Vamos com calma que tem muita confusão aí. O govcoin resolve um problema que não existe e nem nunca existiu, e a reportagem traz muita bobagem, pura e simples, de quem não pensou um pouco mais profundamente no assunto.
O problema que ele finge resolver é a emissão de moeda bancária, pois você teria um número limitado de govcoins em circulação. Parece justo, mas a afirmação não para de pé, pois, se fosse da forma que o artigo descreve, a atividade bancária seria proibida. Pessoalmente acho muito pouco provável que venha a acontecer no Brasil ou em qualquer país.
Tentando esclarecer: Quando um banco emite moeda, ele não precisa imprimir uma nota nova, e isso é fácil de perceber: Se a gente tiver uma economia com apenas uma nota de um dólar, a seguinte situação acontece: o cabeleireiro que cortou seu cabelo por um dólar deposita esse dólar no banco. O banco empresta esse dólar recebido para um comerciante que compra material para sua loja, e o fornecedor deposita o dólar na sua conta do banco. E o banco empresta de novo. E de novo. Se você considerar que o cabelereiro tem um crédito de um dólar, o fornecedor tem crédito de um dólar, e alguém está com essa nota em seu colchão nesse momento, temos uma economia com três dólares em circulação quando só temos uma única nota. Do ponto de vista técnico, qualquer emissão de dívida tem esse efeito, embora um título de dívida privado não seja fungível com dinheiro, então é mais complicado que isso.
É possível dizer que uma sociedade com um único banco pode ter dinheiro infinito pois o ciclo acima pode ser repetido infinitamente, teoricamente. Na prática, os bancos precisam ter algum tipo de controle da qualidade de seu crédito e risco de calote, o que faz com que eles nunca emprestem 100% do que recebem. Alguns países - quando eu estudei era o Brasil e um país da África, não sei se ainda é essa a lista - instituem o "compulsório", que faz com que parte do dinheiro depositado em conta corrente não possa ser reemprestado, pois precisa ser repassado ao Banco central. A desculpa é que isso evitaria o risco de emissão infinito, mas em realidade é apenas mais um instrumento de controle da inflação, que o governo pode mudar quando quer "negociar" alguma coisa com os bancos, ou forçar a mão em algo.
Se o dólar que você deposita no banco precisa ficar no banco, isso é matematicamente igual a ter um compulsório de 100%, o que impediria o banco de emprestar esse dinheiro. Muitas instituições financeiras operam com essa regra, como por exemplo corretoras e distribuidoras de títulos; Elas são por lei impedidas de criar conta-corrente para os seus clientes pois existiria esse risco de quebra, e os depósitos necessariamente precisam ficar em uma conta-cliente em um banco de verdade. Justamente essa é a característica que difere um banco de outras instituições financeiras.
Então dizer que a govcoin traz algum benefício para o cliente é besteira pura, uma vez que o banco emprestaria a cripto-moeda para o próximo e o risco de default seria o mesmo. Ou não emprestaria e não seria um banco, por definição.
As reais razões para sua proposta não tem nenhuma relação com o colocado no texto. A real razão é a rastreabilidade dos gastos, é saber tudo o que foi negociado com aquela moeda, é um atentado ainda maior à privacidade dos indivíduos do país. Com a desculpa de proteger os cidadãos da lavagem de dinheiro e do crime organizado, propõe-se uma ferramenta que permite que o estado tenha ainda mais meios de perseguir, tributar e extorquir (em qualquer medida) os idiotas que sustentam as festas governamentais. E de quebra, tentar banir o livre comércio e a competição com moedas paralelas como o bitcoin.