(Dedico este texto a
todos os Pais, em cujos corações pulsa o sincero amor por seus
filhos)
A QUEM CONTAREI MEUS SONHOS?
Ariovaldo Cavarzan
“Era um Pássaro diferente
de todos os demais – era Encantado”
(Rubem Alves)
Meu filho,
Está
chegando novamente o Dia dos Pais.
Ainda ontem, enquanto o acompanhava
na caminhada que fizemos, notei fios de cabelos brancos em você.
O
tempo é mesmo implacável; nós é que nem percebemos a sua
passagem.
Parece que foi ontem o dia em que nos encontramos, pela
primeira vez, quando você recém-chegava a este mundo, frágil e
desajeitado, como se querendo dizer:
“Papai, eu estou aqui!”
Gostaria de contar-lhe um
sonho que tive na noite passada, com certeza inspirado no lindo texto de
Rubem Alves, intitulado “A Menina e o Pássaro Encantado”, do livro “Cantos
do Pássaro Encantado” (editora Verus), sobre o nascimento, morte e
ressurreição do amor, falando de um pássaro que habitava uma gaiola, cuja
porta era mantida sempre aberta, a fim de que, vez ou outra, ele pudesse
sair em liberdade, voando em busca de novos lugares e novas experiências,
retornando sempre que sentisse saudades, ocasiões em que exibia em suas
penas as cores dos lugares por onde havia passado, fazendo feliz a menina
que o estimava, como seu melhor amigo.
Em meu sonho, um pai
me falava do amor que sentia por um filho que
resolvera viajar a um país distante, e das saudades que estava sentindo,
embora soubesse que estava perto a hora em que deveria
voltar.
O relato pretendia ilustrar
argumentos sobre a certeza de que, um dia, a morte nos fará entristecidos
diante da grande separação, na ante-sala das alegrias de cada novo
reencontro.
Fiquei imaginando como seria
bom se também a você fosse possível, vez ou outra, alçar voos solos, nas
asas da liberdade, para que nós dois pudéssemos experienciar rituais de
partidas e chegadas, a fim de que um dia não viéssemos a ser pegos de
surpresa, na hora do grande adeus.
Realmente, pode-se dizer que
aquele filho se assemelha ao pássaro encantado do conto de Rubem Alves,
eis que sai livremente quando deseja, e sempre sabe a hora em que deve
voltar.
Ao contrário, você, meu
filho, por ter aportado a este mundo com algumas limitações, assemelha-se
mais a um pássaro ferido, confiado por Deus aos meus cuidados e proteção,
sendo-lhe permitido, tão somente, ensaiar breves voos rasantes por entre
as árvores do espaço da escola que frequenta, e de onde é também
aguardado, diariamente, com muito amor e saudade, a cada volta sua à nossa
casa.
Por isso, meu filho, às
vésperas de mais um Dia dos Pais, resolvi contar-lhe esse sonho que tive
na noite passada e do qual me lembrei ao constatar os fios brancos que já
enfeitam os seus cabelos, evidenciando que nós dois estamos
envelhecendo.
Quantos pais, na minha
idade, podem ainda dar-se ao luxo de participar de festas de carinho nas
escolas de seus filhos, mais que quarentões, por ocasião dos dias dos
pais, das mães, em festas juninas e em Natais?
Não faz mal que a sua
formatura não faça parte desse calendário festivo.
A propósito do sonho,
lembrei-me de novamente agradecer a Deus, pela oportunidade de ter você ao
meu lado, como verdadeiro anjo tutelar de toda a nossa família,
ajudando-nos a compreender que somente os desafios da caminhada são
capazes de nos fazer progredir, em aprendizado e espiritualidade,
tornando-nos um pouco melhores, a cada dia.
Afinal de contas, a sua
presença junto de nós só nos tem fortalecido e ajudado, ensinando-nos a
assimilar novos e importantes valores, mercê de um cotidiano exercício de
amor, acolhimento, dedicação, compreensão, renúncia, gratidão, paciência e
esperança.
Desde a hora em que o vi
pela primeira vez, aceitei com humildade a incumbência que Deus me
confiou, de recebê-lo como filho muito querido do meu coração, para amá-lo
e protegê-lo, do jeito que você é, semelhante a um pássaro
ferido.
E também abracei com serena
alegria a rotina de encaminhá-lo, diuturnamente, ao seguro bosque das
árvores de sua escola, para seus ensaios de breves e desajeitados voos, em
busca de liberdade.
E se
algo precisasse pedir a Deus, em mais esse Dia dos Pais, seria no sentido
de não permitir que você parta desta vida antes de mim, ousando sair
sozinho pela porta aberta de sua gaiola, quando chegar a hora da nossa
separação, porque ficarei sem ninguém a quem contar os meus
sonhos.
Mas, caso eu tenha que
seguir viagem antes de você, que eu possa esperá-lo no lugar aonde
conseguir chegar, guardando o coração cheio de saudade e amor, até o
momento de novamente poder abraçá-lo, quando você por lá aparecer, aí sim,
na condição de pássaro encantado, finalmente liberto dos desafios que
juntos aprendemos a enfrentar e vencer, exatamente como Deus sempre
esperou de nós.
E então, novamente juntos,
teremos condições de voar livremente para qualquer parte, até onde o nosso
pensamento ousar chegar, e eu voltarei a ter a quem contar meus sonhos de
coragem, amor, esperança, felicidade e paz.
*Ariovaldo Cavarzan é um
dos fundadores e diretor presidente da Apabex, entidade criada, mantida e
dirigida por antigos funcionários do saudoso Banco do Estado de São Paulo
– Banespa, fundada no dia 15 de agosto de 1985, portanto, há 30
anos!
www.apabex.org.br

Formatação e Arte: Jô
Abreu
Música: Angel of joy -
David Lanz cut