Duas páginas: Visões da Gestalt Terapia
Paulo Barros
março/2000
Citação lembrada por meu amigo Liomar Quinto de Andrade.
“I should only believe in a God that would know how to dance.And
when I
saw my devil, I found him serious, thorough, profound, solemn:
he was the
spirit of gravity--through him all things fall.
Not by wrath, but by laughter, do we slay. Come, let us slay the
spirit of
gravity!I learned to walk; since then have I let myself run. I
learned to
fly; since then I do not need pushing in order to move from a
spot. Now am
I light, now do I fly; now do I see myself under myself. Now
there danceth
a God in me.”
Thus spoke Zarathustra. Nietzsche.
Etext obtido no Projeto Gutemberg (Visite)
1- O que se passa no terapeuta:
O Como e o O que ao invés do Porque;
Esquecer a mente e voltar aos sentidos; Awareness.
O Gestalt terapeuta estará aberto, alerta, atento, ou como dito em
outro
trabalho.Vivo, preocupado, voltado para, conoscente, consciente,
buscando,
relacionando-se com alguém, sapiente, sensível, alerta,
testemunhando. E não
apenas voltado para o esclarecimento de significados ou origens do que
esteja
presenciando. Atento ao que ouve, ao que vê, ao ser vivo que se
constitui e se
expressa em sua presença. Atento a como reage a isto tudo; ao que
sente, ao que
fantasia, ao que imagina, ao que lembra. Atento às impressões que este
acontecer
suscita em si. Atento ao outro e a si.
Não é de admirar que a Gestalt Terapia viesse a se tornar uma
abordagem
dialógica. Nascemos e somos constituidos em relações. Somos com o
outro, para o
outro. A interlocução, como dinamismo essencial de absorção, é a
parte que
faltou explicitar na metáfora digestiva da GT. Neste momento em que
escrevo,
meus outros estão no passado e no futuro. No convite que instigou a
produção
deste texto. E em quem no futuro nos vier a ler. Sou o texto em
busca de
leitores. No momento o texto e eu nos constituimos. Dialogamos. Nos
bastamos de
improviso. Provisóriamente. Embora por hora nos bastemos, não
sobreviveremos sem
leitores. Nossa razão de ser está em outra parte. Nos falta o
essencial.
2- O que o terapeuta faz:
Contato, Suporte, Focalizar, Experimentar
O Gestalt terapeuta testemunha, acompanha, recebe, acolhe. Expressa-
se
com clareza. O que sente, o que pensa, o que propõe, o que lembrou, o
que
fantasiou, o que entendeu, o que não entendeu, o que imagina possa
ajudar, em
que o cliente poderia prestar atenção. Em si e nos outros. Em suas
relações, ao
estar sozinho, ao estar em contato com suas dificuldades, ao ser
elogiado, ao
ser criticado, em cada coisa que vive. O terapeuta pode propor que o
cliente
experimente prestar atenção em nuances e detalhes, de seus
sentimentos, de suas
fantasias, de suas relações, de suas dificuldades e satisfações. O
terapeuta
pode propor que o cliente experimente se expressar de outras formas.
Ali
consigo, dizer de outro modo, falar por imagens, ser mais claro e
direto, ser
mais suave ou enfático. O terapeuta pode propor que o cliente
experimente se
entregar mais ao que está sentindo, vivendo, acontecendo neste
momento. Ou ao
contrário, que cuide um pouco de si, que respire, que se afaste e
alivie um
pouco o que está vivendo. Se estiver perdido dentro de si que olhe
para o
terapeuta e esteja mais em contato com o estar junto. Se estiver
perdido no
contato, que se recolha um pouco e se dê conta do que está acontecendo
dentro de
si.
Não admira a Gestalt Terapia se interesse por Polaridades.
Muitas vezes
a solução está no avesso do desequilíbrio. No oposto do que se repete.
E aquilo
que se mostra é justamente o que não é. Vislumbrar o que está dentro,
dar acesso
ao que se esconde. Descer da gangorra, do sobe e desce e passear pela
amplitude
do parque. Raiva e dor, desejo e medo, alegria e tristeza, amor e
ódio, mano
Caetano já disse. Matou a charada: são o dentro e fora um do outro. O
avesso do
avesso do avesso... Polaridade é avesso.
3- O Processo:
Figura e Fundo, Repetições e Mudança, o Eu, o Tu e o Nós
Mas por acaso a vida para? E uma figura quando salta, não coloca o
resto
no fundo? Da mesma forma o avesso e o direito, não são da mesma peça?
O fundo
não é um espaço indiferenciado e passivo. Contém inversões que
prefiguram
impositivamente qualquer figura que possa emergir. O que a gente
enxerga, o que
à vista se mostra, não é sempre um pedaço? A vida que busca? Ou a
vista que
impõe?
Podemos estar atentos ao que acontece a cada passo. E nos darmos
conta
do que se repete. Como figura inacabada. Tentando ampliar chances de
liberdade.
Apenas a singularidade do instante encerra o inefável. Apenas nas
pequenas
singularidades de cada experiência se encontram passagens e
possibilidade de
transformações. Ao nos darmos conta do de repente, o repente cessa o
que se
repete. Como paradigma estaremos atentos ao presente, libertando o
futuro, e
talvez, desconstruindo o passado. Localizando bloqueios, interrupções,
desvios,
evitações, torções, inversões. Procurando dar fluxo ao que está
incompleto, ao
que não se pode expressar direito. Aquilo que se inverteu ao viver. E
continua
torcendo o vivido.
Em nossa tecitura o fio. Quantas vezes como um fio, por um
fio, ao
voltarmos sobre nós mesmos, não passamos por dentro e deixamos de
constituir o
Nós. De que redundam os buracos, a falta, o vazio infértil. Quantas
vezes como
um fio, ao voltar a mim mesmo, passo por dentro e ato os meus próprios
nós em
lugares errados. O nó na garganta, no estomago, nas costas o
pinçamento de um
músculo, no peito o coração apertado, o constrangimento, a vergonha, a
culpa e a
desculpa e nunca o perdão.
A nossa tecitura. Faça-se com um tecido desses as nossas
vestimentas.
Remendos que repuxam. Nos constrangem os movimentos. Para nada
prestam. Andar,
correr, saltar, se abaixar, sentar, descansar. Fica tudo repuxado.
Buracos que
nos desagasalham.O pudor, a exposição, a vulnerabilidade, o desamparo
a
impotência e o desespero. Experimente então dançar. Dançar a dança dos
véus com
um véu cheio de remendos e buracos. A nuance, a sutileza, a sugestão,
a graça, a
leveza, a intensidade, a liberdade, a força, a metáfora.? Perdidos
para sempre.
Fica tudo repuxado. A precariedade e força das metáforas.Que digo?
Este tecido é
vivo. O que nos repuxa são cicatrizes, inchaços, inflamações, dores, a
febre,
indigestões, o cansaço, aquase inanição. E viver assim. Por não ter
outro jeito.
Que digo? Este tecido é anímico. O que nos repuxa é o ressentimento, o
abandono,
a rejeição, a indignação, o aviltamento. A incompletude, a
dependência, o medo.
Desfazer nós e reconstituir Nós. Alguém ainda acredita que
isso possa
ser feito sozinho?Baah!!! E porque não?E por que não? Simples. As idas
e vindas
do fio serão sempre interlocuções. De mim para o outro, de mim para
mim, do
outro para mim, do outro para si, do outro para o outro, para o outro.
Para o
Nós.A cada momento a tecitura. O outro me distorce. Eu me inverto e me
retorço.
No que digo no que faço, no que sinto. Você torce o que eu digo, o que
eu faço,
o que eu sinto. O outro me acolhe. Eu me dissolvo, me entrego e me
resolvo.
Neste nó, neste aqui, a volta é por fora ou por dentro? Ir adiante ou
para trás?
Quem é que deva se mexer? Eu? Você? Vamos dançar?
Aguardo-te por supuesto...
http://www.hipernet.ufsc.br/foruns/gestalt/GT_na_WEB/GT_2000/GTVisoes2.htm