Alessandro Caldonazzo Gomes
1. BREVE HISTÓRICO
Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de 1875 na Suíça, falecendo em 6 de junho de 1961, aos 85 anos.
Nascido e criado na zona rural na aldeia de Kesswil, concluiu seus estudos de medicina aos 25 anos, optando pela psiquiatria. Casou-se com Emma Roauschenbach, com quem teve 5 filhos.
Trabalhou no hospital psiquiátrico de Burgholzli, estudando a fundo a esquizofrenia. Participou do importante experimento científico denominado como o Teste de Associação de Palavras, comprovando a existência dos Complexos Psicológicos, e, conseqüentemente, do Inconsciente.
Em 1907, associou-se a Freud no desenvolvimento da Psicanálise, embora sempre tivesse mantido suas opiniões particulares sobre diversos assuntos, que discordavam em boa parte da teoria freudiana.
Posteriormente, passou por um período de ativação do inconsciente, de intensas experiências interiores, de sonhos e visões impressionantes. Buscou com todas as suas forças decifrar o sentido de tais experiências. A partir dessa vivência pessoal, desenvolve os principais conceitos da Psicologia Analítica, que foram publicados em mais de 18 livros e mais uma grande quantidade de artigos científicos.
"Levei praticamente 45 anos para destilar dentro do recipiente de meu trabalho científico as coisas que experimentei naquele tempo."
Além dos Complexos Psicológicos, Jung desenvolveu os conceitos de Tipos Psicológicos, Arquétipo, Inconsciente Coletivo, Sincronicidade, Transferência e Contratransferência, Processo de Individuação, Interpretação dos Sonhos, Relações da Psicologia Analítica com os Contos de Fadas, Mitologia, Alquimia e Religião, além de um método de psicoterapia analítica.
Não é por menos que a Psicologia Analítica é também denominada de Psicologia Complexa ou Profunda, pois se encontra na vanguarda do pensamento contemporâneo, por sua íntima relação com os achados da física moderna, os anseios de auto-conhecimento e de transcendência do ser humano da atualidade.
2. PRINCIPAIS CONCEITOS
Jung concebe a psique humana formada por duas partes: o consciente e o inconsciente. Ilustrativamente, o inconsciente seria como um vasto oceano, no qual emerge uma pequena ilha – o consciente.
Didaticamente, a estrutura da psique estaria dividida entre:
1- Consciente: tem o ego como centro, sendo responsável pela vontade, direção das atitudes, etc.
2- Inconsciente Pessoal: refere-se às camadas mais superficiais do inconsciente. Nele estão incluídas todas as experiências e acontecimentos ocorridos durante o curso da vida.
3- Inconsciente Coletivo: corresponde às camadas mais profundas do inconsciente. É o substrato comum de toda a humanidade. Compõe-se de conteúdos impessoais, transmitidos por hereditariedade. É a herança acumulada das experiências humanas.
O termo Arquétipo é compreendido como um nódulo de concentração de energia, em estado potencial, que se atualiza na forma de imagem arquetípica. A noção de arquétipo permite compreender porque em lugares e épocas distantes, aparecem temas similares nos contos de fadas, nos mitos, nos ritos e dogmas religiosos, nas artes, na filosofia e nas produções individuais do inconsciente, como, por exemplo, nos sonhos.
A Psique para Jung é como um sistema energético relativamente fechado. Sua energia sempre se mantém constante, variando apenas em sua distribuição. As tensões entre o consciente e o inconsciente produzem o dinamismo necessário para as trocas entre esses dois sistemas. O inconsciente funciona de modo a complementar, corrigir, ampliar e modificar as ações do consciente. Ilustrativamente, a dinâmica entre esses dois sistemas, seria como é concebido o TAO (Yin e Yang).
A Psicologia Analítica dá grande importância ao Símbolo. Ele é uma forma extremamente complexa, que reúne a síntese dos opostos consciente e inconsciente. O símbolo não é apenas racional como é o signo. Jung refere que:
"um símbolo não faz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e eu nenhuma palavra de língua falada poderia exprimir de maneira satisfatória."
Todo ser tende a realizar o que existe nele, em germe, a crescer, a completar-se. Embora o homem tenha o desenvolvimento de suas potencialidades impulsionado por forças instintivas inconscientes, ele é capaz de tomar consciência desse desenvolvimento e de influenciá-lo.
Para Jung, o Processo de Individuação é a busca dos ser humano tornar-se aquilo que ele é. Isso significa que, individuar-se não é o mesmo que tornar-se perfeito, nem individualista, mas tornar-se pleno, consciente de suas potencialidades e limitações. É a busca de contatar com o próprio Self, a essência da natureza humana revelada em cada indivíduo.
BIBLIOGRAFIA
JUNG, Carl Gustav. Obras Completas. Petrópolis: Vozes. 18 v.
SILVEIRA, NISE da. Jung - vida e obra. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 173 p.
3. A ABORDAGEM DA PSICOLOGIA ANALÍTICA SOBRE OS SONHOS
3.1. Introdução
3.1.1. Influências dos sonhos sobre a humanidade
3.1.2. O mecanismo fisiológico do sono - Pesquisas sobre o rem /
Ciclos do sono
3.2. Breve histórico do entendimento dos sonhos
3.2.1. Os egípcios
3.2.2. Os gregos
3.2.3. Os romanos
3.2.4. Sonhos bíblicos
3.2.5. Concepções do Oriente
3.2.6. Crenças tribais
3.2.7. Pensamento moderno
3.3 As concepções de S. Freud sobre os sonhos
3.4. As concepções de C. G. Jung sobre os sonhos
Anexo
3.1. Introdução
3.3.1. Influências dos sonhos sobre a humanidade
Os sonhos nos fascinam. Todos nós sonhamos e quase todos lembramos de pelo menos alguns de nossos sonhos e, em parte, porque os sonhos são tão misteriosos e ao mesmo tempo tão reais e marcantes que devem conter algum significado. Na verdade, a maioria dos sonhos (talvez todos) quer dizer alguma coisa, embora as opiniões sobre seu exato significado sejam muitas.
Não há motivos para pensar sobre sonhos ou trabalhar com eles, a menos que se queira ou se acredite que possam ajudar. Talvez os sonhos desempenhem sua função independentemente do nosso esforço para compreendê-los. Por outro lado, os sonhos parecem somente ter significado para quem sonhou, mas deve-se lembrar que no teatro dos sonhos o indivíduo que sonha é a única pessoa da platéia. Assim, o tema de um sonho pode ser, e geralmente é, de significado profundo para o sonhador.
Os sonhos foram e ainda são fontes de inspiração e criatividade. Por exemplo:
Ø o poema Kubla Khan foi sonhado pelo poeta Samuel Taylor Coleridge;
Ø o romancista Graham Greene utilizava sonhos com efeito prático na elaboração de seus livros;
Ø o compositor Stravinsky sonhou com um octeto;
Ø o psicólogo Otto Loewi atribuiu seu Prêmio Nobel a um sonho;
Ø o cantor Paul MacCartney sonhou com a melodia de Yesterday;
Ø o químico F. A. Kekulé sonhou com a estrutura em anel da molécula de benzeno
Ø os sonhos têm algo da qualidade de grande parte da arte do século 20: nos quadros de Dali, Picasso e outros pintores surrealistas e abstratos, na poesia de Ezra Pound e T.S. Elliot, nos romances de Gabriel Garcia Marques, e no cinema em geral.
3.3.2. O mecanismo fisiológico do sono
PESQUISAS SOBRE O REM
A compreensão moderna da natureza do sono começou há pouco mais de 50 anos. Em 1952, um pesquisador observou que, em certos momentos do período de sono, os olhos se movem sob as pálpebras fechadas, como se estivessem vendo figuras em movimento. Esses movimentos forma denominados "movimentos rápidos dos olhos" - REM (Rapid Eye Moviments). Durante o sono REM, ocorre aumento da temperatura e do fluxo sangüíneo no cérebro, surgem padrões específicos de ondas cerebrais no EEG (Eletroencefalograma).
A pessoa despertada na fase REM geralmente lembrava dos sonhos. Mas apenas 6% das despertadas em fases não-REM diziam estar sonhando, sugerindo que, nessa fase, as pessoas estariam inconscientes e em repouso total.
Os cientistas identificaram 4 estágios de sono:
1o - é a transição da vigília ao sono real;
2o - descrito como sono normal;
3o – ocorre a transição ou mergulho para o sono profundo;
4o – o sono profundo.
Quando adormecemos, mergulhamos rapidamente no estágio quatro não-REM, e cerca de 1 hora depois, entramos numa fase de sono REM por aproximadamente 10 minutos, quando sonhamos; em seguida passamos por 4 níveis de sono não-REM. O ciclo dura em torno de 80 a 90 minutos. Durante 4 ciclos que se repetem numa mesma noite de sono, a fase REM aumentará aos poucos e, logo antes do despertar pela manhã, poderá estender-se por cerca de 1 hora. Assim, das 8 horas de sono, 6 serão do sono tipo não-REM, e 2 serão da fase REM.
Menos da metade das pessoas desperta do sono não-REM, e são essas pessoas que dizem nunca sonhar. Alguns psicólogos sugerem que isso seria uma forma de despertar inconsciente para reprimir o que lhes dizem os sonhos.
3.2. BREVE HISTÓRICO DO ENTENDIMENTO DOS SONHOS
3.2.1. Os egípcios
Originalmente, acreditava-se que os sonhos fossem mensagens dos deuses ou comunicações sobrenaturais de algum tipo.
Durante a 12a dinastia (cerca de 1991 –1786 a.C.), os egípcios tentaram interpretar seus sonhos, pois escreveram um livro apresentando algumas das conclusões a que chegaram sobre seus símbolos.
Foi no Egito que o processo de incubação do sonho se iniciou – um indivíduo emocionalmente desequilibrado ou que desejasse pedir ajuda aos deuses era colocado para dormir em um templo e o sacerdote (ou o Mestre das Coisas Secretas) interpretava seus sonhos.
3.2.2. Os gregos
Já encaravam os sonhos com seriedade, como mensagens divinas, pois já no século 9 a.C., na Ilíada de Homero, Agamenon recebe instruções do mensageiro de Zeus em sonho.
Os doentes visitavam os templos de Asclépios, para realizar rituais religiosos, em que dormiam e esperavam que um sonho lhes prometesse a recuperação da saúde.
O primeiro passo para a interpretação moderna de sonhos foi dado no séc. 5 a.C., pelo filósofo grego Heráclito. Este sugeriu que o mundo de sonhos de um indivíduo era peculiar ao próprio indivíduo, não sendo necessariamente resultado de influências externas, inclusive dos deuses.
Aristóteles salienta que "a maior arte dos sonhos proféticos deve ser classificada como mera coincidência, principalmente por ser extravagante". Ele também afirma que "o mais hábil intérprete de sonhos é aquele que tem a propriedade de absorver semelhanças. Refiro-me ao fato de que representações em sonhos são análogas às formas refletidas na água". Ele sugeriu que os sonhos são fragmentos de lembranças dos fatos do dia.
Aristóteles propôs a teoria de que sonhos são reflexos do estado do corpo, podendo ser utilizados pelos médicos para diagnosticar (o que foi apoiado por Hipócrates e Galeno).
Galeno registrou um sonho em que um homem tinha sua coxa esquerda transformada em mármore. Pouco tempo depois, esse homem perdeu o movimento da perna esquerda como resultado de uma paralisia. Um lutador sonhava estar reverenciando a coroa ensangüentada de sua cabeça; Galeno deduziu que "necessitava de uma ampla sangria e, por meio dela, a inflamação da qual tratava foi curada".
3.2.3. Os romanos
Elaboraram o livro Oneirocriticon – A interpretação dos Sonhos, de autoria do romano Artemidoro. Este argumenta que os sonhos são próprios de quem sonha: a profissão da pessoa, seu status social e saúde afetariam os símbolos do sonho.
3.2.4. Sonhos bíblicos
Com o conceito de sonhos como eventos sobrenaturais, o Antigo Testamento está repleto de sonhos proféticos e religiosos. Exemplos:
Ø sonho de Jacó, em que uma escada unia a Terra e o Céu (Gen. 28,10-19);
Ø sonhos do Faraó interpretados por José do Egito (Gen. 41, 16-36);
Ø sonho de Nabudonosor, rei da Babilônia, interpretado por Daniel (Dan 2, 31);
Ø sonhos de José, pai de Jesus (Mt 2,13 ;19; 22).
São João Crisóstomo (347-407 d.C.) pregou que Deus revela-se através dos sonhos e que não somos responsáveis por nossos sonhos e, portanto, não devemos nos envergonhar pelas imagens que possam conter.
No séc. XIII, a Igreja Católica sustentou que os sonhos eram, na maioria das vezes, trabalho do demônio, já que ela era a única intérprete da palavra de Deus e, portanto, revelações feitas a indivíduos em sonhos só poderiam ser diabólicas. O alemão Martinho Lutero (1484-1546) era desta opinião: o pecado, dizia ele, é "o aliado e pai de sonhos sujos".
O profeta muçulmano Maomé (570-632 d.C.) recebeu grande parte do texto do Corão em um sonho e interpretava os sonhos de seus discípulos.
3.2.5. Concepções do Oriente
Na Pérsia, os Zoroastristas entendiam que um sonho somente poderia ser interpretado de acordo com o dia em que ocorresse.
O Árabe Gabdorrhachaman (720 d.C.) considerava que os sonhos proféticos poderiam ser interpretados por quem tivesse um "um espírito limpo, moral virtuosa e a Palavra da Verdade".
3.2.6. Crenças tribais
Um missionário jesuíta do séc. XVII queixava-se de que os índios iroqueses norte-americanos não faziam qualquer distinção entre o sonho e a realidade e, se aparentemente o sonho sugerisse uma instrução, eles imediatamente obedeciam.
Na Indonésia, sonho e realidade também se aproximam; ex.: em Bornéu, um homem que sonhar que sua mulher cometeu adultério passará a agir como se isso realmente tivesse acontecido. Já uma mulher sonhada por um homem da península de Kamchatka, na Rússia, que tenha com ele relação sexual, fica obrigada a transformar esse sonho em realidade.
Conta-se que um índio paraguaio sonhou que um missionário o assassinara. Ao despertar, saiu para matar seu suposto assassino.
O povo Innuit, do Canadá, e o povo Patani, da Malásia, acreditam que a alma deixa o corpo durante o sono. Despertar alguém que esteja dormindo seria colocá-lo em risco de perder sua alma.
Um aborígene australiano da tribo Yir Yoron só terá um sonho erótico com uma mulher com a qual a tribo permita que se case. Se começar a sonhar com uma mulher inaceitável, algo deverá acontecer no sonho para interromper o prazer.
3.2.7. Pensamento moderno
A interpretação moderna dos sonhos começou com o médico francês Alfred Maury, que estudou mais de 3.000 sonhos.
Ele achava que os sonhos decorriam de estímulos externos. Usou o próprio sonho como exemplo: ele estava doente na cama, com a mãe do seu lado. Sonhou com o reinado de terror da Revolução Francesa e que fora condenado à guilhotina. Quando a lâmina da guilhotina desceu, ele acordou e notou que a parte superior da cama despencara, atingindo o alto de sua coluna vertebral no momento em que a guilhotina o teria atingido.
Os filósofos alemães Johann Fichte (1762-1814) e Friedrich Schelling (1775-1854) já suspeitavam que os sonhos revelam temores e desejos inconscientes
Obra: A interpretação dos Sonhos – (os livros IV e V de sua Obra Completa).
Freud faz um comentário enfático:
"A interpretação dos sonhos é, de fato, a estrada real para um conhecimento do Inconsciente (...) se me perguntassem como alguém pode se tornar um psicanalista, responderia: estudando os próprios sonhos." CW XI, p. 33
Os sonhos (todos) são uma forma distorcida de realização de desejos reprimidos.
Os sonhos possuem um conteúdo manifesto e um conteúdo latente. Essa distorção entre os dois conteúdos é o trabalho das forças de defesa do ego, as resistências.
A Associação Livre é o método de se chegar ao conteúdo dos sonhos.
O sonho realiza um "elaboração onírica", através dos mecanismos de defesa:
1- Condensação: uma idéia ou lembrança pode representar muitíssimas associações.
2- Deslocamento: processo em que a carga emocional é separada de seu objeto ou conteúdo real e incorporada em um objeto completamente diferente.
3- Dramatização: a maior parte dos sonhos são claramente de imagens visuais vívidas.
4- Simbolização: é um tipo de distorção, mas com um encadeamento semelhante ao conteúdo latente. "A interpretação baseada no conhecimento de símbolosnão é uma técnica que possa substituir ou competir com a associativa. Constitui um suplemento para a última."
5- Elaboração secundária: é simplesmente o resultado da tendência natural de quem sonha, de dar algum tipo de sentido, para si mesmo, de sua recordação do sonho.
A censura simplesmente derrota a soma de impulsos que prevalecem na consciência do indivíduo, na medida em que os ditos impulsos exercem uma função inibitória sobre impulsos a eles opostos, que os rechaçam de volta para o inconsciente.
A vida e a obra (teórica e clínica) de Jung foram substancialmente dirigidas e influenciadas por sonhos.
Memórias, Sonhos e Reflexões; Psicologia e alquimia CW XII; Ab-reação, Análise dos Sonhos e Transferência CW XVI/2; Homem e seus símbolos.
Jung não tem um livro sobre interpretação dos sonhos, mas encontramos sonhos por toda a sua obra.
3.4.1. Noções básicas sobre a Psicologia Analítica
Para se entender os sonhos à luz da Psicologia Analítica é fundamental o conhecimento de alguns dos conceitos básicos desta teoria, tais como: Arquétipos, os arquétipos fundamentais (ego, sombra, persona, anima/animus, Self, herói, criança, velho sábio, etc.), inconsciente coletivo, a dinâmica consciente e inconsciente, a função do símbolo, os complexos, além de outros.
Sonhos como compensação:
1) pode compensar distorções temporárias na estrutura do ego, dirigindo o indivíduo a um entendimento mais abrangente das atitudes e ações. Ex.: indivíduo está furioso com alguém e sonha que investe contra essa pessoa (dissipação da raiva).
2) o sonho como auto-representação da psique pode colocar a estrutura do ego em funcionamento face a face com o próprio processo de individuação. Ex.: um indivíduo que está prestes a iniciar novo desafio profissional sonha que vence uma partida de futebol, sendo o herói do jogo.
3) o sonho pode ser visto como uma tentativa para alterar diretamente a estrutura de complexos sobre os quais o ego arquetípico se apóia, para a identidade em níveis mais conscientes. Ex.: o ego onírico é desfiado com várias tarefas, cuja realização poderá alterar a estrutura do ego vígil.
3.4.2. Fontes da Imagens Oníricas
1) Fatores somáticos: postura do indivíduo, sono, indigestão, dor febre, etc.;
2) Estímulos físicos: ruído, luz, calor, frio;
3) O ambiente do Indivíduo: a vida cotidiana. É talvez a maior fonte dos sonhos;
4) Produto da ansiedade: os estímulos suscitam emoções antes de dormir e aparecem nos sonhos de forma distorcida;
5) Percepções subliminares;
6) Recordações de experiências passadas: reminiscências, recordações, fatos traumáticos;
7) Inconsciente coletivo: proporciona conteúdos específicos que vão além da história da pessoa do sonhador e nunca foram conscientes;
3.4.3. Imagens dos sonhos
Compõem-se em grande medida de imagens não verbais.
Metáfora: idéias abstratas se expressam mediante imagens concretas; ex. atravessar uma ponte pode significar transição.
3.4.4. Recomendações de Jung sobre a análise dos sonhos
As imagens oníricas são os produtos naturais da psique.
1) O sonho é o modo específico do inconsciente se comunicar com a consciência.
2) Não há fachadas por trás do sonho - a "fachada" é o sonho, a essência.
3) O objetivo da análise do sonho não é um exercício intelectual, mas descoberta e conscientização de conteúdos inconscientes.
4) Para compreender o sentido do sonho é preciso se ater fielmente à imagem onírica - associações livres não chegam ao conteúdo do sonho. Se o paciente empaca numa imagem é porque está cercado de uma zona obscura, e o divagar só iria afastar mais do sentido. Então, volta-se à imagem e pede-se para o paciente descrevê-la com todos os detalhes e dizer tudo o que sabe a respeito. Aí sim, pode-se arriscar uma interpretação.
5) A análise do sonho é considerada de grande interesse para a explicação ou tratamento de uma neurose.
6) Os sonhos de começo de análise trazem luz; muitas vezes, trazem o fator etiológico essencial.
7) O sonho retrata a situação interna do sonhador, cuja verdade e realidade reluta em aceitar.
8) O sonho é utilizável no diagnóstico e prognóstico.
9) Se os sonhos não perdem a clareza inicial do começo da análise, é sinal que a análise ainda não chegou em uma parte essencial do inconsciente.
10) Os sonhos tornam-se confusos. Não que os sonhos tenham se complicado, mas há falta de um entendimento mais profundo do analista.
11) A compreensão do sonho deve ser por consenso (médico e paciente), nunca unilateral. O paciente não deve ser instruído acerca de uma verdade - ele tem de evoluir para essa verdade.
12) Cada sonho deve ser considerado como uma novidade, como uma informação de natureza desconhecida, e tanto o médico como o paciente têm a aprender.
13) Cada sonho pede e precisa de uma teoria nova.
14) Toda interpretação é uma hipótese. Ela só adquire segurança após uma série de sonhos, em que os sonhos posteriores vão confirmando as incorreções cometidas nas interpretações anteriores.
15) É na série de sonhos que os conteúdos e motivos inconscientes tornam-se mais claros.
16) A expectativa de que um sonho tenha sentido é teórica. Nem sempre pode-se prová-lo estritamente, mas é necessário basear-se em alguma hipótese para iniciar pesquisa.
17) Há sonhos que exprimem verdades implacáveis, sentenças filosóficas, ilusões, fantasias desenfreadas, recordações, planos, antecipações, visões telepáticas, experiências irracionais e mais.
18) Todo sonho tem algo essencial a acrescentar à consciência.
19) O sonho obscuro deve-se-lhe compor o contexto, focalizando aqueles elos associativos objetivamente agrupados em torno de uma imagem onírica.
20) Muitos pacientes tem que ser "educados" no trabalho com sonhos, para não quererem interpretar imediatamente.
21) Orientar os pacientes para que anotem os sonhos e interpretações. Trazer à sessão por escrito.
22) Quando se interpreta um sonho clinicamente, pergunta-se: que atitude consciente é compensada pelo sonho?
23) Deve-se aceitar o conteúdo do sonho como uma realidade.
24) Um sonho só poderá ser interpretado com segurança se houver conhecimento da situação consciente.
25) Pergunta-se: para que e não porque o indivíduo teria tal sonho.
26) Na assimilação dos conteúdos do sonho, não se deve ferir os valores verdadeiros da personalidade (valores, convicções religiosas e morais).
27) Importante tratar o símbolo como se ele não fosse fixo, renunciando o que se sabe dele anteriormente.
3.4.5. Método de análise dos sonhos:
1) associações pessoais do sonhador
2) associações culturais (sonhador e analista)
3) amplificações arquetípicas (analista)
4) interpretação (sonhador e analista)
Alguns analistas trabalham melhor com o relato apenas oral dos sonhos; outros pedem aos analisandos quem apresentem os sonhos por escrito.
3.4.6. Passos para interpretação de um sonho:
1) enunciar o texto do sonho em termos de estrutura (1o exposição; 2o desenvolvimento, 3o ápice, 4o conclusão);
2) estabelecer o contexto do sonho, a situação atual do sonhador:
2.1- associações pessoais;
2.2- ambiente do sonhador;
2.3- paralelos arquetípicos;
2.4- a situação consciente do sonhador, imediata ou a longo prazo;
2.5- caracterizar as imagens em objetivas e subjetivas (evitar o reducionismo teórico ou arquetípico / tratar imagens de forma subjetiva);
2.6- considerar a função compensatória:
a- identificar o problema ou o complexo ao qual se refere o sonho;
b- avaliar a correspondência da situação consciente do sonhador;
c- considerar as imagens na evolução psicológica que requerem caracterização redutiva ou construtiva;
d- o sonho pode resultar de forma compensatória ou oposta, modificar ou confundir a situação consciente do sujeito;
e- pode ocorrer sonho antecipatório, traumático, telepático ou profético;
f- verificar e reverificar a interpretação.
BIBLIOGRAFIA
BÍBLIA Sagrada. São Paulo: Editora Ave Maria.
HALL, James. Jung e a interpretação dos sonhos. São Paulo: Cultrix.
JUNG, C.G. A aplicação prática da análise dos sonhos. In:
________. Ab-reação, Análise dos sonhos, Transferência. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. cap. II.
_______. Psicologia e Alquimia. CW XII. Petrópolis: Vozes.
_______. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
MATTON, Mary Ann. El analisis junguiano de los sueños. Ed. Paidós.
PARKER, Júlia & PARKER, Derek. O livro ilustrado dos sonhos. São Paulo: Publifolha.
STAFFORD-CLARK, David. O que Freud realmente disse. Porto Alegre: Globo.
ANEXO
SONHOS
Sonho de Jacó, em que uma escada unia a Terra e o Céu (Gen. 28,10-19):
"Jacó, partindo de Bersabéia, tomou o caminho de Harã. Chegou a um lugar, e ali passou a noite, porque o sol já se tinha posto. Serviu-se como travesseiro de uma das pedras que ali se encontravam, e dormiu naquele mesmo lugar. E teve um sonho: Via uma escada que, apoiando-se na terra, tocava com o cimo o céu; e anjos de Deus subiam e desciam pela escada. No alto estava o Senhor, que lhe dizia: Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai e o Deus de Isaac; darei a ti e à tua descendência a terra em que estás deitado. Tua posteridade será tão numerosa como os grãos de poeira no solo; tu te estenderás para o ocidente e para o oriente, para o norte e para o meio-dia, e todas as famílias da terra serão benditas em ti e em tua posteridade. Estou contigo, para te guardar onde quer que fores, e te reconduzirei a esta terra, e não te abandonarei sem ter cumprido o que te prometi."
Sonhos do Faraó interpretados por José do Egito (Gen. 41, 17-24):
"Em meu sonho, eu estava à margem do Nilo, e eis que do Nilo saíram sete vacas gordas e belas, que se puseram a pastar a verdura. E saíram sete vacas magras, feias e disformes, como jamais vi em todo o Egito. As vacas magras e feias devoraram as sete primeiras, as gordas, que entraram em seu ventre como se nada fossem, pois ficaram tão macilentas e feias como antes. Nesta altura despertei. E tive outro sonho: vi elevar-se duma mesma haste sete espigas cheias e belas. Mas eis que sete outras espigas medíocres, finas minaram em seguida; e as espigas magras engoliram as sete belas espigas."
Sonho de Nabudonosor, rei da Babilônia interpretado por Daniel (Dan 2, 31-35):
"Contemplavas, e eis que uma grande, uma enorme estátua erguia-se diante de ti; era de um magnífico esplendor, mas de aspecto aterrador. Sua cabeça era de fino ouro. Seu peito e braços de prata, seu ventre e quadris de bronze, suas pernas de ferro, seus pés, metade de ferro e metade de barro. Contemplavas essa estátua quando uma pedra se deslocou da montanha sem intervenção de mão alguma, veio bater nos pés, que eram de ferro e barro, e os triturou. Então o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, foram com a mesma pancada reduzidos a migalha, e, como a palha que voa da eira durante o verão, foram levados pelo vento sem deixar traço algum, enquanto que a pedra que havia batido na estátua, tornou-se uma alta montanha ocupando toda a região."
Sonhos de José, pai de Jesus (Mt 2,13; 19-22):
1- "Um anjo apareceu em sonhos a José e disse: Levanta-te, toma o menino e a sua mãe e foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar."
2- "Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos à José, no Egito, e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino. [ José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ao ouvir, porém, que Arquelau reinava na Judéia, em lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá]. Avisado divinamente em sonhos, retirou-se para a província da Galiléia."
Sonho arquetípico (Hall, p. 96) :
"Vi uma refulgente carapaça de tartaruga na praia. Havia perto um ovo de pássaro e também ele era brilhante como a carapaça da tartaruga. Uma voz desencarnada falou: 'Parece um ovo, mas, se colocares em tua mão, serão dois ovos.' A voz sova em tom peremptório, como se fosse um deus falando. Apanhei o ovo, que misteriosamente eram dois ovos. A voz disse que ambos chocariam, e que haveria um pássaro-mãe e um filhote, e que este encontraria seu caminho para a mãe. Então vi o filhote caminhando aos tropeções na praia na direção da mãe."
[A sonhadora tinha profunda dificuldade com a imagem da mãe. O efeito do sonho propiciou-lhe melhor relacionamento com sua mãe pessoal e com o seu próprio papel de mãe.]
Sonho do touro negro (Publifolha, p. 56):
"Eu caminhava por uma trilha plana, ladeada por pequenas flores coloridas. No início a sensação era muito agradável, mas a trilha foi aos poucos se modificando: o solo tornou-se lamacento e eu pisava nas flores. Mesmo as que estavam à beira da trilha murchavam e morriam.
A dificuldade para andar aumentava, pois o solo se tornava cada vez mais lamacento e escorregadio; mas havia à frente uma linda coluna de luz que me encorajava a prosseguir. Continuei andando aos tropeços, sentindo meus pés cada vez mais pesados, na medida em que a lama se prendia aos sapatos. Aos poucos, a coluna de luz começou a enfraquecer e mudar de forma: transformou-se em enorme touro negro, que corria em minha direção.
Embora o touro fosse grande, não me assustei e, quando se aproximou de mim, começou a me acariciar. Vi, então, que eu levava uma cesta de frutas e passei a alimentar o touro com elas. No início ele as comeu, mas depois elas se tornaram amargas. O touro cuspiu uma delas em mim e se foi. Comecei a correr atrás dele e sabia que estava me tornando mais jovem. Embora isso significasse que eu corria ainda mais depressa, não consegui alcançá-lo; a distância era cada vez maior.
De repente, um muro apareceu à minha frente, impedindo que o visse. Eu corria muito e não consegui parar; bati no muro. Apesar de ele ser feito de tijolos, transformou-se numa pilha de almofadas."
[Mulher, executiva bem sucedida, que estava com dificuldades no relacionamento com seu namorado.]
Sonho do poço (Publifolha, p. 104):
"Eu olhava, fascinado, para dentro de um poço. Sentia medo, mas sabia que devia mergulhar nas águas profundas e transparentes. Eu me despi, deixei minhas roupas no chão e pulei dentro dele. Era levado por um desejo de nadar para o fundo. Mas o que pensei tratar-se apenas de águas escuras e profundas, era, na verdade, uma substância espessa e pegajosa, como melaço ou xarope escuro, que não conseguia penetrar.
Por fim, consegui mergulhar e com bastante dificuldade fui nadando, cada vez mais para o fundo. O que antes era um poço de paredes verticais tornou-se um túnel horizontal. Logo depois senti que meus pés tocavam o chão, embora ainda tivesse que abrir caminho pelo líquido pegajoso. Aos poucos o líquido foi se tornando mais raso e menos pegajoso, até que saí do túnel e me vi numa enorme caverna subterrânea, com estalactites pendendo do teto. Toquei numa delas e ela se desfez. Vi, então, estalagmites que saíam do chão, alimentados por gotas de água e de sangue que caíam do teto. Ao tocá-las, senti-as sólidas. Notei que havia três portas nas paredes curvas da caverna. Acima de cada porta havia a cabeça de um cão. Uma voz ordenou: 'Abra as portas'. Primeiro, abri a porta com a cabeça do cão voltada para a esquerda e vi uma criança chorando. Não quis me envolver com ela. Abri a porta na qual a cabeça do cão estava voltada para a direita. Nela havia um céu azul que me ofuscou; fiquei assustado e fechei a porta rapidamente, mas ainda podia ver a luz passando pelas frestas. Fui para a porta do meio – a que tinha a cabeça do cão voltada para a frente – e ao abrí-la vi um amplo espaço. Passei pela porta. Num canto havia uma pilha de tijolos. A voz disse: 'Construa uma casa.' Respondi que não sabia como fazer. 'Sabe sim!', foi a resposta que ouvi.
Preparei um pouco de cimento, mas ele derretia como sorvete. 'Ponha nozes', disse a voz. Tentei outra vez e aparentemente deu certo. Estava com fome e então comi um pouco desse sorvete granuloso e fiquei satisfeito. Surgiu então uma mulher trazendo um pequeno telhado pré-fabricado. 'Não vai caber', gritei. 'Depende de você fazer com que caiba', ela respondeu. Então acordei."
[Rapaz que se sentia apreensivo, mas interessado em submeter-se à análise.]
Sonhos iniciais na análise (Jung, CW XVI/2, § 307):
1- "Tinha que atravessar a fronteira do país; não encontro essa fronteira em parte alguma, e ninguém é capaz de me dizer onde fica."
2- Tinha que atravessar a fronteira, a noite está escura e não consigo encontrar a alfândega. Depois de procurar por muito tempo, descubro uma luzinha à grande distância e presumo que a fronteira é ali. Mas para chegar até lá, tenho que atravessar um vale e uma floresta muito escura. Nisso, perco o meu rumo. Percebo então a presença de alguém. Esta pessoa me agarra, de repente, feito doida. Acordo amedrontada."
3- "Tenho que atravessar uma fronteira. Aliás, já me encontro do outro lado dentro do edifício da alfândega suíça. Estou apenas com uma bolsa e acredito que nada tenho a pagar. Acontece que o funcionário da alfândega mete sua mão dentro da minha bolsa e, para espanto meu, tira de dentro dois colchões."
[Paciente de Jung, que havia se casado recentemente e tinha restrições antigas ao casamento.]
Sonho alquímico de um paciente de Jung (Jung, CW XII, § 183):
"Um espaço quadrado. Neste, são celebradas cerimônias complexas, cuja finalidade é a de transformar animais em seres humanos. Duas serpentes, movimentando-se em direções opostas, devem ser imediatamente afastadas. Há animais, como por exemplo, raposa e cães. Anda-se de novo em torno do quadrado e deve-se permitir que os animais mordam a barriga da perna dos participantes cada vez que passam pelos quatro cantos do quadrado. Quem fugir estará perdido. Aparecem então animais mais nobres: touros e bodes. Quatro serpentes dirigem-se para os quatro cantos. Depois, a assembléia sai. Dois oficiantes do sacrifício trazem um réptil enorme e com ele tocam a fronte de uma massa animal ou vital ainda informe. Imediatamente surge uma cabeça humana transfigurada. Soa uma voz: 'Eis as tentativas do vir a ser'."
"Eu estava numa casa desconhecida, de dois andares. Era a minha casa. Estava no segundo andar, onde havia uma espécie de sala de estar, com belos móveis de estilo rococó. As paredes eram ornadas de quadros valiosos. Surpreso de que essa casa fosse minha, pensava: 'Nada mau!' De repente, lembrei-me de que ainda não sabia qual era o aspecto do andar inferior. Desci a escada e cheguei ao andar térreo. Ali, tudo era mais antigo. Essa parte da casa datava do século XV ou XVI. A instalação era medieval e o ladrilho vermelho. Tudo estava mergulhado na penumbra. Eu passeava pelos quartos, dizendo: 'Quero explorar a casa inteira!' Cheguei diante de uma porta pesada e a abri. Deparei com uma escada de pedra que conduzia à adega. Descendo-a, cheguei a uma sala muito antiga, cujo teto era em abóbada. Examinando as paredes, descobri que entre as pedras comuns de que eram feitas, havia camadas de tijolos e pedaços de tijolo na argamassa. Reconheci que essas paredes datavam da época romana. Meu interesse chegara ao máximo. Examinei também o piso recoberto de lajes. Numa delas, descobri uma argola. Puxei-a. A laje deslocou-se e sob ela vi outra escada de degraus estreitos de pedra, que desci, chegando enfim a uma gruta baixa e rochosa. Na poeira espessa que recobria o solo havia ossadas, restos de vasos, e vestígios de uma civilização primitiva. Descobri dois crânios humanos, provavelmente muito velhos, já meio desintegrados." (Jung – MSR, p. 143)