Bom Dia pessoal.
Senhores, compartilho com vocês passagens que reputo interessantes do treinamento na AMANA-KEY.
André
Sobre simplicidade e sabedoria
Os jovens e os adultos pouco sabem sobre o sentido da simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seus olhos estão fascinados por dez mil coisas. Querem todas, mas nenhuma lhes dá descanso. Estão sempre prontos a novamente voar. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, em sua cabeça, a multiplicidade é um espaço de liberdade. Com os adultos acontece o contrário. Para eles, a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou, uma arapuca na qual caíram. Eles a odeiam, mas não sabem como se libertar. Se, para os jovens, a multiplicidade tem o nome de liberdade, para os adultos, a multiplicidade tem o nome de dever. Os adultos são pássaros presos nas gaiolas do dever. A cada manhã dez mil coisas os aguardam com as suas ordens. [...]
No crepúsculo, quando a noite se aproxima, o vôo dos pássaros fica diferente. Em nada se parece com o seu vôo pela manhã. Já observaram o vôo das pombas ao fim do dia? Elas voam numa única direção. Voltam para casa, ninho. As aves do crepúsculo são simples. Simplicidade é isso: quando o coração busca uma coisa só. [...]
Na multiplicidade nos perdemos, ignoramos o nosso desejo. Movemo-nos fascinados pela sedução das dez mil coisas. Acontece que, como diz o segundo poema do Tao-Te-Ching “as dez mil coisas aparecem e desaparecem sem cessar”. O caminho da multiplicidade é um caminho sem descanso. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. [...]
O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Adverte o escritor sagrado: “Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne” (Eclesiastes 12.12). Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não há saber diante do qual o coração possa dizer: “Cheguei, finalmente, ao lar”. Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos, eles mesmos, nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à multiplicidade. A casa pertence à simplicidade: uma única coisa.
Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma coisa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa” [...]
Sabedoria é a arte de degustar. Sobre a sabedoria Nietzsche diz o seguinte: “A palavra grega que designa o sábio se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphus, o homem do gosto mais apurado.” A sabedoria é assim, a arte de degustar, distinguir, discernir. O homem dos saberes, diante da multiplicidade, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço. Mas o sábio está à procura das coisas dignas de serem conhecidas. [...]
A sabedoria é a arte de reconhecer e degustar a alegria. Nascemos para a alegria. [...]
Rubem Alves, em “Concerto para corpo e alma”