IDENTIDADE CULTURAL
por Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre
indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios
comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes,
as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção
continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço.
Como conseqüência do processo de globalização, as identidades
culturais não apresentam hoje contornos nítidos e estão inseridas numa
dinâmica cultural fluida e móvel.
A globalização é uma nova e intensa configuração do globo, a
resultante do novo ciclo de expansão do capitalismo não apenas como
modo de produção mas como processo civilizatório de alcance mundial,
abrangendo a totalidade do planeta de forma complexa e contraditória.
O Estado-nação, símbolo da modernidade, entra em declínio. Como
conseqüência, os mapas culturais já não coincidem com as fronteiras
nacionais, fato acelerado pela intensificação das redes de comunicação
que atingem os sujeitos de forma direta ou indireta. Grandes conceitos
que informavam a construção das identidades culturais, como nação,
território, povo, comunidade, entre outros, e que lhe davam
substância, perderam vigor em favor de conceitos mais flexíveis,
relacionais. Segundo Teixeira Coelho, as identidades, que eram achadas
ou outorgadas, passaram a ser construídas. As identidades, que eram
definitivas, tornaram-se temporáriasi. A diversidade cultural que o
mundo apresenta hoje, as múltiplas e flutuantes identidades em
processo contínuo de construção, a defesa do fragmentário, das
parcialidades e das diferenças, trouxeram, como corolário, uma
volatilidade das identidades que se inscrevem em uma outra lógica: da
lógica da identidade para a lógica da identificação. Da estabilidade e
segurança garantidas pelas identidades rígidas, à impermanência,
mutabilidade e fluidez da identificação. Não é mais possível fechar em
torno de uma só questão as referências da prática individual e
coletiva, e as dimensões em que se situam, constantemente superpõem-se
em vários estratos vacilantes, ressalta Tício Escobarii.
O que se impõe hoje, a partir da noção contingente, contextualizada e
relacional da identidade, é garantir que a multiplicidade e a
diversidade sejam preservadas, que a cultura, como uma longa conversa
entre partes distintas, permita que convivam sujeitos dos mais
diferentes matizes. Em vez disso, quando a cultura local parece
esgarçar-se como conseqüência da globalização, a afirmação de
identidades duras parece funcionar, para muitos sujeitos, como
elemento apaziguador que busca deter e solidificar a fluidez
característica da época atual. Verificam-se, então, manifestações
extremadas, em que nacionalismos, fundamentalismos, xenofobias,
preconceitos, são ressuscitados e lutas sem fim são travadas em nome
da preservação de identidades.
Por outro lado, a defesa da preservação de identidades rígidas, muitas
vezes, colide com valores tidos como universais e estabelecidos, que
ferem a dignidade humana, como a subordinação da mulher em diferentes
culturas, a circuncisão feminina, o cerceamento da liberdade
individual, entre outros. O que se aponta aqui é o conflito entre a
proteção de identidades e culturas locais e os direitos humanos
universais, questão que contrapõe universalistas e relativistas
culturais.
A diversidade cultural e as expressões dessa diversidade devem ser
buscadas e garantidas, tendo como norte o fato de que a cultura é
sempre dinâmica, móvel. Preservar o diverso ante o impacto avassalador
de um mundo globalizado, citando novamente Tício Escobar, é um grande
desafio que devemos enfrentar.
Bibliografia
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. RJ: Jorge Zahar, 2001.
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. SP:
Iluminuras, 1997.
MAFESOLLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
SERRA, Mônica Allende (org). Diversidade cultural e desenvolvimento
urbano. SP: Iluminuras, 2005.
Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira
2006
Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da USP, autora dos livros Nossos comerciais, por favor! A Escola
Superior de Guerra e a televisão brasileira: o caso Flávio Cavalcanti
e A condição moderna, entre outros.
Sobre este tema assista o vídeo Diversidade - Identidade realizado por
Roberta Ramos Franco e Thainara Gouveia
http://www.youtube.com/watch?v=raklY-mvkvo