Ressonância de Schumann

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Aug 14, 2008, 10:02:54 AM8/14/08
to Midiateca da HannaH
Ressonância de Schumann: Quando o holismo se tornou reducionista



1. Ressonâncias de Boff

Recebi há alguns dias um texto de Leonardo Boff a respeito de uma tal
de Ressonância de Schumann. O texto fora publicado originalmente no
Jornal do Brasil, em 05/mar/2004. Confesso que até então nunca havia
ouvido nada sobre esta tal ressonância, mas Boff a apresentava como
uma daquelas panacéias magníficas capaz de explicar os mais variados
fenômenos naturais e sociais. O suficiente para despertar a minha
curiosidade.

Em seu parágrafo mais contundente, Boff afirma:

"Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa
freqüência de pulsações e a vida se desenrolava em relativo equilíbrio
ecológico. Ocorre que a partir dos anos 80 e de forma mais acentuada a
partir dos anos 90 a freqüência passou de 7,83 para 11 e para 13 hertz
por segundo. O coração da Terra disparou. Coincidentemente
desequilíbrios ecológicos se fizeram sentir: perturbações climáticas,
maior atividade dos vulcões, crescimento de tensões e conflitos no
mundo e aumento geral de comportamentos desviantes nas pessoas, entre
outros. Devido a aceleração geral, a jornada de 24 horas, na verdade,
é somente de 16 horas. Portanto, a percepção de que tudo está passando
rápido demais não é ilusória, mas teria base real neste transtorno da
ressonância Schumann."

O leitor cético já percebe de imediato que há coisa demais neste
caminhão e vale a pena tentar descobrir um pouco mais sobre o assunto.

Uma pesquisa por "ressonância de Schumann" ou "Schumann resonance" no
Google, revela centenas de endereços em português e, claro, dezenas de
milhares de outros em inglês. A maior parte das páginas que visitei
reforçam a idéia de Boff de que as alterações na tal Ressonância é a
responsável pelas dissonâncias em nosso mundo. Encontrei explicações
sobre tudo, das mudanças climáticas globais aos atentados terroristas.
Descobri até que por módicos 249,95 dólares, pode-se comprar um
simulador de ressonância de Schumann para toda a casa, ou um para
carregar no bolso ($ 169,99). Curiosamente, entre as páginas em
português, boa parte delas apenas comentava o artigo de Boff.

Repita a pesquisa no Scirus (www.scirus.com), que é uma ferramenta de
busca mais restrita às páginas de instituições científicas, e ainda
encontramos duas mil respostas. Mas agora o foco muda. A maior parte
das páginas parece discutir questões geofísicas do planeta.

Então, vamos olhar no Web of Science. Para usar esta ferramenta é
necessário estar conectado a partir de uma instituição que assine o
serviço. O Web of Science retorna somente artigos publicados em
revistas científicas indexadas. Agora temos apenas 47 respostas.
Destas, apenas duas mencionam alguma correlação entre a ressonância de
Schumann e o ser humano, referindo-se a dois artigos do cientista
ambiental Neil Cherry em obscuras revistas.

O fato de haver tão poucas referências qualificadas a respeito da
suposta influência da ressonância de Schumann sobre os seres humanso,
também é uma boa indicação de há algo errado.

Mas afinal, o que são estas tais ressonâncias?

2. Um pouco de física

A radiação solar e outras fontes cósmicas quando atingem nosso
planeta, colidem com as moléculas das camadas superiores da atmosfera.
Estas moléculas excitadas com a energia da colisão, perdem um ou mais
elétrons e adquirem uma carga elétrica total diferente de zero. Esta
camada de moléculas ionizadas, com o óbvio nome de ionosfera, tem
cerca de 500 km de espessura e fica a cerca de 50 km de altitude.

Entre a superfície onde estamos e a ionosfera há uma diferença de
potencial de 50 mil Volts. De forma simplificada, o planeta assemelha-
se a um capacitor esférico. Uma das placas é a superfície,
essencialmente metálica, da Terra. A outra, a ionosfera. Entre as duas
está uma grossa camada isolante (dielétrica) de ar. A radiação
eletromagnética permanece presa entre estas duas placas propagando-se
ao redor do planeta como ondas. Num regime estacionário, que ocorre
quando não se espera variação abruptas de campos eletromagnéticos,
estas ondas vibram com uma certa freqüência de ressonância, que é a
chamada ressonância de Schumann.

Como a circunferência da Terra é de 40 mil km, as ondas
eletromagnéticas, que se propagam a 300 mil km/s, podem dar 7,5 voltas
no planeta em apenas um segundo. Isto estabelece o valor básico para a
freqüência de ressonância em 7,5 Hz.

As medições mostram que a freqüência fundamental de Schumann tem um
valor de 7,8 Hz, bem próximo ao que grosseiramente estimamos acima.
Mas a radiação eletromagnética também apresenta outros picos de
ressonância em 14, 20, 26, 33, 39 e 45 Hz. Assim o mais adequado seria
falar de ressonâncias de Schumann.

A figura abaixo mostra os três primeiros picos de ressonância medidos
pelo pessoal do Departamento de Ciências Físicas da Universidade de
Oulu, Finlândia.


Fora de escala, a figura ilustra as ondas eletromagnéticas
estacionárias vibrando entre a superfície do planeta e a ionosfera.



Os três primeiros picos de ressonância Schumann em 7,8, 14 e 20 Hz. O
pico em 17 Hz não é uma ressonância de Schumann, mas sim devido às
estradas de ferro suecas!


Mas o gráfico acima, com medidas tomadas em 1993, também mostra que há
algo errado com o argumento de Boff: as freqüências de Schumann não
mudaram a partir de 1980! O pico fundamental de 7,8 Hz continua lá, e
não em 11 ou 13 Hz, como ele afirma no texto.

De fato, ao longo dos anos, as frequências oscilam levemente (menos de
0,3 Hz) em torno da média devido à radiação de microondas do Sol, como
mostra esta longa série de medidas feitas no Northern California
Earthquake Data Center, entre 1995 e 2003:



Variação da freqüência fundamental de Schumann ao longo dos anos.


3. O mundo anda tão complicado

Então, agora a gente já sabe mais ou menos o que são as ressonâncias
de Schumann. Sabemos que elas existem e podem ser previstas e medidas.
Sabemos que elas variam ao longo dos anos, mas apenas levemente,
oscilando em torno da média.

Mas e quanto todo aquele argumento sobre a influência delas sobre o
cérebro humano? E será que os ataques de 11/set foram culpa destas
forças cósmicas?

Mesmo que as freqüências houvessem se alterado como dito por Boff,
elas ainda seriam um improvável sujeito para explicar tão variados
fenômenos humanos e naturais. Diante da complexidade do mundo, um dos
cuidados que devemos ter é o de olhar muito, muito criticamente para
qualquer hipótese que tente abarcar tudo em uma única causa.

Boff parece mais um ansioso por uma explicação fácil para o mundo.
Algo que a gente possa pegar e dizer: se isto vai mal é por culpa
daquilo. Mas na pressa ele perdeu o senso crítico. Possivelmente ouviu
de segunda-mão sobre as ressonâncias, abraçou a nova verdade e a
divulgou. Custaria muito pouco que ele antes fizesse alguma pesquisa,
confirmasse suas fontes, e não apenas as reproduzisse. A certa altura
ele afirma:

Empiricamente fêz-se a constatação que não podemos ser saudáveis fora
desta freqüência biológica natural. Sempre que os astronautas, em
razão das viagens espaciais, ficavam fora da ressonância Schumann,
adoeciam. Mas submetidos à ação de um "simulador Schumann" recuperavam
o equilíbrio e a saúde.

Não é necessário ser um cientista para ir até o site da Nasa e fazer
uma consulta sobre esta afirmação tão surpreendente. Ao constatar que
não há uma uma única palavra sobre o assunto, Boff poderia desconfiar
que esta informação sobre "simulador Schumann" não era muito
confiável.

Curiosamente é até possível que as freqüências de Schumann tenham
algum efeito sobre os seres vivos. Afinal, somos produtos de bilhões
de anos de evolução, nos quais os ambientes terrestres exerceram
forças fundamentais. Mas entre afirmar, em geral, que certo fator pode
ter uma influência, e afirmar que ele é o responsável por todas as
mazelas humanas, vai uma distância considerável.

Seguindo a lógica de Boff, a bandidagem carioca, antes efeito de
décadas de políticas públicas mal-feitas, pode agora ser perdoada como
apenas conseqüência das variações cósmicas naturais!

E o que parece mais provável, que as alterações climáticas globais
sejam provocadas pelo excesso de emissão de gases estufa, ou por
desvios de um sutil campo eletromagnético? E os ataques terroristas,
seria mais razoável creditá-los a estas forças elétricas moduladoras
do cérebro, do que à profunda instabilidade político-social criada no
Oriente Médio desde o fim do regime colonial? As indústrias bélica e
de petróleo norte-americanas só têm a agradecer a todos divulgadores
da ressonância de Schumann.

(texto de Mario Barbatti)

http://mbarbatti.sites.uol.com.br/def/p60.html

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