Então, chegamos naquele momento de terror que os reacionários temiam: a Ditadura da Saúde! Só comerá, beberá ou assistirá shows se mostrar a marca da besta.
No caso, o certificado da vacinação.
Mas o Brasil não perde uma oportunidade de ser o Brasil: O tal certificado é uma calamidade de usabilidade.
Todo vacinado recebeu um documento comprovando a vacinação — em São Paulo, um certificado num papel mais durável, “instragramável”. Em Goiânia, era uma fichinha xerocada e o toner estava invariavelmente acabando.
Mas o que conta é o certificado dentro do app. O app do caso, um certo Conecte SUS.
Bonito, né, “conecte”. Eu e você sabe como escrever a palavra. Mas eu e você somos aqueles tais 1% da população. Os 99%, vai se embananar pra escrever.
Claro, basta meter “SUS” nas app stores para encontrar. Novamente, o 1% versado em queries, tira de letra. Quem já tentou dar assistência a gente não versada em tecnologia, percebe a barreira.
Baixou o app! Então… Precisa fazer log in. Na era dos ecossistemas, o Gov.br decidiu ter um account. Não lembro porque abri o meu. Meu filho abriu para o ENEM. E agora precisa para acessar o certificado de vacinação contra Covid-19.
E na hora que o e-mail antiespionagem da Dilma chegar — o que os Correios tinha ficado encarregado de criar — o account já está pronto!
Entro com meu CPF. Não tem autopreenchimento. Logo, ele também não pegar a senha salva no seu navegador.
E claro, são duas telas diferentes. Imagina que louco colocar uma só tela para log in e senha?
(E ah, o SUS tem tanta percepção de prioridade que cobre a tela de log in com uma splash page pedindo voto para o… PRÊMIO IBEST. Sério. Eles querem ser lembrados como “o melhor do Brasil”. PRÊMIO IBEST, minha gente. A última vez que soube do iBest, estava conectado pelo iG)
Abro meu navegador, vou no configurações, senhas, procuro “gov”, preço para exibir a senha, entro com a digital, copio a senha, colo no app e então…
…Caio numa tela de CAPTCHA.
Daí eu seleciono todas as fotos com faixa de pedestres. E então…
…O CAPTCHA é de duas etapas: Me pede para selecionar as fotos com tratores. Mas é um truque, pois não tem nenhum. Os 1% tira de letra, mas imagine o iletrado digital?
Achou sacal até aqui? Se acostume, o app não salva os dados do log in e não permanece conectado. Toda vez que acessar, vai ter que passar por este suplício. O meu adicione ter que ir copiar a senha, já que eu optei que o navegador sorteasse uma senha para mim ao invés de usar uma senha fácil de lembrar. Segurança não sai de graça.
Finalmente entro na tela do app. Se imagina que o certificado estaria em destaque na tela inicial, quem sabe, já sendo exibido?
É, a gente não precisa esperar. O destaque da tela inicial é um F.A.Q.
Então você tem que ADIVINHAR que ao clicar no ícone “Vacinas”, você acessa o registro vacinal contra Covid-19. Bom, o acesso é este. Mas ele não exibe sem a última luta: Aparece uma splash screen com informações burocráticas e só depois de der ok… É exibido o registro das dose(s) tomada(s).
Você clica, abre um relatório do local, data, marca da vacina, lote e vacinador. É isto o passaporte? Não! Tem um botão embaixo, “Certificado de Vacinação” que exibe um certificado com um fundo patriótico com as mesmíssimas informações.
Mas aparece mais dois ícones (sem legenda): um para exibir “as costas” do certificado, aonde existe o QR code de validação; outro ícone para exportar um PDF com os dados e o QR code.
Hey, 1%: Tiramos de letra, ok. Agora imagina a Tia Maricota que só manda áudio no zap e nunca viu um QR code na vida e acha que PDF é um partido político.
Contando que eu já tinha o app e Gov.br account, são QUINZE PASSOS para acessar o certificado.
Imagina a entrada de um show com mil pessoas de público, cada uma tendo que esperar na fila para exibir o certificado?