Tlön, Urântia, Borges, Deus

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Aug 21, 2008, 11:00:23 AM8/21/08
to Midiateca da HannaH
Tlön, Urântia, Borges, Deus
por Yuri Vieira

“Não rir, não lamentar, nem detestar, mas compreender.” Baruch
Espinosa

Em 1941, Jorge Luis Borges publicou El Jardín de los senderos que se
bifurcan e, neste livro, o conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, que
mais tarde também apareceu em Ficciones(1944). O conto narra, de
início, as supostas peripécias de Borges e de seu amigo Bioy Casares,
outro conhecido escritor argentino, em busca do porquê de o verbete
“Uqbar” constar na enciclopédia deste último mas não no volume
correspondente da de Borges. Uqbar, segundo a Anglo-American
Cyclopaedia, seria um país localizado na Ásia Menor, com sua própria
história, geografia, literatura, língua, etc. O termo Tlön surge aí
pela primeira vez, relacionado a uma “região imaginária” presente com
certa freqüência nas epopéias e lendas de Uqbar. No entanto, por mais
que os dados do verbete tragam certa verossimilhança, a tal
enciclopédia não lhes parece senão uma falaz reprodução da
Encyclopaedia Britannica(1902) — certamente criada com o único intuito
de divulgar semelhante fraude. Afinal, além desse país não ser
mencionado por nenhum atlas oficial, a estranha história de Uqbar e
Tlön leva-os tão somente a infrutíferas pesquisas. Assim, anos mais
tarde, ainda segundo o próprio conto, tendo esquecido o assunto, o
narrador descobre entre os pertences do engenheiro inglês Herbert Ashe
— um amigo de seu pai, falecido havia pouco — um livro de 1001 páginas
intitulado A First Encyclopaedia of Tlön. vol. XI em cuja primeira
página se vê um “óvalo azul” com a inscrição: “Orbis Tertius“. E não
pára aí. Aos poucos, toda uma enciclopédia sobre o planeta Tlön vem à
luz, magnetizando as atenções gerais. Sim, ao invés de um único
verbete perdido numa enciclopédia comum, despontam, ao redor do globo,
volumes e mais volumes de uma enciclopédia tratando unicamente da vida
num estranho planeta. Borges, então, passa a descrever detalhes
minuciosos das crenças, da ciência, da filosofia, da psicologia, da
história, da literatura, enfim, dos mais diversos âmbitos da vida
inteligente de Tlön. E avisa: com o correr dos anos, todo esse
conteúdo chegou a afetar a humanidade a tal ponto que nosso mundo
simplesmente passou a ser Tlön, uma vez que, nas escolas, nas
universidades e na vida cotidiana, a Terra deixou de ter qualquer
importância, não se estudando, respeitando ou vivendo senão os
aspectos e atributos desse novo orbe: “El contacto y el hábito de Tlön
han desintegrado este mundo”. E então, sem deixar de lembrar que no
latim inventar e descobrir são sinônimos, Borges indaga: “¿Quiénes
inventaron a Tlön?”

Em 1997, recebi em meu apartamento, na Universidade de Brasília, a
visita de uma amiga que me apresentou um livro de 2100 páginas, em
inglês, com três círculos azuis concêntricos na capa e o título The
Urantia Book. Comecei a folheá-lo distraído e, sem que me apercebesse,
acabei virando a noite sobre ele. Quando finalmente me senti cansado,
o sol já dourava o lago Paranoá. Minha inclinação pela literatura de
cunho fantástico não me permitiria outra atitude: tive a sensação de
estar com o Graal dos livros de literatura fantástica em minhas mãos.
Do que tratava? Bem, a mera leitura de seu índice me causou vertigens,
haja vista suas 59 páginas. Sim, 59 páginas apenas de sumário. Havia
capítulos e seções com títulos tais como: “Os níveis espaciais do
Universo Mestre”, “O circuito de gravidade mental”, “Os sete
Superuniversos do Espaço-Tempo”, “Os mundos Vorondadec”, “A respiração
do espaço”, “A energia, a mente e a matéria”, “Os ultimátons, os
elétrons e os átomos”, “As Personalidades do Universo Local”, “As
sedes centrais das constelações”, “As hostes seráficas”, “A união
trinitária da Deidade”, “A natureza da Ilha Eterna”, “Os domínios do
Absoluto Não Qualificado”, “O sistema Paraíso-Havona”, “Os artesãos
celestiais”, “O superuniverso de Orvonton”, “As Esferas
Arquitetônicas”, “Os Serafins Transportadores”, “Os Sete Espíritos
Reitores”, “O Espírito Materno do Universo”, “A estabilidade dos
sóis”, “A origem dos mundos habitados”, “Os manipuladores da energia”,
“Tipos físicos planetários”, “Os mundos dos que não respiram”, “As
criaturas volitivas evolucionárias”, “A rebelião de Lúcifer”, “A
origem de Monmátia - o sistema solar de Urântia”, “Os níveis da
realidade no Universo”, “A associação terciária transcendental da
realidade”, “O conceito filosófico do EU SOU”, “A supervisão da
evolução”, “O fim da idade dos répteis”, “A origem das raças de cor”,
“Os Príncipes Planetários”, “Os Adãos Planetários”, “Os sete Mundos
das Mansões”, “O governo de um planeta vizinho”, “Dalamátia — a cidade
do Príncipe”, “Os edenitas entram na Mesopotâmia”, “Os adanitas entram
na Europa”, “A encarnação de Maquiventa Melquisedec”, “A verdadeira
natureza da religião”, “A ciência e a religião”, “A finalidade do
destino”, “As auto-outorgas de Cristo Miguel”, “A viagem de Jesus a
Roma”, “O significado da morte na cruz”, “O totalitarismo secular”, “O
problema do cristianismo”, “O futuro”… Eu lia trechos e mais trechos
de arrepiar os cabelos, como, por exemplo, a informação de que, na
sede central do Universo Local, mais de um bilhão de seres materiais,
“moronciais” e espirituais assistiram, ao vivo, juntos e embasbacados,
no anfiteatro em torno ao “Mar de Cristal”, ao martírio e à
crucificação do Soberano de Nebadon no mísero planeta Urântia, um dos
planetas isolados pela rebelião de Lúcifer, que havia sido escolhido
previamente como cenário para a experiência material de seu próprio
Criador. Sim, o livro narra a vida de Jesus na Terra — Urântia — sem
saltar um dia sequer… Embora a princípio tudo se assemelhasse à mera
explanação da excêntrica doutrina de mais uma possível seita de
fanáticos cristãos, eu lia aquelas páginas como quem se depara com o
guia do mais vasto, completo e coerente mundo de Role Playing Game. O
texto parecia elaborado por uma equipe de seis Jorges Luises Borges e
quatro J.R.R.Tolkiens juntos. E, no correr dos últimos onze anos, tal
impressão não se desvaneceu, ao contrário, amplificou-se, uma vez que
uma coesa unidade de conceitos e princípios perpassa toda a obra. O
responsável por aquilo tudo não há de ter sido nenhum idiota. A obra
traz conhecimentos avançados sobre teologia, religião comparada,
filosofia, antropologia, sociologia, política, física, astronomia,
biologia e, ousarei dizer?, história. Até mesmo o prêmio Nobel de
química Kary Mullis publicou artigos confessando sua surpresa diante
de dados científicos exatos apontados pelo livro com décadas de
antecedência. Na minha singela opinião, ou o livro é resultado de toda
uma vida de elucubrações espantosas — a obra dum anônimo e delirante
gênio — ou é a evidência de que alguma sociedade secreta decidiu
entrar para valer na guerra cultural que assolou todo o século XX e
que continua a agir por trás de todos os grandes conflitos deste novo
milênio. As alternativas me assombram. Principalmente porque há também
a opção — nem um pouco impossível, vale lembrar — defendida pelo
próprio livro: trata-se da “Quinta Revelação Epocal”. Quem enfim teria
inventado (descoberto?) O Livro de Urântia?


Escreveu Borges: “¡Oh dicha de entender, mayor que la de imaginar o la
de sentir!” Sim, a vida interior é detentora dos maiores prazeres. E
nada excita mais o intelecto do que um complexo quebra-cabeça, por
mais esdrúxulo e improvável que ele pareça. Tal quebra-cabeça pode
ser, o que é muito comum, uma mulher. Ou, quem sabe, o sentido da
vida. Ou um livro sem autor. A descoberta de uma resposta pode vir a
ser um verdadeiro orgasmo psíquico. Ou não, depende do valor dessa
resposta. Há sempre a possibilidade de uma ejaculação precoce ou de
uma simples e frustrante broxada. Borges descreve assim a descoberta
do primeiro volume da enciclopédia sobre Tlön: “Numa noite do Islã,
que se chama a Noite das Noites, abrem-se de par em par as secretas
portas do céu e é mais doce a água nos cântaros; se essas portas se
abrissem, eu não sentiria o que senti naquela tarde.” Foi assim que me
senti ao ter O Livro de Urântia nas mãos pela primeira vez. Por mais
cético que um homem seja — e Borges, apesar de seu gosto literário,
era um cético — nada poderá satisfazê-lo mais do que a revelação de
que a Terra não está só no cosmos. A não ser, é claro, a comunhão
plena com outro indivíduo. Porque há de fato gente que passa pela vida
sem jamais ter seu coração minimamente tocado por outra pessoa. Há
gente que vive como um planeta sem sistema a flutuar solitário,
carente de sol, no negro infinito. Ninguém a comove, ninguém a aquece.
Ser amado é mais fácil que ser compreendido; mas certamente não há
compreensão real sem amor. Henry Miller foi apaixonado por June e pela
vida desde o início, mas talvez só as tenha compreendido de verdade ao
encerrar sua Crucificação Encarnada, a trilogia formada pelos romances
Sexus, Plexus e Nexus, na qual exercita sua capacidade de amar a… a
criação literária. Foi nesta trilogia que li, pela primeira vez, uma
apologia a Oswald Spengler (1880-1836), polêmico filósofo e
historiador alemão, que se autodenominava “o primeiro Filósofo do
Destino”. Isto porque o quebra-cabeça predileto de Spengler — a sua,
digamos, “mulher abstrata” — era a história e o destino das
civilizações. Partindo dos estudos botânicos de Goethe — que tornou
notória a teoria segundo a qual toda e qualquer planta é formada por
metamorfoses parciais ou completas do simples modelo raíz-caule-folhas
(o princípio da planta primordial)–, o historiador chegou à conclusão
de que não há uma linha temporal constante através da qual uma suposta
evolução leva os homens de uma cultura primitiva até uma civilização
cada vez mais avançada. Não. Na verdade, cada civilização seria um
organismo único e original que, como qualquer outro ser vivo, nasce,
cresce, amadurece, decai e morre, segundo uma ordem constante e
claramente discernível. (Ele diferencia o termo Cultura do termo
Civilização, sendo o primeiro a fase criativa e o segundo a fase
degenerativa do organismo.) Tal teoria foi exposta num livro com o
significativo título de A Decadência do Ocidente. Nele, ele demonstra
como é absurdo imaginar uma Cultura superior sem religião. E vai além:
a essência de toda Cultura superior ou Civilização é sempre religiosa
e, conforme essa essência vai se tornando desacreditada, perde-se a
necessária coesão vital e inicia-se o declínio do organismo. Afirma
ainda que toda Cultura se inicia quando um indíviduo — ou pequeno
grupo de indivíduos — é arrebatado por um novo e fecundo páthos, por
uma profunda reação interior a um acontecimento e/ou situação
concretos completamente inéditos e fundamentais, que, como nas ondas
concêntricas causadas por uma pedra na superfície de um lago, vai se
ampliando e literalmente animando todo um povo. O mito fundante seria,
portanto, algo que de fato aconteceu, algo sobrenatural. Partindo
deste insight, o historiador chega a defender que mesmo os princípios
científicos de uma Civilização em estudo não são senão elementos da
sua doutrina religiosa trasladados para o pensamento racional. E então
discorre, não apenas sobre a física, mas também sobre a matemática, a
arte, a filosofia, a política e a religião Antigas (greco-romana),
Ocidentais (ou Fáusticas), Chinesas, Árabes, etc., apontando as
características únicas de cada uma delas. Spengler assevera
categoricamente que o Ocidente não se encontra senão em sua fase
final, tendo também ocorrido, em outras civilizações já mortas, como
agora ocorre, o mesmo ceticismo e descaso da elite pensante para com a
sua própria essência mítico-religiosa. O dito ateísmo, aliás, seria
tão diverso quanto as diferentes religiões, tendo cada Civilização seu
próprio e exclusivo exemplar de ateu. Em outras palavras: um ateu é
como um “radical livre” especialmente preparado para atacar as bases
daquela, e apenas daquela, Cultura superior, tal como um determinado
reagente químico só entra em ação ao encontrar determinada molécula
afim. Todo esse processo se passa simplesmente por ser algo natural,
isto é, porque a Cultura já atualizou todo o seu potencial criativo,
já expressou e gerou toda a beleza, sabedoria e conhecimento de que
era capaz. Extenuados e oprimidos pelas obras de seus antecessores, os
homens de uma época tardia não têm outra opção senão apegar-se à sua
herança cultural ou, ora por tédio, ora por desespero, liquidar com o
mundo em que vive, preparando, de forma inconsciente, o terreno das
consciências para uma futura Civilização. Além disso, segundo o
historiador, todo aquele interesse de sua época pelas filosofias e
tradições orientais — seu livro foi publicado em 1917, quando o
orientalismo já estava em moda — não impediria, como sempre costuma
ocorrer numa etapa final, uma revitalização tardia e burlesca da
religião original. O cristianismo, escreveu ele, se reergueria de
forma canhestra e paródica, sendo esse fenômeno nada mais que a
manifestação dos últimos estertores de uma Civilização agonizante.
Escreveu Platão: “Quando os sacerdotes vendem seus ritos e os soldados
têm medo da morte, a sociedade está decadente”. Sim, porque um mundo
pelo qual não vale a pena lutar e um significado religioso sem outro
valor que o financeiro nada podem sustentar. Os protestos pacifistas
contra determinadas guerras e a proliferação de igrejas pentecostais
interessadas nos bolsos dos fiéis não comprovam outra coisa.




Na verdade, a idéia de uma manifestação cíclica na cultura e na
sociedade data de Platão, idéia essa exposta pelo personagem Sócrates
na República. De acordo com Sócrates, a aristocracia, ordem social
superior (governo dos melhores), degeneraria em timocracia (governo
dos ricos) e esta, sucessivamente, em oligarquia (governo de alguma
facção), democracia (governo da maioria, seja ela educada ou burra) e,
por fim, em tirania (governo da violência). O aristocrata autêntico,
fixado num extremo da escala, seria o homem bom e justo; o tirano,
situado no extremo oposto, o mau e injusto. O ciclo, portanto,
caminharia de uma época de luz para uma de trevas cada vez mais
acentuadas. (Platão nos ensina que a tirania sempre nasce da
democracia.) Giambattista Vico (1668-1744), que estudou Platão, propôs
uma teoria semelhante. Contudo, em sua visão — definida por três fases
consecutivas(Idade Divina ou Teocrática, Heróica ou Aristocrática e
Humana ou Democrática) –, a manifestação cíclica seria permanente, sem
uma clara expressão de decadência. A Providência se encarregaria de
levar a humanidade adiante, através dessas tonalidades anímicas,
evitando um fim sem esperanças. Mesmo Harold Bloom, partindo de Vico,
subdividiu seu estudo sobre O Cânone Ocidental nas literaturas das
Eras Aristocrática, Democrática, do Caos e, arrisca-se ele a prever
cheio de receio, eis que desponta no horizonte uma nova Era
Teocrática, tal como aquela que nos legou o Antigo Testamento… (Marx e
Hegel também desenvolveram suas próprias teorias históricas, sendo
que, para o primeiro, a história culminaria necessariamente no
comunismo e, para o segundo, culminaria no estado prussiano ou, pode-
se também dizer, no próprio umbigo de Hegel, mais conhecido como
Idéia. Para Nietzsche, esse ciclo (o Eterno Retorno) ultrapassou a
história e tornou-se uma verdadeira prisão ontológica que só poderia
ser vencida pelo “Übermensch” ou “Sobrehomem”.)



Esta digressão pode parecer sem propósito, mas ela vem justamente para
tornar, ao menos para mim mesmo, ainda mais aterrador o, por assim
dizer, advento do Livro de Urântia. Ao ler a República, de Platão, é
impossível evitar o susto de nos depararmos com a descrição
extremamente atual do estado de coisas que nos levou a ver, nesses
últimos 100 anos, pessoas como Churchill, Vargas, Mussolini, Hitler,
Stálin, Mao, Castro, Kennedy, Kubitschek, Goulart, Castelo Branco,
Sarney, Collor, Chávez, Lula, Clinton, Bush e muitos outros chegarem a
postos de elevado poder. Todos os tipos já estavam ali delineados. Tão
admiráveis são também as observações de Vico e Spengler, além do
próprio Harold Bloom, sobre a sucessão das fases culturais, que torna-
se irreprimível não inferir certas possibilidades futuras. O filósofo
Mário Ferreira dos Santos, apesar de acusar Nietzsche(cujas intuições
ele admira) e quase toda a filosofia posterior de incorrer em erros
refutados com séculos de antecedência pelos escolásticos, adapta à sua
própria visão a escala nietzscheana para discorrer sobre nossa época.
Segundo esta escala, viveriam mesclados, hoje, os Homens da Tarde, os
da Noite e os da Madrugada, prenunciando estes últimos a chegada do
Homem do Meio-dia. Os Homens da Tarde seriam aqueles cuja negatividade
não faz senão corroer ainda mais todos os valores e princípios caros à
nossa civilização. Eles aceleram o pôr do sol, o ocaso da civilização.
Os Homens da Noite seriam aqueles que, em meio à escuridão de um céu
sem lua ou estrelas, buscam ainda um fio de Ariadne que lhes permita
atravessar um mundo absurdo e carente de sentido. Eles não têm a
certeza, mas sim a esperança. Os Homens da Madrugada são aqueles que
já encontraram esse mesmo fio e que, em seus corações, já imaginam
como será o Homem que viverá na claridade plena de um Meio-dia cheio
de sentido, valores e luz. E Mário Ferreira dá um nome ao causador
desse páthos definido por Spengler, esse capaz de animar todo um povo
e de iniciar um novo Meio-dia: Revelação, isto é, a comunicação ao
homem da vontade divina. Mas… como então saber se uma revelação é de
fato autêntica? Simples: se sua manifestação der origem, no correr dos
séculos, a uma nova Cultura superior, a uma nova Civilização, então
ela é. E o filósofo brasileiro faz ainda uma distinção clara entre as
religiões tradicionais e as seitas: as primeiras teriam
necessariamente origem numa revelação legítima; já as seitas, em
idéias, insights e idiossincrasias de indivíduos, as quais, no fundo,
não teriam valor real senão para esses mesmos indivíduos. E isto
significa: seu impacto social seria equivalente, na história das
Culturas, a um punzinho.



Sim, eu sei que falar sobre o conceito de revelação divina, nesta
época em que os “radicais livres” praticamente dominam os meios de
cultura, soa tão sem propósito quanto discursar sobre carne de soja
numa churrascaria. Hoje em dia, se você for um escritor, mais atenção
conseguirá se emitir, em meio a uma narrativa, ou proposições místico-
nebulosas embebidas de “pensamento positivo”; ou acusações em grande
parte justificadas contra a hipocrisia e a perversidade de certos
religiosos; ou, o que é ainda mais comum e mais egoicamente lucrativo
junto à crítica dita séria, observações cínicas e arrasadoras sobre
tudo o que se refere à humanidade, enquanto, entre um dito sarcástico
e outro, o personagem central discorre sobre como friccionar, da
maneira mais eficiente, um clitóris com os dedos da mão esquerda ao
mesmo tempo em que penetra uma buceta com seu pau duro e um cuzinho
com os dois dedos da mão direita. Enfim, ou o escritor se debruça em
meditações fleumáticas sobre o absurdo da existência, ou se desespera,
ou sai por aí abraçando o capeta, afinal, se já está no inferno,
pensa, vamos ao menos nos divertir. No fundo, o máximo a ser tolerado,
se o cara quiser tratar de “espiritualidade”, é adotar uma postura
panteísta com pitadas de budismo chique e satisfeito, de preferência
com explicações baseadas na física quântica. E ninguém nota, como
notou Leo Gilson Ribeiro em relação ao angustiado Kafka, e Lou Andreas-
Salomé em relação ao atormentado Nietzsche, que eram ambos “almas
profundamente religiosas”. Quem não se cansa de indagar “por quê” (por
causa de quê), quem não se cansa de buscar as causas primeiras, as
origens, não pode evitar, por mais que se perca, de adotar uma postura
religiosa, que, claro, não se confunde com carolice e pode manifestar-
se tanto de forma positiva quanto negativa. A palavra religião é de
etimologia incerta, pode tanto vir do latim religare (ligar de novo),
quanto do latim relegere (ler ou colher de novo) ou do verbo grego
alegeyn (venerar). Mas todas as alternativas apresentam a idéia de
dois termos que se ligam, um termo final que volta a se nutrir de um
inicial. Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, conforme descrevi, Borges
relata seu espanto ao ver a Terra tornar-se Tlön. Ao homem comum não
interessam as refutações lógicas: se algo dá um sentido mais
abrangente à sua vida, este algo será adotado. Há porém um problema:
num epílogo ao conto, Borges confessa ter descoberto, anos depois do
seu primeiro encontro com a enciclopédia sobre Tlön, a origem desta.
Tlön nunca existiu. A Noite das Noites foi uma ilusão e a revelação
dos autores uma grande broxada. A verdade era que uma sociedade
secreta havia decidido criar um país. Assim, seus membros buscaram
patrocínio e o milionário norte-americano que aceitou bancá-los fez
duas exigências: 1) se era para gastar seu dinheiro, que pensassem
grande e criassem todo um planeta, pois um país era muito pouco; 2)
que a obra “não compactuasse com o impostor Jesus Cristo”. Semelhante
dado é de causar espécie, principalmente quando, ao se comparar o
Livro de Urântia com o “livro de Tlön“, percebemos que o primeiro não
apenas compactua com Jesus Cristo, mas o enaltece e o ilumina de forma
nunca antes vista desde os evangelhos. Sim, essa estranha
“contracoincidência” dá o que pensar. Teria Borges tomado conhecimento
desse livro escrito entre os anos 1920 e 1930? Creio que nunca o
saberemos. Ao contrário de J.J.Benítez, cuja série Operação Cavalo de
Tróia teve como fonte básica de pesquisa o Livro de Urântia, Borges
jamais fez qualquer menção direta a ele. Benítez, que também o
utilizou para escrever A Rebelião de Lúcifer, no qual o planeta Terra
é chamado de Iurancha – daí meus amigos me sacanearem citando o “Livro
de Yurântia” –, chegou a ser alertado para jamais publicar nos Estados
Unidos, pois a Fundação Urântia poderia processá-lo por plágio. Mas,
tendo Benítez assumido sua crença de que o livro é de fato uma
revelação, por que então alguém o impediria de usá-lo como inspiração?
Quando Thomas Mann escreveu José e Seus Irmãos, estaria ele plagiando
o Antigo Testamento?




Seria o Livro de Urântia, tal como previu Spengler, apenas um último
estertor da nossa religião original? Não creio. Quase todas as
manifestações “paródicas” do cristianismo costumam dar-se como
anticlímax, impondo conceitos e valores completamente aquém dos
ensinados por Jesus. A irmandade, antes aplicada por Cristo a todos os
humanos do planeta, recai hoje apenas nos membros desta ou daquela
igreja; estimula-se as orações para solicitar não bens espirituais,
mas materiais; nos cultos, fala-se mais de demônios, diabos e
“encostos” do que de Deus; a expressão estética da experiência
religiosa jamais é estimulada, os cultos ocorrem em templos feios e
ordinários; sublinha-se a importância deste ou daquele grupo enquanto
intermediário quando, na verdade, Jesus ensinou que religião é o nome
da relação pessoal que cada indivíduo mantém com Deus; e assim por
diante. Embora Spengler ainda esteja correto no tocante às
civilizações regionais, isoladas tanto no tempo quanto no espaço, o
Livro de Urântia parece apoiar a tese de Vico, segundo a qual, ao
menos no concernente ao planeta com um todo, haveria uma influência
externa interessada em guiar a humanidade para fases cada vez mais
avançadas. Deste modo, a Revelação se daria em etapas, sendo as
comunicações divinas proporcionais à capacidade de compreensão média
dos seres humanos de uma determinada época. O Livro de Urântia seria a
quinta revelação de época à coletividade planetária, o quinto upgrade
— porque existem revelações pessoais de valor meramente individual —
sendo estas as revelações anteriores: 1) a chegada do Príncipe
Planetário (não físico) e de seu séquito de cem instrutores (físicos,
porém imortais); 2) a chegada de Adão e Eva (os humanos, evoluídos de
animais, já existiam nessa época); 3) a encarnação de Melquisedec; 4)
a encarnação de Jesus Cristo, soberano do Universo Local; 5) a
transmissão do Livro de Urântia, de autoria de diversas personalidades
espirituais e moronciais. Claro, diversas vezes o planeta teria andado
para trás, confirmando novamente Spengler. Mas tal fato não poderia
ser explicado senão pela expressão shit happens e pelo fato de que há
o livre arbítrio. Lúcifer explica. Sem esquecer a epígrafe deste
ensaio — “não rir, não lamentar, não detestar, mas compreender” —
vamos, pois, a um resumo da cosmogonia urantiana, que, no mínimo, é
algo que ou dará um bom RPG, ou humilhará os ETs da Cientologia.





Segundo o Livro, no centro do Grande Universo — o cosmos como um todo
— há uma singularidade conhecida como “Ilha Estacionária Paradisíaca”,
centro da gravidade material e fonte de toda energia radiante
(servidor dos circuitos de energia do espaço), incluindo a luz
visível. Este “local”, onde ocorre tanto a “repiração do espaço”
quanto o retorno da energia radiante à fonte — tal como nosso sangue
retorna ao coração — é o ponto de contato da finitude com a
infinitude. É a manifestação mais fantástica do cosmos e Deus Pai está
pessoalmente manifestado ali. Aí também se manifesta pessoalmente o
Espírito Infinito, terceira pessoa da trindade e centro gravitacional
mental do cosmos. O Espírito é o doador de mente (servidor do circuito
de mente) — nossos cérebros são alguns dos receptores existentes — e o
Pai é o doador de personalidade (servidor do circuito de
personalidade), que é aquilo que há de constante e único em nós,
passível de sobreviver à morte física e que reage à presença do Pai,
sendo atraída por Ele, por sua força de gravidade. Do Pai também
recebem os mortais uma Centelha Divina ou Monitor Residente ou
Ajustador de Pensamentos, que é um fragmento Dele residente em nossa
mente, o qual reage aos influxos da divindade. Todos os astros do
espaço giram ao redor da Ilha Estacionária Paradisíaca, tal como a
Terra em torno do Sol. Em torno da Ilha encontra-se o Universo Central
de Havona, universo modelo, sem história, eterno e perfeito, no qual
os Filhos Criadores iniciam suas carreiras e no qual se inspiram para
criar seus próprios Universos Locais. O Filho Eterno, segunda pessoa
da trindade, pode ser encontrado aí. Não é Jesus. Jesus (Micael ou
Miguel) é um Filho Criador, soberano do Universo Local de Nebadon, que
ele criou em associação amorosa com o Espírito Materno do Universo,
uma filha direta do Espírito Infinito. Em torno do Universo Central de
Havona, giram Sete Superuniversos evolucionários do espaço-tempo, cada
qual formado por cerca de 100.000 Universos Locais e governados pelos
Anciãos dos Dias. Existem, pois, além de Jesus, outros 699.999 Filhos
Criadores, cada qual o Caminho, a Verdade e a Vida de suas próprias
criações. O número de seres de diferentes classes, funções e natureza
existentes tanto na Ilha, quanto em Havona e nos sete Superuniversos
tende ao infinito. Existem seres pessoais, pré-pessoais e apessoais,
ascendentes (como nós) e descendentes (como Jesus), materiais,
moronciais, espirituais, e assim por diante. Cada Superuniverso é
constituído de 10 Setores Maiores; cada Setor Maior, de 100 Setores
Menores; Cada Setor Menor, de 100 Universos Locais; cada Universo, de
100 Constelações; cada Constelação, de 100 Sistemas de Mundos (que não
é o mesmo que um sistema solar); e cada Sistema, de 1000 mundos
habitáveis. Essas subdivisões não são exatamente astronômicas, mas
administrativas. Cada Superuniverso possui, pois, cerca de um trilhão
de mundos habitados.



O papel do ser humano, na Criação, ainda segundo o Livro, é sobreviver
à morte física, ascender de mundo em mundo, de esfera em esfera, até
atingir a presença pessoal do Pai Celestial, tornando-se então um
Finalista, um ser de função ainda não revelada. A vida em Urântia (o
planeta Terra, o “planeta da cruz”) surgiu como em qualquer outro
planeta habitado, ou seja, sob a direção do Filho Criador, um grande
número de seres espirituais — incluindo aí os Arquitetos Mestres do
universo e os Portadores de Vida — iniciam a criação de formas
primitivas de vida que, animadas pelo Espírito Materno, passam então a
evoluir sozinhas. O objetivo da vida animal num planeta é, um dia,
chegar a produzir um ser com cérebro capaz de abarcar a mente volitiva
autoconsciente. Existem planetas nos quais, por uma razão qualquer, os
humanos evoluíram de animais completamente diferentes dos da Terra. O
mortal filho de Deus não depende da evolução de uma espécie
específica, mas apenas da capacidade mental do cérebro. Os mortais
ascendentes, portanto, são classificados segundo o número de cérebros:
humanos com um cérebro, com dois e com três. Nós, terrestres, temos
dois cérebros, o esquerdo e o direito. A partir do momento em que uma
espécie animal, por mutação repentina e espontânea, dá à luz seres
volitivos, o planeta recebe o status de planeta habitado, sendo
designado, para ele, um Príncipe Planetário, um ser descendente
invisível aos seres materiais. Acompanham-no um séquito de cem
voluntários que são materializados no planeta e que constroem a
primeira cidade universitária, para a qual convidam os membros
proeminentes das mais diversas tribos então existentes. Esse séquito
consegue ver e se reunir com, no caso de Urântia, Caligástia, o
Príncipe Planetário. Sendo belos, gigantes e — graças a uma conexão
especial com os circuitos do Espírito — imortais, passam a educar, sem
envelhecer, gerações e mais gerações das mais diversas raças locais.
Apesar de desestimular tal comportamento entre os humanos, são vistos
como deuses, o que, na Terra, deu origem às mais diversas tradições e
mitos. Em Urântia, tudo corria bem, até que o soberano do Sistema de
Mundos Habitados, Lúcifer, emitiu uma Declaração de Liberdade. Acusou
ele aos Anciãos dos Dias de estrangeiros invasores e declarou que não
acreditava que seu Senhor, o Cristo, se reunia pessoalmente com a
personalidade de Deus. Caligástia, o Príncipe de Urântia, aderiu à
rebelião, levando o séquito a uma dissensão, o que, por sua vez, botou
as tribos humanas em pé de guerra umas contra as outras, segundo suas
afinidades com os mestres. Como efeito dessa rebelião, o Sistema foi
isolado em quarentena, a qual permanece até hoje. Encerraram-se as
comunicações e os intercâmbios mais ostensivos em quase 1000 planetas.
Com isso, o séquito do Príncipe perdeu seu status de imortalidade.
Quando Adão e Eva chegaram — eram Filhos Materiais da raça violeta —
encontraram um planeta em estado de caos. Despreparados, sucumbiram às
suas próprias idéias, atentando contra o mandato da Constelação, o que
os fez perder também a imortalidade. Desde então, shit happens atrás
de shit happens. Nesse entretempo, Melquisedec — cujo estandarte
contém os três círculos concêntricos azuis — veio então ao planeta e,
após instruir um grande grupo, enviou-os em pequenos grupos aos quatro
cantos do mundo, fato esse que deu origem às mais diversas religiões.
No entanto, a rebelião só foi finalizada quando da vinda de Jesus, que
experimentava a forma de vida material, etapa necessária para assumir
sua soberania plena. A narrativa completa de sua vida na Terra é um
dos textos mais tocantes que já li. Hoje, Lúcifer está preso e o
sistema está sendo pouco a pouco reconectado. O Livro de Urântia
supostamente faz parte desse processo.

Sim, eu sei que tudo parece uma imensa loucura. Mas não creio que o
universo seja bobo e sem Graça como querem os céticos sistemáticos.
(”Ah, o cosmos surgiu com o Big Bang.” Ok, e de onde veio o Big Bang?)
Algumas pessoas me dizem que toda essa cosmologia e hierarquia celeste
é muito humana para ser real. Mas e se o que chamamos de humano for
apenas uma cópia imperfeita dessa organização divina? Sim, isso nos
leva a uma antinomia sem solução satisfatória. É preciso aqui dar
aquele salto chamado “fé”. A Hilda Hilst, o Bruno Tolentino, o Bruno
Galas e o Olavo de Carvalho me ensinaram pessoalmente que a fé não
apenas não atrapalha a inteligência e a criatividade como, muito pelo
contrário, as estimula e fortalece. Eu sei que não necessito d’O Livro
de Urântia para chegar a tal conclusão e para finalmente aceitar o
convite divino. Eles não precisaram dele e, quando lhes falei sobre
esse livro, encararam-no com grande reserva. Mas, sinceramente,
desconfio que ao menos o planeta Terra necessita desse impacto
“tlöniano”.

Chegamos a um ponto da História humana em que uma grande mudança se
faz não apenas necessária, mas inevitável. A Era do Caos preconizada
por Harold Bloom através de Vico, vai dando seus últimos frutos. Essa
era do Caos seria o que, na Teoria Geral de Sistemas, se chama
“constelação”: um momento em que os elementos de um sistema dado se
encontram dispersos por não haver mais um “princípio dominante” que dê
conta de influenciar e guiar o todo. É uma fase de transição, porque,
sem o advento de um novo princípio dominante, ocorrerá a morte dos
elementos remanescentes. Nos sistemas conhecidos como “Cultura” ou
“Civilização”, tal princípio dominante seria, como já disse, uma
intuição espiritual original. E, se toda Cultura nasce duma intuição
nova e mais abrangente, duma visão cósmica mais universal, fecunda e
cheia de sentido, creio que jamais se viu outra visão mais estimulante
que a apresentada nesse Livro. Jesus cumpriu sua missão no tocante ao
indivíduo, que é o principal, mas a narrativa completa de sua vida e
de sua obra — assim como a descrição dos seres, da estrutura e das
regras que regem as demais “moradas”– poderia, digamos assim, por
“ressonância” e influxo idealista, orientar a organização desse nosso
variegado e caótico mundo. Pela primeira vez na história, nosso “mundo
conhecido” se confunde com todo o planeta. “Deus quer, o homem sonha,
a obra nasce. Deus quis que a Terra fosse toda uma. Que o mar unisse,
já não separasse.” (Mensagem, Fernando Pessoa.) Os remanescentes das
Culturas outrora pujantes — Ocidente Cristão, Islã, Oriente hinduísta,
budista, etc. — não se sentem à vontade uns com os outros e temem ser
sobrepujados e engolidos pelos demais. Não há como imaginar que, agora
que esses sistemas distintos se tocam, que o princípio dominante de um
deles sobrepujará aos demais sem derramamento de sangue. Na Europa, o
avanço do islamismo é patente, pois uma civilização irreligiosa, como
a do ocidente tardio, é sempre mais fraca que uma religiosa. (Sem
falar que, enquanto um casal europeu dá à luz dois filhos — um ateu e
outro agnóstico — os muçulmanos dos subúrbios dão à luz nove ou doze
islâmicos, metade radical, metade meramente crente.) E apesar de o
Livro de Urântia estar mais próximo daquilo que entendemos por
cristianismo, ele talvez tenha vindo não apenas confirmar tudo o que
este tem de positivo e verdadeiro, mas também purificá-lo de seus
erros e malentendidos, o que, por isso mesmo, poderia levá-lo ainda
mais longe e torná-lo mais palatável aos demais povos. Ele não revoga
a Bíblia, os Evangelhos e demais livros sagrados. Não. Ele os alarga,
esclarece e amplia. Também apresenta muitas questões polêmicas
passíveis de gerar conflitos, isto é, se lidas isoladamente do
restante da obra. Mas creio que, dum modo geral, os efeitos do livro
poderiam ser positivos e duradouros a longo prazo. Tlön era uma obra
falsa, conforme diz Borges, um mero trabalho de “enxadristas”, mas, no
conto, dominou todo o mundo. Ocorrerá o mesmo com o Livro de Urântia?
É bem provável que, da mesma forma que o Império Romano não conseguiu
se livrar do “imperativo cristão” — e que o Oriente Próximo não
conseguiu evitar o Islã — tampouco o planeta Terra conseguirá evitar
tornar-se… Urântia. Eu estou cagando e andando para o que meus amigos,
familiares e desconhecidos possam achar dessa minha posição. Eu apenas
não consigo deixar de imaginar um outro futuro menos ruim do que esse
e, como dizia a Clarice Lispector, “imaginar é adivinhar a realidade”.
Que culpa eu tenho se algumas coisas nascem mesmo póstumas e
impossíveis de serem provadas agora? Uma revelação só se prova como
revelação no correr dos séculos, quando então funda uma nova Cultura.
Quem escreveu esse livro sabia disso e nem se deu ao trabalho de
assiná-lo. Foi apenas um transmissor? Criou todos aqueles
“heterônimos” fantásticos que assinam os capítulos? Eu não sei. Tal
imprecisão autoral não impediu que o Pentateuco fundasse uma nação
(Cultura) avançadíssima ou que o tribal Islã alimentasse e
ressuscitasse a então complexa e decadente Pérsia. Meu maior temor em
relação ao Livro era que ele fosse mais um gnosticismo. Mas quanto
mais o estudo, mais me convenço de que não é. Mas, bem, essa é uma
outra história.

Enfim, a revelação é uma forma de conhecimento possível e legítima da
qual o homem é digno. (Vide “O Homem Perante o Infinito”, de Mário
Ferreira dos Santos.) As pessoas se acham vermes rastejantes
abandonadas pelos Céus? Já não me sinto assim. Deixei isso para trás.
Agora sou, após muitos percalços, capaz da fé. Vale lembrar que,
quando algo ocorre na Europa, não há como nós, aqui na América do Sul,
termos acesso a tais fatos senão através do que nos é revelado pelos
meios de comunicação. Eles nos transmitem as notícias ou novas.
Vivemos mergulhados em informações. Como confiamos nelas? São
verdadeiras? São falsas? Em que medida? Um cético sistemático absoluto
certamente não acreditaria sequer que o Saddan Hussein foi derrotado,
afinal, são tomé que é, não o tocou com os dedos através das grades
duma prisão iraquiana. Muita gente mais paranóica que eu acha que o
próprio Bush atacou o WTC. É preciso confiar nas fontes, não é? E as
novas nem sempre são “boas novas”, que é, aliás, a exata tradução de
evangelho: a “boa notícia”. Depois de mil e um livros sagrados
escritos por inspiração, algum maioral lá de cima teria decidido usar
um repórter anônimo, afinal, parece que só Maomé é profeta. Os
islâmicos não precisam se chatear com o Livro de Urântia. Nenhum
profeta reivindicou sua autoria. São talvez apenas notícias que nos
alcançam dos confins do Cosmos. Eu não tenho mais medo de apostar
nisso. Você tem?… O quê? E se Lúcifer estiver certo e os Anciãos dos
Dias forem imperialistas cósmicos opressores?! E se a difusão desse
livro fizer parte de uma conspiração universal?!!… Entonces, amigo
mío, estamos todos jodidos!



Yuri Vieira, 36 anos, paulistano, é escritor e cineasta.
Sua página web pode ser acessada em yuriviera.com, bem como o blog
Garganta de Fogo que escreve em parceria.


Fonte:

http://daniellourenco.blogspot.com/2008/04/tln-urntia-borges-deus.html
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