Então, depois de muitos boatos, renderizações de terceiros, nenhum vazamento (A Apple tem orçamento para marketing, ela não precisa fingir que vazou para ter publicidade gratuita), Apple anuncia seu m̶e̶t̶a̶v̶e̶r̶s̶o̶ seu óculos de realidade aumentada slash realidade virtual.
O quanto isso é importante? A última vez que a Apple anunciou uma coisa fora dos mercados que atua foi o Apple Watch, para se ter uma ideia. E Apple, você sabe: Não inventou a computação pessoal, o touchscreen, o smartphone, player de música eletrônico e nem os tablets. Mas ela determina como o mercado vai fazer estas coisas depois que ela entra.
O Vision Pro parece um colosso e como tal, vai custar apenas 17 mil Janjas quando chegar no mercado em algum momento no ano que vem. Vai dar certo? A gente tem algumas pistas aqui.
Primeira pista, é que a realidade virtual fracassou toda vez que tentou ser implementada. Facebook torrou US$ 50 bilhões no seu Metaverso e desistiu. O principal motivo de floppar é o de sempre: Conteúdo.
De TV à cores ao Macromedia Flash, a aderência depende de haver conteúdo. No primeiro caso, a Copa do Mundo de 82 (conteúdo) puxou a troca das TVs P&B (hardware). Flash, estava ali, nichado, até que a mesma Copa do Mundo de 1998 fez seu site usando o formato. O contraexemplo é o WAP, que viria ser a mobile web nos primeiros anos do século XXI. Ao invés de aproveitar o conteúdo que já existia na web da época, a proposta era criar uma web inteiramente nova. Sem conteúdo, o formato foi pro brejo.
Cadê o conteúdo do Vision Pro? O ecossistema da Apple. Claro, nem todo app vai poder ser utilizado, mas diferente dos outros óculos, o Vision Pro não é um mero acessório para espelhar telas. Ele tem sua própria CPU — o que motiva o preço exorbitante do brinquedo. As especificações não foram divulgadas, mas quero ver o quanto de memória RAM compram estes US$ 3499 do modelo de entrada.
US$ 3499, o preço de um notebook muito decente, mesmo da Apple, por uma coisa que vai vir uma mixaria de configuração? E quem acompanhou o lançamento do iPad e iPhone, as primeiras gerações era com uma configuração de dar piedade. Vai floppar? A estimativa é vender 900 mil unidades em 2024. Para se comparar, em 2022 a Apple vendeu coisa de 225 milhões de iPhones. 900 mil, neste cenário, é convite para o fracasso. Junta que o pessoal não vai pagar pelo early adoption.
Mas a Apple foi esperta e não vai lançar de cara. No mínimo, vai ter seis meses do mercado discutindo o frisson e manter o interesse em se botar as mãos no dispositivo. Desenvolvedores vão ter aí um tempo também para inventar conteúdos para justificar o investimento. Até então, a grande promessa é a imersão para… se assistir filmes.
Para não parecer muito antissocial, a Apple colocou um display na frente no óculos para exibir uma renderização dos seus olhos, para demonstrar aos demais que você está prestando atenção. Esta mesma renderização vai ser usada nos apps de conferência (se você é como eu e assiste o pessoal do Star Wars usando hologramas e se pergunta cadê a câmera que está transmitindo a pessoa, deve ter pensado na mesma coisa que eu).
Na minha arrogante opinião: Vision Pro vai ser um fiasco de vendas e um grande sucesso da Apple.
As pessoas não costumam compreender que o sucesso da Apple não é vender iPhone ou iPad. É ter colocado no bolso de cada usuário uma loja. A venda do hardware é um sucesso, mas o sucesso maior é a lodjinha. Vision Pro não é o grande produto da Apple.
Vai ser o carro da Apple.
O Vision Pro é coalhado de sensores, para detecção do ambiente. Ele vai aceitar o teclado, mouse ou touchpad, mas há sensores para gestures das mãos. Este tipo de detecção exige sensores sofisticados. Do tipo que é empregado em carros que se dirigem sozinhos.
Eles não encaixaram o Vision Pro como "wearable", mas como "spatial computer". O computador está analisando o ambiente.
Talvez a gente não venha ter um Vision Pro — ninguém aqui teve um Google Glass, para demonstrar que não perderíamos grande coisa. Mas o mercado deu uma guinada ontem. Os demais concorrentes (quem eu quero enganar, será a Samsung) hão de anunciar suas versões em breve. Não será como o Vision Pro, este da Samsung será feito de papel como de hábito, mas eventualmente eles entenderão que o pulo do gato não é o AR/VR, mas os sensores.
Muita gente dirá que a web vai precisar se adequar ao AR/VR. Sim, claro. Assim como nos adaptamos para o WAP. Este não é um cavalo que eu apostaria. Ou pelo menos você lança conteúdo que realmente tire vantagem do hardware, ou sua web continuará textual como sempre foi — das poucas especificações anunciadas, cada lente do Vision Pro entregará uma resolução acima de 4K. Isto é mais do que suficiente para se ler.