratização das universidades, fortalecimento dos
conselhos comunais. Essa mobilização, por outro lado, poderia
despertar em Chávez a convicção de que ou se faz uma retificação de
verdade, ou não haverá um caminho socialista, inclusive mostrando a
ele que o excessivo presidencialismo que se viveu até agora não é uma
fortaleza senão, pelo contrario, uma fraqueza para todo o processo.
O cenário de uma marcha rumo à radicalização da revolução está aberto,
com um poder popular vivo de onde poderiam sair novos quadros
dirigentes para superar a atual casta burocrática que parece não estar
à altura do que se requer.
Apesar de que nunca se terminou de definir com exatidão o que é o
socialismo do século XXI (a Cuba de Fidel?, a experiência chinesa com
capital privado?, uma versão bolivariana à venezuelana?), sua
viabilidade ainda é possível. Da mobilização popular, da organização e
do autêntico poder das bases protagonistas depende a concretização
desse cenário. O problema que surge é que ainda não há um partido
revolucionário conformado, ou seja que a tarefa urgente é dar forma a
essa vanguarda, trabalhar em seu seio, abrir cada vez mais o debate.
2) A direita endógena no poder: a Nicarágua de Daniel Ortega pós
"bolão"?
"Se algo pode acabar com uma revolução, esse algo é a corrupção"(Fidel
Castro)
Este outro cenário aparece como o mais possível porque, pelo visto, é
o que neste momento está se consolidando. O faro popular não estava se
enganando quando, imediatamente depois de conhecida a derrota de 2 de
dezembro, pedia "limpeza". É esse grupo de funcionários sem ideologia
revolucionária, alheio a um projeto de transformação econômico, social
e cultural, que tem ido ocupando em forma crescente diversos cargos no
aparato de Estado, que com sua falta de solvência -mais ética do que
técnica- contribuiu em muito para a derrota no referendo. É esse
grupo, ao que se passou a chamar "direita endógena", que deve ser
limpo, removido. Caso contrário, a revolução corre perigo.
Mas a existência dessa direita, que parece ter um poder crescente no
jogo político atual, denuncia um limite de todo o processo
bolivariano: isto não nasceu desde baixo, como revolução popular, e
apesar de já ter começado a se movimentar rumo a um horizonte
socialista, ainda está muito longe de alcançá-lo. Esta burocracia sem
consciência revolucionária -mesmo que fique repetindo até o cansaço as
consignas chavistas e vista uma flanela vermelha para cada mobilização
que assiste pontualmente- não tem nada de semelhante com uma postura
socialista. E vamos dizer, de passagem, que revolução não é -ou não é
somente- ter a praça cheia de chavistas, a "maré vermelha". Ao longo
destes nove anos as praças ficaram cheias de flanelas vermelhas e de
consignas, e as eleições foram ganhas uma atrás da outra com um Hugo
Chávez quase heróico, mas isso não basta para mudar
revolucionariamente uma sociedade. Esta burocracia dominante é a
patética demonstração disto.
Mudar uma sociedade é transformar as relações de poder entre as
classes a partir de uma nova organização do processo de produção,
mudando, além disso, a ideologia, a consciência e a cultura dominante.
É verdade que nestes anos foram dados passos importantes na forma de
repartir a renda gerada pelo petróleo, fazendo com que chegasse à
grande maioria da população por meio dos novos programas sociais; isso
teve um valor extraordinário. Foi por isso que a direita pôs o grito
no céu, porque os que eram historicamente excluídos começaram a ser
levados em conta (mau exemplo que pode se espalhar por outros países,
por isso se buscou cortá-lo de raiz). Mas a forma da propriedade dos
meios de produção não mudou.
E apesar de ter sido iniciado um processo de promoção de novos valores
socialistas, a cultura geral não sofreu maiores mudanças. Permaneceu o
individualismo, se manteve o consumismo grosseiro e uma brega cultura
de ostentação. Portanto, conseguir reforçar essas tarefas de
mobilização ideológica-cultural é definitório. De não ser assim, é
impossível avançar de verdade para a justiça social.
Sabendo que o fato cultural é mais difícil de mudar do que nenhuma
outra coisa, poderíamos dizer que é aí onde a revolução ainda está
mais fraca. A grande maioria dos funcionários de governo, dos quadros
de direção e dos quadros médios da estrutura do Estado, longe de mudar
-ainda que se declarem chavistas- continuaram com a lógica capitalista
da qual são herdeiros. A busca de beneficio econômico imediato, o
individualismo, o consumismo, o próprio destaque pessoal, continuaram
vigentes como padrões dominantes na prática ideológica do dia-a-dia.
Isso demonstra algo, talvez de um modo trágico ou grotesco: não dá
para tirar leite de pedras. Se não houve um processo revolucionário,
por que todos esses funcionários deveriam ser agora, quase da noite
para o dia, inquebrantáveis militantes com uma ética socialista
blindada e incorruptível? E a corrupção se manteve, herança de uma
longa tradição de país que vive de renda.
Essa direita de classe média, sem consciência revolucionária, mais
apegada ao luxo banal, ao whisky escocês e ao automóvel de luxo como
marca de "sucesso" pessoal do que aos valores de transformação social
e à solidariedade, foi a que lentamente ocupou o cotidiano dos quadros
dirigentes. E essa mesma consciência individualista foi a que começou
a se impor na formação do novo partido socialista, um fruto raro sem
linha política clara, sem projeto revolucionário definido. Como
qualquer formação político-social, essa direita buscou sua expansão e
foi ocupando "naturalmente" os espaços-chave da revolução. Hoje, em
boa medida é o novo empressariado "bolivariano" que, com um discurso
ambíguo, às vezes até com um discurso de aparência socialista, termina
funcionando como freio para as mudanças que vinham acontecendo nestes
anos passados, mudanças que, caso prosseguisse a radicalização, de
fato poderiam levar ao socialismo.
O cenário não difere muito do que aconteceu na Nicarágua sandinista
quando a revolução foi afastada do poder: um setor -os seguidores de
Daniel Ortega- acabou tomando conta do partido e com um discurso
ambíguo disfarçado de esquerda, dedicou-se aos seus negócios (o famoso
"bolão" em que foram repartidos os bens do Estado antes de entregar a
administração para Violeta Barrios de Chamorro, em 1990). "Novos
ricos", empresários no mais cabal sentido da palavra -exploradores da
mão de obra de seus assalariados, simples assim- que terminaram sendo
um freio para um autêntico projeto revolucionário, a partir da
oposição naquele caso, novamente no governo agora. A homologação pode
ser útil, porque empresário -independente do qualificativo:
sandinista, ou peronista como foi na Argentina, ou bolivariano- é,
antes de mais nada, explorador, mesmo quando tem viés nacionalista
(pode haver empresários "bons"? O que poderia ter de "revolucionária"
para o povo mais pobre uma burguesia nacional?).
Hoje, o cenário que se perfila após a derrota no referendo de dezembro
passado é o de uma classe de novos empresários bolivarianos que, na
sombra do Estado e administrando os recursos do petróleo, não parece
estar muito disposta a impulsar um processo revolucionário rumo ao
socialismo. Por isso atrasou e complicou a organização popular com
vistas ao referendo, o que levou à derrota na disputa eleitoral. Por
isso, também, está maquinando com todo seu poder para terminar
controlando o nascente PSUV, no qual, antes mesmo de que esteja
constituído como força política, já controla o tribunal disciplinário,
pronto para fechar a boca de qualquer um que ouse levantar críticas
contra este processo de involução que, pelo visto, está sendo vivido
agora. Burocracia empresarial -"boliburguesia" como é chamada por lá-
que vai tentar manter suas parcelas de poder disputando espaços com a
oligarquia tradicional; ou seja, que vai se preparar para ganhar as
próximas eleições do final do ano, mas que, ainda vencendo, já tirou
de seu foco o aprofundamento da revolução. E que, por outro lado, tem
as malas prontas para sair fugindo se a direita tradicional volta com
ânimos de revanche. Ou que, provavelmente também, pode terminar
convivendo em um clima de harmonia com ela (após um pacto, é claro,
sem povo algum).
É impossível dizer com rigorosa certeza qual é o papel que desempenha
o presidente Chávez neste cenário. Essa direita endógena tem o
presidente seqüestrado? O que está acontecendo com o declarado
processo de revisão que estava começando: é a sério e vai haver
"limpeza", ou trata-se pura retórica? Qual é a relação estabelecida
entre esta burocracia de Estado e de partido e o líder: quem sustenta
quem?
Independente de ter respostas para cada uma destas perguntas, a
verdade é que este cenário parece ser o que está se configurando hoje.
Caso se fortaleça, a revolução teria perdido seu caráter transformador
para terminar sendo um processo reformista ou, no melhor dos casos,
nacionalista mas sem conteúdo de classe, e muito provavelmente
passando a ter características populistas, mas não socialistas.
3) A direita tradicional e "a embaixada ianque" no poder: de novo a
Venezuela Saudita?
A Venezuela, durante todo o século passado, foi o país mais cobiçado
da América Latina pela geoestratégia de Washington, devido às suas
fabulosas reservas petroleiras. Diante do consumo descontrolado de
energéticos que a grande economia do norte continua tendo, em seus
planos não entra a possibilidade de perder essas reservas do país
caribenho. O aparecimento deste governo "incômodo" de Hugo Chávez veio
complicar seus planos imperiais: agora o petróleo não é das grandes
multinacionais e eles não podem mais levá-lo com absoluta impunidade,
como ocorreu durante décadas. Por outro lado, este governo popular é
um "mau exemplo" dentro da área. Aí está a iniciativa da ALBA
atrapalhando também a lógica imperial de um Tratado de Livre Comércio
que a Casa Branca não pôde implementar ao seu gosto, e é Chávez o
principal motor dessa proposta contra-hegemônica. Conclusão quase
forçosa, então, para a estratégia das classes dominantes dos Estados
Unidos: tirar Chávez do meio!
Já tentaram isso muitas vezes até agora, sempre sem sucesso. Mas o que
aconteceu no 2 de dezembro revitaliza a estratégia contra-
revolucionária. Como já foi dito em reiteradas ocasiões: não ganhou a
proposta do NÃO: pelo contrário, venceu o SIM. Independente do
aparente jogo de palavras, isso tem um sentido: a direita teve uma
vitória que não esperava. E isso abriu um novo cenário, que encoraja a
direita e lhe permite reduzir os tempos. Vendo que efetivamente é
possível vencer Chávez em uma eleição, agora todas as armas apontam
para continuar batendo ali onde a revolução se mostra mais vulnerável.
E a primeira vulnerabilidade -talvez imperdoável vista a partir de uma
postura revolucionária- é que todo o processo se apóia na figura de
uma única pessoa. Isso é uma fraqueza perigosa, porque atingindo essa
figura tudo leva a pensar que o processo em sua totalidade vai cair
(tão diferente do caso de Cuba, onde a revolução conseguiu estabelecer
uma consciência muito mais generalizada e hoje, após a saída de Fidel
como condutor, há uma rede de substituição que garante a continuidade
do projeto).
A estratégia básica da direita (venezuelana e externa, principalmente
a externa, verdadeira condutora desses planos) é ir minando o
processo, criando obstáculos, tornando-o ingovernável por meio de
infinidade de métodos: desabastecimento, mercado negro, guerra
midiática, provocação militar por meio de paramilitarismo, promoção de
grupos "democráticos" de oposição que jogam continuamente à
desestabilização, campanhas internacionais de desprestígio, etc., etc.
Aí estão os casos do Chile nos 1970 e da Nicarágua nos 1980 para
exemplificar como esses planos de desgaste terminam dando resultados.
Por que razão conseguiram se impor nesses lugares e não em Cuba? Não é
objetivo deste breve escrito entrar nessas considerações, mas não há
dúvida de que, sabendo do ainda pouco sólido estado da revolução e da
força do ataque, o cenário para o futuro não deixa de preocupar: não é
impossível reverter este processo. A direita sabe disso e parece ter
elaborado o plano adequado.
A estratégia consiste em ir deixando Chávez sozinho, isolado, tentando
a desmobilização, o desencantamento da população, dessa massa chavista
que saiu às ruas para defendê-lo até a morte naquele 13 de abril do
ano 2002, quando foi o golpe de Estado. Se esse projeto de
desmobilização popular, de desencantamento e cansaço for bem-sucedido,
a direita teria o caminho livre para continuar ganhando terreno. O
tema corrupção desempenha um papel muito grande nisso, e na verdade a
diretiva revolucionária não vem tendo um papel irrepreensível na forma
como administrou este tema até agora (por exemplo -e sirva isto apenas
como exemplo paradigmático-, o que aconteceu com a mala com os 800.000
dólares do caso Antonini?).
A somatória de tantos erros, inconsequências, fraquezas ou como se
quiser chamar, potencializada pela manipulação midiática descomunal da
direita, assenta as bases para um clima de amargura que abre as portas
para a resignação. E daí para reverter a revolução: apenas um passo.
A direita tem pressa em terminar esta experiência; mais ainda do que a
oligarquia venezuelana não-petroleira -que na verdade não perdeu nada
nestes anos, senão que, pelo contrário, continuou enriquecendo- são
especialmente as classes dirigentes norte-americanas que têm os
alarmes ligados. Não há dúvida de que também a grande burguesia
nacional tem profundo interesse em terminar com isto: a presença da
"gentalha" não deixa nunca de causar-lhe espanto, porque sabe que é aí
que está seu inimigo de classe e que, cedo ou tarde, esse povo pode
acordar. Mas o verdadeiro artífice das campanhas contra-
revolucionárias é Washington, por dois motivos: porque não vai deixar
que se perca esta reserva petroleira e porque o "mau exemplo" do
socialismo do século XXI está resultando incômodo demais.
Já agora, por causa deste governante não alinhado que é Hugo Chávez,
junto com a mobilização popular continental que também foi contra, não
pôde entrar em vigência o Tratado de Livre Comércio no dia 1° de
janeiro de 2005, segundo estava previsto. E graças a este "mau
exemplo" de uma Venezuela bolivariana foi tomando forma a iniciativa
da ALBA, proposta de integração que denuncia e supera os mecanismos
mercantis. Ou seja, que para a lógica imperial há motivos de sobra
para intervir.
Nada indica que fará uma intervenção direta com suas tropas. Isso
abriria as possibilidades de repetir um Vietnã, ou um Iraque, e o
custo político seria alto demais. Por isso a estratégia é buscar o
desgaste por outros meios, sem intervenção direta. O Plano Patriota,
na Colômbia, é sua base de operações para o caso - base militar, por
sinal, que vai além da desestabilização contra a Venezuela e que serve
à Casa Branca como encrave para controlar toda a América Latina. A
crescente penetração de paramilitares a partir da Colômbia pode ser a
nova "Contra" que, igual que na Nicarágua de décadas atrás, sirva para
minar o processo, para desgastar Chávez, para buscar a queda "natural"
do seu governo.
Se essa estratégia for se consolidando, nem sequer será necessário
esperar até as eleições presidenciais de 2012. É provável que antes
disso as condições estejam preparadas para promover a remoção de
Chávez (via referendo revogatório, golpe de Estado de setores
militares descontentes ou, inclusive, com mobilizações anticorrupção
ou alguns artifícios que os projetistas sociais do império poderiam
desenhar).
E o mais trágico disso poderia ser que o mesmo povo que defendeu
Chávez em 2002 ao custo da própria vida, perante toda esta diabólica
campanha de desmobilização e descrédito -e terror: para isso estão os
paramilitares se posicionando nos bairros!-, neste novo cenário talvez
não sairia para defender nada. E não apenas isso: poderia dar-se o
caso trágico de que seria visto quase como uma salvação o fato de sair
de um "regime corrupto" e "empobrecedor". Os estrategistas do
Departamento de Estado, verdadeiros artífices de boa parte da política
na América Latina, sabem muito sobre isto. E se isso vier a triunfar -
coisa que precisamos impedir absolutamente!- os setores populares não
só na Venezuela, mas em todo o nosso continente, mais uma vez ficariam
abalados e com as esperanças cortadas.
Conclusão
A nova direita endógena, essa que enriqueceu na sombra do Estado
chavista, que nem é nem pretende ser revolucionária, não tem um
projeto político como nação. Portanto, é muito difícil que consiga se
perpetuar no tempo. Inclusive, é difícil que consiga sobreviver à
própria figura de Chávez, que é, afinal de contas, sua única garantia
de existência. No suposto caso de que nas próximas eleições de
prefeitos e governadores acabe não se saindo tão mal, não tem -fora do
que possa ter rapinado, e que em termos econômicos não é algo
verdadeiramente significativo como acumulação capitalista- nem a força
política para defender um projeto político, nem a força moral perante
a população para se apresentar como alternativa. Portanto, esta é uma
via morta como proposta para as massas. Poderia, talvez, manter
parcelas de poder (o caso do "danielismo" sandinista na Nicarágua),
mas totalmente descolada de propostas populares.
Por outro lado, o retorno da direita tradicional ao poder político não
faria outra coisa a não ser voltar atrás em todas as conquistas
populares conseguidas nestes anos em que a mobilização esteve em alta.
Poderia, inclusive, começar uma repressão feroz contra tudo o que
cheire a "chavismo". O petróleo ficaria mais uma vez sob controle
absoluto das grandes corporações internacionais -hoje em dia
administram quotas marginais- por meio da tecnoburocracia venezuelana
(que, é bom dizer, nunca desapareceu completamente de PDVSA durante
este processo), e se buscaria por todos os meios manter na linha a
organização popular conseguida nestes anos. Para isso poderiam ir do
clientelismo político e a repotencialização da velha cultura corrupta
do partidarismo tradicional, até a repressão aberta (não é à toa que
estão entrando e se posicionando os paramilitares colombianos, novo
exército de ocupação "de baixa intensidade"). A Venezuela voltaria a
ser o "paraíso tropical" de Miss Universos... e de petróleo barato para
o Norte, porque até os preços do barril poderiam cair.
Diante destes cenários vemos que a única maneira de poder continuar
garantindo o avanço de propostas progressistas que favoreçam as
grandes maiorias e avançar em metas socialistas é potencializando as
melhoras conseguidas nos primeiros anos do processo bolivariano. E
somente com a mobilização popular, desde dentro ou, chegado o caso,
desde fora do PSUV, isso será possível. Como se costuma dizer:
"somente o povo salva o povo". Mas mobilização popular não é só vestir
uma flanela vermelha e participar em uma marcha multitudinária com o
líder -isso, inclusive, pode até ser secundário, anedótico-; é
participar ativamente nas decisões do dia-a-dia, é envolver-se nos
assuntos político-sociais que nos cabem a todas e a todos, é não
fechar nunca a boca perante nenhuma injustiça. É, em última instância,
manter uma atitude crítica contínua, construtiva e propositiva. E isso
é o poder popular. Sem isso, não é possível o socialismo.
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores