A EMERGÊNCIA DO CYBERSPACE E AS MUTAÇÕES CULTURAIS

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Hannah BLUE

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Nov 8, 2007, 12:14:50 PM11/8/07
to Midiateca da HannaH
A EMERGÊNCIA DO CYBERSPACE E AS MUTAÇÕES CULTURAIS
Pierre Lévy

O que seria o espaço cibernético? O espaço cibernético é um terreno
onde está funcionando a humanidade, hoje. É um novo espaço de
interação humana que já tem uma importância enorme sobretudo no plano
econômico e científico e, certamente, essa importância vai ampliar-se
e vai estender-se a vários outros campos, como por exemplo na
Pedagogia, Estética, Arte e Política. O espaço cibernético é a
instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos
os computadores. Atualmente, temos cada vez mais conservados, sob
forma numérica e registrados na memória do computador, textos, imagens
e músicas produzidos por computador. Então, a esfera da comunicação e
da informação está se transformando numa esfera informatizada. O
interesse é pensar qual o significado cultural disso. Com o espaço
cibernético temos uma ferramenta de comunicação muito diferente da
mídia clássica, porque é nesse espaço que todas as mensagens se tornam
interativas, ganham uma plasticidade e têm uma possibilidade de
metamorfose imediata. E aí, a partir do momento que se tem o acesso a
isso, cada pessoa pode se tornar uma emissora, o que obviamente não é
o caso de uma mídia como a imprensa ou a televisão. Então, daria para
a gente fazer uma tipologia rápida dos dispositivos de comunicação
onde há um tipo em que não há interatividade porque tem um centro
emissor e uma multiplicidade de receptores. Esse primeiro dispositivo
chama-se Um e Todo.

Uma outra versão é o tipo Um e Um, que não tem uma emergência do
coletivo da comunicação, como é o caso do telefone. O espaço
cibernético introduz o terceiro tipo, com um novo tipo de interação
que a gente poderia chamar de Todos e Todos, que é a emergência de uma
inteligência coletiva. Do interior do espaço cibernético encontramos
uma variedade de ferramentas, de dispositivos, de tecnologias
intelectuais. Por exemplo, um aspecto que se desenvolve cada vez mais,
nesse momento, é a inteligência artificial. Há também os hipertextos,
os multimídia interativos, simulações, mundos virtuais, dispositivos
de tele-presença. É preciso não esquecer, por outro lado, que a
própria mídia hoje está numa hibridação com o espaço cibernético, onde
ela se vê obrigada a se abrir para isto... Mas, o que há de comum
entre todas essas tecnologias, entre todas essas formas de mensagens?
O que implica uma mensagem numerada e os outros tipos de mensagens?
Uma mensagem numeralizada se caracteriza pelo fato de que se pode
controlar essa estrutura de perto e de maneira muito fina. Então, os
bits da informática são como gens na genética, isto é, a
microestrutura. Fazem parte de um conjunto de tecnologia e vão em
direção a um controle molecular de seu objeto, o que dá uma fluidez a
todas essas mensagens e lhes dá também a possibilidade de uma
circulação muito rápida. O que há em comum em todas as bases nos
bancos de dados do espaço cibernético? Não são as mensagens fixas, mas
um potencial de mensagens e que, dependendo de quem vai utilizá-los,
vai para uma direção ou outra. O que acontece é que, com isso, se
recupera a possibilidade de ligação com um contexto que tinha
desaparecido com a escrita e com todos os suportes estáticos de
formação. É possível através disso reencontrar uma comunicação viva da
oralidade, só que, evidentemente, de uma maneira infinitamente mais
ampliada e complexificada. Por exemplo, é isto que observamos com o
que acontece, hoje, com o hipertexto ou multimídia interativa. O
importante é que a informação esteja sob forma de rede e não tanto a
mensagem porque esta já existia numa enciclopédia ou dicionário.

Portanto, a verdadeira mutação se passa noutros aspectos. Em primeiro
lugar, não é mais o leitor que vai se deslocar diante do texto, mas é
o texto que, como um caleidoscópio, vai se dobrar e se desdobrar
diferentemente diante de cada leitor. O segundo ponto é que tanto a
escrita como a leitura vão mudar o seu papel, porque o próprio leitor
vai participar da mensagem na medida em que ele não vai estar apenas
ligado a um aspecto. O leitor passa a participar da própria redação do
texto à medida que ele não está mais na posição passiva diante de um
texto estático, uma vez que ele tem diante de si não uma mensagem
estática, mas um potencial de mensagem. Então, o espaço cibernético
introduz a idéia de que toda leitura é uma escrita em potencial. O
terceiro ponto que, sem dúvida, é o mais importante, é que estamos
assistindo uma desterritorialização dos textos, das mensagens, enfim,
de tudo o que é documento: tanto o texto como mensagem se tornam uma
matéria.

Assim como se diz "tem areia", "tem água" se diz "tem textos", "tem
mensagens" pois eles se tornam matérias como se fossem fluxos
justamente porque o suporte deles não é fixo, porque no seio do espaço
cibernético qualquer elemento tem a possibilidade de interação com
qualquer outro elemento presente. Então, isso não é uma utopia
daqueles que experimentaram, conhecem e participam da Internet. É como
se todos os textos fizessem parte de um texto, só que é o hipertexto,
um autor coletivo e que está em transformação permanente. É como se
todas as músicas passassem a fazer parte de uma mesma polifonia
virtual e potencial, como se todas as músicas fizessem parte de uma só
música, também ela virtual e potencial. Acredito que o texto não vai
absolutamente desaparecer com a informatização. O que vai desaparecer
é a noção de página, porque na etimologia a página se refere a um
campo e um campo com proprietário, com fronteiras delimitadas . Esta
página com o campo circunscrito está desaparecendo uma vez que os
elementos que a compõem navegam nos fluxos.
O espaço cibernético envolve, portanto, dois fenômenos que estão
acontecendo ao mesmo tempo: a numerizaqção que implica essa
plasticidade de potencial de todas as mensagens seria o primeiro
aspecto e o fato de que as mensagens potenciais são postas em rede e
fluxo é o segundo fenômeno.

Desta forma, o espaço cibernético está se tornando um lugar essencial,
um futuro próximo de comunicação humana e de pensamento humano. O que
isso vai se tornar em termos culturais e políticos permanece
completamente em aberto, mas, com certeza, dá para ver que isso vai
ter implicações muito importantes no campo da educação, do trabalho,
da vida política, das questões dos direitos, como por exemplo, no
direito de propriedade. Hoje não se pode ter um projeto técnico se
você não tiver uma visão cultural organizadora desse projeto, assim
como não se pode ter um projeto cultural sem incluir a técnica. Por
isto, é difícil estar distinguindo essas dimensões sociais, culturais
e técnicas.

O espaço cibernético se encontra também na origem de uma nova
arquitetura, de um novo urbanismo. Poderíamos até dizer de uma nova
política porque se trata de uma nova pólis que está se constituindo. É
assim que pedagogos, artistas, psicólogos, etc, que geralmente não se
interessavam por fenômenos técnicos tem passado a se preocupar com
estes problemas. O novo equipamento coletivo de sensibilidade, de
inteligência, de relação social está, de fato, nascendo em silêncio.
Trata-se de um equipamento coletivo de subjetivação. Para falar do
critério de escolha em relação a essa questão da técnica, o critério
que este novo equipamento propõe é um critério de escolha ética e
política.

O interessante nas possibilidades que se abrem com a emergência de uma
nova inteligência a partir disto é que se trata de uma inteligência
coletiva, ou seja, estamos na direção de uma potencialização da
sensibilidade, da percepção, do pensamento, da imaginação e isso tudo
graças a essas novas formas de cooperação e coordenação em tempo real.
Trata-se de equipamentos que podem ajudar o aprendizado e a aquisição
de saberes. Então, o inimigo necessário de ser evitado é o isolamento,
a separação. É preciso pensar em equipamentos de comunicação que, ao
invés de fazer uma difusão como a mídia tradicional (difusão de uma
mensagem por toda parte), faz com que esses dispositivos estejam à
escuta e restituam toda a diversidade do presente no social. Uma outra
coisa que é possível explorar é o fato de que estes equipamentos
favorecem a emergência da autonomia, tanto de indivíduos quanto de
grupos, onde o inimigo é a dependência.

É preciso imaginar, então, que a partir desses sistemas de comunicação
quanto mais eles sejam utilizados mais eles se aperfeiçoam, se
desenvolvem, ficam melhores. O que acontece hoje é o contrário: as
informações vão se degladiando e cada um fica perdido nessa massa de
informações. Com as redes, podemos pensar equipamentos de tecnologia
que possam permitir que cada um se beneficie dessa inteligência.
Eu vou colocar alguns exemplos em campos diferentes, como a semiótica,
epistemologia, artes e política. Começando pela semiótica eu vou
propor um exercício de pensamento. Suponhamos que a gente dispõe de
todos esses equipamentos atuais mas não se tem uma escrita alfabética,
por exemplo. Vamos imaginar que fosse preciso inventar uma escrita não
dispondo da escrita alfabética e sim dispondo de todos esses
equipamentos. Seria uma escrita alfabética o que inventaríamos? Eu
acho que não, porque a escrita alfabética serve par anotar o som.
Hoje, a gente tem infinitos meios de gravar o som e não precisamos
mais de uma escrita alfabética. Mas há também escritas que vão colocar
conceitos ou idéias como é o caso dos ideogramas chineses ou as
escritas matemáticas.

Quando o alfabeto foi inventado só se dispunha de suportes fixos e, no
entanto, agora dispomos de suportes de outro tipo. Eu acho que a gente
está longe de ter explorado o que essa variedade de novos suportes
permite. O que se costuma fazer é produzir imagens na multimídia que
tem a ver com o suporte estático anterior. Hoje, por outro lado, se
poderia estar inventando o que se chama de ideografia dinâmica, que
explora completamente a inteligência e o caráter dinâmicos desses
novos suportes, constituindo-se numa introdução a modelos mentais com
toda sua plasticidade e dinamismo. Isso se encontra nos jogos de
vídeo, que é o começo de uma linguagem animada. Mesmo quando o
conteúdo cultural dos jogos de vídeo não seja extraordinário há, sem
dúvida, um potencial muito interessante. A partir desse modelo a gente
vê surgir novas formas de conhecimento por simulação que é muito
diferente do estilo teórico hermenêutico que se apóia no estático, na
verdade universal e em critérios de objetividade. Os novos critérios
têm, ao contrário, a capacidade de mudar em função do contexto local.
Quanto ao aspecto epistemológico algo interessante também acontece. Em
linhas gerais, podemos dizer que a humanidade desenvolveu quatro
ideais ou tipos de relação com o saber. Antes da escrita, o saber era
ritual, místico e encarnado por uma comunidade viva. Tem um ditado
africano que diz que quando um velho morre é uma biblioteca que pega
fogo, que se incendia. Temos um segundo tipo ideal de relação com o
saber que é o ligado à escrita, o saber trazido pelo livro. Em geral é
um livro único suposto a conter tudo, como por exemplo, a Bíblia. Aí a
figura do conhecimento não é mais o velho, mas o comentador, o
intérprete.
Com o advento da imprensa, há um novo tipo ideal que não é mais o
livro mas a biblioteca. Como vocês sabem as enciclopédias do século
XVIII, na França, já eram verdadeiras bibliotecas porque eram volumes
e mais volumes. Cada palavra, cada tema remetia um a outro e, assim,
já era uma espécie de hipertexto, cuja navegação na biblioteca já era
muito diferente do que o livro. Do comentador e intérprete passamos à
figura do sábio ou erudito.

Hoje, entretanto, estamos assistindo à desterritorialização da
biblioteca. É como se estivéssemos voltando às origens, onde o
portador do saber era a comunidade viva, claro que de uma forma muito
mais ampliada e diferenciada. Atualmente, o hipertexto não consegue
conter a velocidade com que circula a informação. Como a informação é
fluxo é como se o coletivo novamente fosse portador do conhecimento.

Então, o novo portador do saber no nosso novo horizonte seria a
própria humanidade. Estamos falando não da humanidade no sentido
genérico mas de uma humanidade viva enquanto espaço cibernético. O
espaço cibernético aqui é entendido como esse espaço virtual onde a
comunidade conhece a si mesma e conhece seu próprio mundo, porque são
duas faces da mesma coisa. Não se trata mais de uma enciclopédia mas
de uma espécie de plasmopédia, isto é, um espaço de saber vivo e
dinâmico (para quem teve a oportunidade de conhecer o projeto das
árvores de conhecimento que eu apresentei ontem, é justamente essa
perspectiva que se encontra aí exemplificada).
Eu vou concluir com algumas observações no campo político. A
configuração dominante da esfera política hoje é a mídia com essa
estrutura triangular - mídia, sondagens, eleição - onde cada ponto
reforça ao outro. As pesquisas reforçam a mídia, a mídia reforça as
pesquisas, que reforça a eleição e por aí vai, numa estrutura fechada
a três. É uma espécie de estrutura em estrêla onde se tem um centro,
que parte lá de cima e depois uma periferia na base.

Desta forma, as questões que são colocadas nestas pesquisas para a
eleição já chegam prontas e aquele que responde tem a possibilidade de
pensar e se colocar, dizendo sim ou não. O outro elemento do triângulo
é o das eleições, onde eu voto como representante, onde cada pessoa
que vota participa de uma balança e o voto vai ajudar a balança a
pender para um ou outro lado. O que se faz, nestes casos, é utilizar
uma espécie de poder de massa para que uma ou outra pessoa, um ou
outro programa chegue ao poder. Para isto, não se utiliza praticamente
nada no sentido de trabalhar a imaginação e a inteligência das
pessoas.

Então, não se tem o majoritário mas, por outro lado, a singularidade é
algo que é apagada. Hoje, com a emergência do espaço cibernético
podemos imaginar a emergência da imaginação e da inteligência das
pessoas de uma outra forma, onde as pessoas não vão estar separadas
entre si e ligadas todas em relação ao centro, mas onde serão
multiplicadas as conexões transversais entre eles. E, nesse espaço de
elaboração e decisão política, poderão se constituir maiorias e
minorias diferentes para cada problema: cada problema vai constituir
uma maioria e uma minoria. Aí, o pertencimento político não vai
remeter a uma categoria massiva, a priori. Ele vai dizer respeito a
uma configuração singular dentro de uma geografia de problemas
limitada e construída permanentemente pela própria coletividade.

Temos, portanto os meios de restauração de uma democracia direta e em
grande escala, porque, até agora, a democracia direta só podia
funcionar em pequena escala, fazendo com que para milhares de pessoas
espalhadas em territórios mais distantes não fossem envolvidas. Com o
uso de novos instrumentos técnicos dá para fazer uma democracia direta
distinta do sistema de representação (cuja organização política remete
a um centro de decisão e que está completamente obsoleta na medida em
que é tecnicamente obsoleto que as decisões sejam centralizadas).


Palestra realizada no Festival Usina de Arte e Cultura, promovido pela
Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em Outubro, 1994. Tradução:
Suely Rolnik. Revisão da tradução transcrita: João Batista Francisco e
Carmem Oliveira.

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