A responsabilidade do autor
“Está tudo na palavra. A lucidez traz um dom e um castigo. Lúcido vem de Lúcifer, o arcanjo rebelde, mas é também é o luzeiro do amanhecer, a primeira estrela, a que mais brilha e a última a se apagar. Lux e Ferous, Deus e Demônio, o prazer e a dor. O silêncio da compreensão.” (Pizarnic,A.)
Um artigo e publicado na Internet sobre citações bibliográficas se enganou em seus resultados, pois ao empregar dados secundários utilizou-os mal tomando a parte pelo todo. Não conseguiu determinar com coerência ou exatidão o seu “corpus da pesquisa” que chamado de “recorte” ou o retalho é da mais alta pertinência para um autor credenciar seu estudo ou sua obra.
É sempre um problema conhecer o que o “corpus da sua pesquisa”, que não é um simples corte de um todo mas, o recorte arbitrário de elementos que o pesquisador define para aplicar sobre eles uma metodologia e atingir o seu objetivo. Logo, a construção do corpus é uma escolha do pesquisador, que deve ser explanada e justificada no bom trabalho. Barthes define corpus como “uma coleção finita de dados determinada de antemão pelo analista”. Este recorte está dentro de uma população ou niverso de dados: o conjunto de todos os elementos que possuem uma ou mais características em comum.
Após ter circunscrito o seu campo de análise o pesquisador tem três possibilidades: ou recolhe dados e faz incidir as suas análises sobre a totalidade da população coberta por esse campo; ou a limita a uma amostra representativa desta população; ou estuda apenas alguns componentes típicos, ainda que não estritamente representativas, dessa população, como um todo. A escolha é, na realidade, uma opção do investigador visto que na maior parte das vezes está em conjunção com os objetivos da investigação.
O artigo, em questão, se enganou ao fazer um recorte nos dados utilizados, pois não definiu adequadamente nem o corpus nem o universo de sua pesquisa de forma adequada. Ao fazer um recorte, que é uma fratura do universo, o pesquisador tem de avaliar e contornar todas as variáveis que incidem sobre aquele retalho para ser correto e lógico. O recorte quando feito sobre um universo de citações de artigos de determinada área, por exemplo, deve apreciar aspectos fundamentais do tema em questão. Um dos aspectos no tema citações é o fator de impacto, também chamado fator h, referente a configuração do pesquisador com suas citações.
Este fator de impacto das citações, ou h-index em inglês, é indispensável para quantificar a produtividade e o impacto de um cientista quando trabalhando com os seus artigos citados. Em outas palavras, o índice h o indica o número de artigos escrito pelo pesquisador que possuem uma determinada quantidade de citações. Um pesquisador com o índice pequeno, por exemplo, h = 5 , indica que ele tem 5 artigos que receberam pelo menos 5 citações; com um com índice h = 15 ele tem 15 artigos com 15 citações; e assim por diante. O fator de impacto de um pesquisador em relação a sua produção científica modifica a conjuntura das citações e dos estudo relacionados. O índice já é requerido pelo Currículo Lattes.
Um “recorte” em um estudo sobre citações, sem levar em conta o “fator de impacto” do pesquisador pode levar a uma sequela de interpretação; pode-se ter um artigo muito citado , mas que o pesquisador só tenha escrito este artigo em toda sua carreira. O que não o torna um pesquisador produtivo, mas um pesquisador de um único bom artigo. Tem seu lugar ponderado nas condições da comunicação cientifica mais não pode ser nunca indicado como o autor mais citado da sua área. Vale lembrar que tanto o número das citações como o fator de impacto está disponível, facilmente, para o acesso de todos através do Google Acadêmico e de outras bases credenciadas de contagem de citações.
O que torna um indivíduo um autor é um conjunto de condições capazes de aproximar seus discursos e estabelecer elos pertinentes com o pertencimento de sua escrita. Por isso, Foucault diz que as condições de identificação da autoria — literária, científica ou filosófica– constitui uma espécie de foco de expressão de uma “obra” com seu autor. A função de autor não se constitui de forma universal em todos os discursos. Mas, o autor é julgado o pai e proprietário de sua obra; e a ciência literária aprende, pois a respeitar o manuscrito e as intenções declaradas do autor e a sociedade postula uma relação verdadeira do autor com a sua obra. Isso deve ser respeitado em estudos e contagens sobre os autores e sua obra.
O autor não é aquele que se imiscui como o ordenador, disciplinador ou contador de qualidades…de uma escrita e sim aquele que a escreve do começo ao fim. O que faz de um indivíduo um autor é o fato de, através de seu nome, ser possível demarcar os demais textos que lhes são atribuídos como sua propriedade, por ter sido sua a escrita da coisa. A autoria do discurso escrito quando aliado ao documento revela e delimita o pertencimento do texto ao autor e ao campo do conhecimento. O autor já possui a propriedade do conteúdo que lhe foi conferida “res publica” e o discurso fala só o nome de um autor.
Vale lembra uma parte do artigo sobre “Definições exatas de má conduta científica” publicada na revista Fapesp de São Paulo em edição número 204 – Fevereiro de 2013 escrita por por Daniel Bueno.
“Após avaliar centenas de publicações, um grupo de pesquisadores da Universidade de Barcelona, Espanha, e da University of Split School of Medicine, Croácia, constatou que, sem a formulação de políticas que definam explicitamente quais são os tipos de más condutas na ciência e quais procedimentos devem ser adotados, a padronização das boas práticas acadêmicas é dificultada.. …
Dos 399 periódicos científicos analisados, 140 forneceram definições explícitas de má conduta. Falsificação foi diretamente mencionada por 113 publicações; fabricação de dados, por 104; plágio, 224; duplicação, 242; e manipulação de imagem, por 154.
A interpretação de estatísticas possui enorme amplitude de reflexão; os interessados em estudos de citação devem ter grande discernimento para não provocarem estudos de citações desgovernadas.
Aldo de Albuquerque Barreto
fevereiro 2014