INTRODUÇÃO
Os Quatro Vales foi escrito por volta de 1857 em Bagdá. Baháʼu'lláh havia retornado recentemente das montanhas do Curdistão, onde passou dois anos estudando com vários xeques sufis usando o pseudônimo de Darvish Muhammad-i-Irani. [2] [3] Os Quatro Vales foram escritos em resposta às perguntas de S͟hayk͟h ʻAbdu'r-Rahman-i-Talabani, o "líder honrado e indiscutível" da Ordem Qádiríyyih do Sufismo. [4] Ele nunca se identificou como um bahá'í, mas era conhecido por seus seguidores como tendo grande respeito e admiração por Bahá'u'lláh.
O QUARTO VALE
(Veja os outros três no PDF em anexo)
(1)SE OS DOTADOS DE CONHECIMENTO MÍSTICO (‘ÁRIFÁN) forem daqueles que alcançaram união (vásilán) com o semblante (tal’at) do Bem-Amado (Mahbúb), essa condição é o trono do coração e o segredo do amadurecimento. Este é o imo do mistério: “Ele faz o que deseja, ordena o que Lhe apraz.”48
(2)Fossem todos os habitantes da Terra e do Céu destrinçarem esse honorável sigilo, esse enigma sutil, até o Dia do soar da Trombeta49, ainda assim não conseguiriam compreender dele uma letra sequer, pois essa é a condição do destino (qadar) e do preordenado mistério. Por essa razão, quando buscadores inquiriram sobre isso, Ele respondeu: “Isto é um mar insondável, no qual ninguém jamais penetrará.”50 Dito isto, voltaram a perguntar e Ele deu a resposta: “Isto é a mais negra das noites, na qual ninguém consegue encontrar o caminho.”
(3)Quem quer que conheça este segredo irá, seguramente, ocultá-lo, e, se apenas viesse a revelar seu mais leve sinal, seria crucificado. Porém, pelo Deus vivente! Existisse alguém que verdadeiramente buscasse, Eu lho revelaria; pois já foi dito: “O amor é uma luz que não habita em um coração dominado pelo medo.”
(4)Verdadeiramente, o peregrino que se dirige a Deus, ao Pilar Carmesim, no caminho reto do sacrifício, jamais alcançará sua meta a menos que abandone tudo o que os homens possuem: “E se ele não temer a Deus, Deus o fará temer todas as coisas; enquanto que todas as coisas temem aquele que teme a Deus.”51
(5)Fala em persa,
embora em árabe queiras falar;
O amor tem muitas línguas
que pode dominar.52
Quão doce é este dístico sobre esse assunto:
“Quando Ele faz chover
graças como pérolas,
nossos corações abrem-se como conchas,
E nossas vidas são alvos preparados,
quando Ele arremessa,
da agonia, as flechas.”
E, se não fosse contrário à Lei do Livro, Eu, verdadeiramente, legaria parte de Minhas posses ao meu assassino, e nomeá-lo-ia Meu herdeiro. Sim! Conceder-lhe-ia um quinhão, agradecer-lhe-ia, e procuraria refrescar Meus olhos no toque de sua mão. Mas que posso fazer? Nem possessões nem poder possuo, e isso é o que foi por Deus decretado.53
(6)Parece-me sentir, nesse momento, o almíscar das vestes do José de Bahá54; verdadeiramente Ele parece estar ao alcance da mão, ainda que os homens pensem estar Ele muito longe.55 Minh’alma realmente sente o perfume que vem do Bem-Amado. Minha percepção inebria-se com a fragrância de Meu querido companheiro.56
(7)Obedece ao dever dos
longos anos de amor
E dos felizes dias idos relata o ardor,
Para que céu e terra se alegrem de emoção,
E isso possa alegrar olhos,
mente e coração.57
Esse é o reino do pleno conhecimento, da total obliteração de si próprio. Mesmo o amor não serve de senda para esta região, e o anelo não consegue aqui habitar. Por isso foi dito: “O amor é um véu entre o amante e o bem-amado.”58 Aqui o amor se torna um impedimento e uma barreira, e tudo o mais, a não ser Ele, é tão somente uma cortina. O sábio Saná’í escreveu:
(8)Jamais irá o coração cobiçoso
Chegar ao Bem Amado, com certeza.
Jamais poderá a alma amortalhada
Reunir-se com a rosa da beleza.
Pois esse é o reino da Autoridade Absoluta e está isento de todos os atributos da terra.
(9)Os augustos habitantes dessa mansão atuam na corte do êxtase, com ilimitado júbilo e alegria, como Deus e Senhor. Nas altas cortes da justiça, eles emitem seus mandados e concedem dádivas de acordo com o mérito de cada homem. Aqueles que sorvem dessa taça residem nos elevados caramanchões do esplendor, junto ao Trono do Ancião dos Dias, e sentam-se no Firmamento do Poder, dentro do Pavilhão Sublime: “Jamais serão importunados pelo sol ou pelo frio penetrante.”59
(10)Aqui, os altos céus não se encontram em conflito com a terra que está embaixo nem buscam superá-la, pois esta é a região da misericórdia, e não o reino da distinção. Apesar dessas almas ocuparem, a cada instante, um novo posto, ainda assim a condição de todas elas sempre permanece igual. Daí ter sido escrito a respeito desse reino: “Nenhum trabalho O detém de outro.”60 E, em relação a outra condição, é dito: “Em verdade, os métodos dEle diferem a cada dia.”61 Este é o alimento cujo sabor não muda, cuja cor não se altera. Se dele comeres, verdadeiramente entoarás este versículo: “Volvo a face Àquele que criou os Céus e a Terra... Sigo a verdadeira fé e não sou daqueles que somam outros deuses a Deus.”62 “E assim mostramos a Abraão o Reino dos Céus e da Terra, para que Ele fosse firmado no conhecimento.”63 Portanto, coloca tua mão em teu peito e então a estende com poder, e contempla! Tu a verás como uma luz para todo o mundo.64
(11)Quão cristalina essa refrescante água que o Portador da Taça oferece! Quão luminoso esse puro vinho nas mãos do Bem-Amado! Quão saborosa essa porção do Cálice Celestial! Possa ela fazer bem a qualquer um que dela sorva, e experimente sua doçura, e atinja seu conhecimento.
(12)Não é correto que algo mais
eu te venha a relatar,
Pois o leito do regato
não pode conter o mar.65
Pois o mistério desse dito está oculto na mina da Infabilidade e depositado nos tesouros do poder. Está santificado acima das jóias da elucidação; transcende o que a mais refinada das línguas pode relatar.
(13)O assombro é aqui altamente estimado e, completa pobreza, essencial. Daí ter sido dito: “A pobreza é o meu orgulho.”66 E também: “Deus possui um povo, sob o domo da glória, o qual Ele oculta nas vestes de gloriosa pobreza.”67 Esses são os que vêem com os olhos de Deus e ouvem com Seus ouvidos, conforme está escrito na bem conhecida tradição.
(14)A respeito desse reino, existem muitas evidências e sinais no mundo e nos homens, mas duas delas bastarão para servir de luz aos homens que buscam este conhecimento e para conceder alegria aos que anelam.
(15)A primeira é esta Sua declaração: “Ó Meu Servo! Obedece-Me e Eu te farei igual a Mim. Eu digo ‘Sê’ e assim é. E tu dirás ‘Sê’ e assim será.”68
(16)E a segunda é: “Ó Filho de Adão! Não busques a companhia de ninguém até que Me tenhas encontrado. E sempre que anelares por Mim, encontrar-Me-ás perto de ti.”69
(17)Quaisquer que sejam as poderosas provas e maravilhosas alusões aqui relatadas, elas referem-se a uma única Letra, a um único Ponto. “Este tem sido o método de Deus... e nenhuma mudança podes observar no método de Deus.”70
(18)Iniciei esta epístola há algum tempo atrás, em lembrança de ti, e, como tua carta não Me havia chegado ainda naquela ocasião, comecei o texto com algumas palavras de reprimenda. Agora, tua nova missiva dissipou aquele sentimento e faz-Me voltar a escrever. É desnecessário falar do Meu amor por Vossa. Eminência: “Deus é suficiente testemunha!”71 Quanto a sua Eminência, Shaykh Muhammad – que Deus, o Excelso, o abençoe! –, restringir-Me-ei aos dois seguintes versos, que peço sejam-lhe entregues:
(19)Procuro tua proximidade,
Que mais doçuras que o Céu brinda;
Contemplo tua formosa face,
Mais que os jardins do Reino, linda.72
Quando entreguei esta mensagem de amor à Minha pena, ela recusou o fardo e desfaleceu. Então, voltando a si, assim se expressou: “Glória a Ti! A Ti Me volvo em penitência e sou o primeiro daqueles que crêem.”73 Louvado seja Deus, o Senhor dos Mundos!74
(20)Deixemos para outro dia relatar
A dor dessa despedida, e este pesar.
Ou escrevamos ainda de outro jeito
Sobre segredos do amor –
melhor proveito.
Abandona o sangue, o ruído
e tudo o mais,
E de Shams-i-Tabríz75 não fales jamais.76
Que a paz esteja contigo, e com aqueles que te cercam e alcançam teu encontro.77
(21)O que Eu havia escrito até aqui foi sorvido pelas moscas, tão doce era a tinta. Apesar de Sa’dí dizer de outra maneira:
(22)"Abster-me-ei de escrever algo além,
pois minhas doces palavras
fazem as moscas me incomodar.” 78
E, agora, a mão já não consegue escrever, e alega ser isto suficiente. Por esta razão, digo: “Longe esteja a glória de teu Senhor, o Senhor de toda grandeza, daquilo que sobre Ele afirmam.” 79