16 de julho de 2025, 15h53
Boa parte dos processos da “lava jato” pode ser anulada ou ao menos revisada após a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de derrubar todos os atos da operação contra o doleiro Alberto Youssef.
Para especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a medida de Toffoli deve provocar um efeito cascata e influenciar outros alvos da finada investigação.
Os advogados ressaltam que esse impacto não é automático e terá que ser discutido caso a caso. Cada réu precisará demonstrar, nos autos, que também deve ser contemplado com a medida. A decisão de Toffoli, porém, tem um potencial de repercussão mais amplo do que outras anulações já determinadas pelo STF na ‘lava jato’, porque o caso de Youssef está na raiz das investigações.
Delação de Youssef foi mantida, mas investigações foram anuladas
A partir da decisão de Toffoli, os réus podem ser beneficiados de maneira direta ou indireta. No primeiro caso, precisam argumentar que foram atingidos pela operação da mesma forma que Youssef, ou seja, que a nulidade também se aplicaria a eles.
A colaboração premiada de Youssef não foi anulada, mas as defesas podem questionar qualquer medida que tenha usado elementos de prova colhidos com o doleiro.
“A depender das circunstâncias, a invalidação dos atos contra Youssef pode impactar outros casos derivados dele. Situações como a participação do mesmo agente nos fatos apurados, a utilização das mesmas provas, mesmo modus operandi, tudo isso são elementos que permitem essa extensão dos efeitos”, avalia o constitucionalista Georges Abboud.
Tese de conluio
A decisão de Toffoli é específica para Youssef, mas tem elementos que dizem respeito a toda “lava jato”, em especial os detalhes sobre a conspiração armada por Sergio Moro junto aos procuradores.
O ministro afirmou na decisão que o doleiro foi alvo de um “incontestável quadro de conluio processual” entre o ex-juiz e os procuradores do Ministério Público Federal no Paraná.
Segundo Toffoli, o conluio contra Youssef foi comprovado por meio da “spoofing”, da Polícia Federal. A ação policial apreendeu milhares de mensagens trocadas entre os procuradores, no caso que ficou conhecido como “vaza jato”.
As mensagens apreendidas indicam, por exemplo, que magistrado e acusação se uniram para acobertar a existência de uma escuta ilegal colocada na cela de Youssef quando ele foi preso, na primeira fase da “lava jato”. Fica claro, portanto, que a ação dos tarefeiros já estava contaminada desde os primeiros desdobramentos do processo.
A argumentação do conluio já foi usada pelo STF para anular todos os atos contra o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o ex-ministro Antonio Palocci, o que reforça o provável efeito cascata da decisão de Toffoli.
“É necessário que as defesas dos corréus ou terceiros, que vieram a ser atingidos pelos mesmos atos ora anulados, busquem o reconhecimento de nulidade em relação aos seus representados”, avalia a criminalista Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal e advogada do escritório Wilton Gomes Advogados.
Árvore envenenada
Youssef foi preso na primeira fase da “lava jato” em março de 2014. A PF coletou provas que ligavam o doleiro a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, morto em 2022, e a investigação cresceu a partir desse ponto, já que ambos fizeram acordos de delação premiada nos meses seguintes.
“Considerando a importância das colaborações de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, que tornaram a ‘lava jato’ o caso gigantesco em que se converteu, a invalidação dos atos praticados contra Youssef com base no argumento de conluio entre os investigadores, talvez até para forçá-lo a colaborar, pode sim gerar efeitos em casos de terceiros. Mas é algo para ser analisado caso a caso”, afirma Rogério Taffarello, professor na FGV-SP e sócio da área penal empresarial de Mattos Filho Advogados.
Para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a presença de Youssef nos primórdios da operação coloca em xeque tudo o que foi apurado posteriormente.
“A meu ver, a teoria dos frutos da árvore envenenada, quer dizer, as repercussões de nulidade, devem chegar à operação como um todo, porque a operação se iniciou no Youssef, ali é a origem”, avalia.
Serrano avalia que a delação de Youssef, mesmo sem ter sido anulada, está na base de tudo o que foi descoberto a partir dali. “Toda a investigação, pra mim, é nula, por conta dos fundamentos da própria decisão, que mostrou que houve conluio entre acusação e juiz. A meu ver, isso torna nulos todos os processos da lava jato”, conclui.
Suspeição de Moro
Toffoli acatou um pedido da defesa de Youssef e reconheceu a suspeição de Moro para julgá-lo. A defesa do doleiro apontou que Moro havia se declarado suspeito para julgá-lo em 2010, no “caso Banestado”, e ignorou essa suspeição ao assumir a “lava jato” quatro anos mais tarde.
O reconhecimento da suspeição de um magistrado também se aplica de forma individual em relação ao réu. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando o Supremo declarou Moro suspeito para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e anulou os atos nas ações penais contra o petista.
“A suspeição incide sobre característica individual, subjetiva, de determinado investigado ou réu. Ou seja, os casos precisarão ser analisados sob uma ótica individual. Isso não significa que não poderá haver um efeito cascata, mas será preciso que cada defesa demonstre este vínculo em seus processos”, aponta Thiago Turbay, especialista em direito probatório e sócio do Boaventura Turbay Advogados.
é repórter especial e editor auxiliar da revista Consultor Jurídico