Interação no Cyberespaço: Real ou Virtual?

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Jun 29, 2008, 7:33:25 PM6/29/08
to Midiateca da HannaH

Interação no Cyberespaço: Real ou Virtual?



Como introdução à análise da interação online, este artigo irá
primeiro discorrer a respeito de como as práticas comunicacionais
influenciam a maneira como entendemos ou vivenciamos nossa
subjetividade. Faz-se uma comparação entre as práticas comunicacionais
associadas à cultura letrada tradicional, e aquelas pertencentes ao
período atual, que está sofrendo os efeitos da Revolução da Tecnologia
da Informação. Como exemplo, comparam-se os diários manuscritos do
século XVIII com a prática atual de escrever diários online. Ao final
do capítulo, são tecidas algumas considerações sobre aspectos de
realidade e de ficção nas interações virtuais.

_________________________________________________________________________


Maria Elisa Marchini Sayeg
psicóloga, doutora em Educação pela USP
-palestra apresentada integralmente no I PsicoInfo - Seminário
Nacional de Psicologia e Informática



Para tentar entender as qualidades ou características da interação,
precisamos primeiramente entender alguns tipos de sentimentos
("vivências da subjetividade") que estão associados com as novas
modalidades de comunicação mediadas pelo computador . Enfatizo que
existem diversas modalidades. Logo adiante, irei falar sobre cada um
dos conceitos apresentados no título deste artigo: interação,
cyberespaço, real, virtual. Mas, para iniciar, vamos voltar nossa
atenção para alguns aspectos da subjetividade associada às práticas
comunicativas mediadas pelo computador. Para situar o tipo de mudança
que estamos vivenciando, vamos voltar um pouco nossa atenção para os
sentimentos associados à cultura letrada tradicional.

As formas de comunicação e interação possibilitadas pelas novas
tecnologias inserem-se no seio da cultura letrada, e a modificam.
Myron C. Tuman, no livro Literacy in the Computer Age, faz uma
pergunta crucial: como estudar o impacto das novas tecnologias na
cultura letrada, quando aquilo que entendemos por cultura letrada é
condicionado pela tecnologia existente, muitas vezes de formas não
totalmente conscientes? (Tuman, 1992, p. 2). Em linhas gerais, Tuman
responde que, para entender o impacto do computador, devemos olhar
menos para a própria tecnologia, e mais para as práticas existentes no
seu uso, inclusive a leitura e a escrita. O computador não somente
estende essas práticas, mas as transforma. Devemos verificar o que as
pessoas fazem, como suas atividades se transformam.

Lembremos, para começar, que a escrita é uma tecnologia, que teve
grande impacto nas formas de organização social, bem como na
capacidade que conferiu às pessoas para organizar o pensamento,
inclusive o pensamento a respeito dos sentimentos. Como diz Walter
Ong, "mais do que qualquer outra invenção, a escrita transformou a
consciência humana" (1982, p. 78, apud Tuman). Tuman afirma, mais
especificamente, que com a difusão da cultura letrada com a criação da
impressão, com a distribuição de textos impressos, a escrita teve um
papel chave na formação da cultura moderna, ao permitir a expressão da
experiência individual - e, conseqüentemente, de múltiplas
experiências individuais. Ao que eu acrescento: multiplicidade essa
que portanto não é nova, mas será exacerbada na comunicação mediada
pelo computador, como veremos adiante.

Tuman mostra corretamente que a introdução de uma nova tecnologia não
afeta imediatamente as práticas sociais existentes. Assim, a invenção
da imprensa não mudou imediatamente os hábitos sociais de leitura. Por
exemplo, como também foi lembrado por Bolter (1991, p. 3) a imprensa
era usada para criar textos com aparência de manuscritos, com fontes
(tipos de letras) que imitassem o manuscrito, e com a distribuição das
palavras na página de forma típica dos manuscritos, sem explorar as
novas possibilidades oferecidas. A leitura permanecia sendo um evento
eminentemente oral e público, em geral na forma de leituras da Bíblia.
O ponto central defendido por Tuman é que não foi a criação da
tecnologia do texto impresso o que mais tarde transformou a
experiência de ler e escrever, mas a organização da sociedade surgida
com a experiência da industrialização e urbanização.

Alguns autores já estudaram a ligação entre o surgimento do romance e
a industrialização e urbanização. (O clássico é The Rise of the Novel,
de Ian Watt). Foi, de acordo com Tuman, uma recém criada classe média
que se tornou apaixonadamente atraída pela intimidade do detalhe, pela
privacidade compartilhada dos romances, como os de Samuel Richardson
na Inglaterra (autor de Clarissa e Pamela) ou os romances das irmãs
Brontë (Emily, O Morro dos Ventos Uivantes, e Charlotte, Villete).
Watt (apud Tuman, 1992, p. 6/7) aponta duas ironias nesse fato. Uma
delas é que essas experiências particulares e detalhadas fossem
exploradas usando um meio tão impessoal e público quanto o texto
impresso. E outra ironia é que o gênero literário novo que estava
"menos preocupado com o público e mais com a vida privada do que
qualquer um antes dele tivesse sido um produto da urbanização" (p. 7).
O que isso nos sugere? Talvez, de um lado, um indício do crescente
individualismo, da preocupação consigo mesmo; de outro, talvez, uma
resistência à crescente organização impessoal e burocrática das
economias modernas.

Diz Tuman que os leitores de romances, sozinhos em seus aposentos,
conheciam mais detalhes a respeito da vida privada de suas heroínas do
que muitas vezes conheciam sobre os membros da própria família. É
interessante ver como a criação de uma nova forma de vivenciar a
subjetividade, e de realizar a introspecção, foi mediada pela
imaginação, pela criação de personagens que se tornam modelos para a
existência de pessoas "reais". Logo, esse tipo de vivência levou à
criação de diários. "Novos leitores urbanos, pela primeira vez na
história, começaram a registrar seus próprios pensamentos íntimos", as
reflexões sobre os sentimentos e os relacionamentos, num novo gênero
literário, o diário. (p. 7)

Tuman e outros, como o historiador Peter Gay, mostram como esse
cultivo da subjetividade tinha uma contraparte no próprio arranjo
físico dos ambientes, das casas. Diz Tuman que o arranjo físico das
casas urbanas cria um santuário privado e íntimo, que faz um paralelo
com o refúgio íntimo propiciado pela leitura de romances ou pela
escrita de diários. Romances, diários, reminiscências pessoais, poemas
e até mesmo ensaios eram vistos como "uma vasta série de quebra-
cabeças (...)" nos quais "pensamentos privados intensamente sentidos
de uma pessoa eram engenhosamente empacotados para que outros lessem,
em seus aposentos, em espaços e momentos privados," (p. 7)
cuidadosamente zelados. Um ambiente da casa é reservado para a leitura
e a vivência da introspecção. Os próprios móveis favorecem o cultivo
da privacidade. Escrivaninhas cheias de gavetas, com chave, são
perfeitas para guardar segredos, cartas amorosas, para trancar os
diários.

As formas de vivência da subjetividade acima delineadas são típicas da
cultura letrada pós Revolução Industrial. Quais são as formas de
vivência da subjetividade típicas da cultura letrada de Revolução da
Tecnologia da Informação, no meio da qual estamos hoje?


Uma forma de paradoxo intrigante hoje em dia é o diário online. Na
cultura letrada anterior, o diário podia até ter aspectos públicos
(podiam vir a ser publicados, um dia); mas não eram criados com a
intenção de comunicar-se com o público, e sim, como uma forma de
cultivo da interioridade, da vivência emocional no ambiente e nas
relações privadas e selecionadas ("eletivas"). O diário online é
paradoxal, porque envolve a introspecção realizada num ambiente
totalmente escancarado, público, que é a Internet. No entanto, talvez
exista aí uma certa ilusão. A escrita sempre foi uma atividade mais ou
menos solitária. Ao escrever e imediatamente colocar sua página
online, a passagem do privado ao público não é imediatamente evidente.
Pode dar uma ilusão de segurança e privacidade, ao mesmo tempo em que
está escancaradamente colocada num ambiente público. Essa ilusão
talvez seja também propiciada pelo fato de que a maioria das pessoas
acessa a Internet a partir de seu ambiente privado em casa, no quarto,
no seu cantinho. A Internet cria um espaço público que não é
necessariamente sentido como tal. Talvez a quebra dessa ilusão comece
a ser sentida quando você ouve falar que, na intimidade quase secreta
da leitura de seu email, pode chegar um email intruso com um
dispositivo chamado "back oriffice", um programinha embutido que pode
franquear o acesso às intimidades do seu disco rígido para qualquer
intruso curioso localizado fisicamente em qualquer lugar do mundo.

A leitura e escrita no seu computador começa a refletir uma mistura do
público e do privado; do "interior" (íntimo, privado) com o
"exterior" (público, aberto, aparente, apresentável). Essa diluição de
fronteiras (interno/externo) não é nova, já vinha sendo delineada por
desenvolvimentos do próprio conhecimento científico, como veremos
adiante. A reconfiguração do público e do privado, acredito, também
pode ter correlações com as mudanças econômicas e políticas - uma
linha a ser investigada.

Voltando ao diário online, parece uma ironia que se proliferem tantos
relatos individuais em público, numa época em que cada vez mais
indivíduos tornam-se descartáveis, supérfluos (ao mesmo tempo em que
cada vez mais o novo software, a nova atualização ou upgrade se tornam
tão necessários). Mas esse tipo de tensão ou ambigüidade não é
diferente, neste aspecto, daquele verificado durante a
industrialização acelerada e urbanização durante a Revolução
Industrial.

À primeira vista, os relatos descritos no diário online são pouco
ficcionais, são de fato um escancaramento da "verdadeira" pessoa. No
entanto, parece que o que está acontecendo é o seguinte. A
"verdadeira" pessoa torna-se um personagem para consumo das massas.
"Empacotada" numa bela "embalagem" para tal fim - mesmo que o conteúdo
do que se descreve seja desagradável, agressivo, árido, ainda assim
trata-se de um produto. Poderíamos talvez chamar de "o cultivo da
subjetividade como produto".

O "cultivo da subjetividade como produto" não é, necessariamente, uma
aberração, mas sim uma possibilidade prevista na lógica da Revolução
da Tecnologia da Informação. Castells explica que as novas tecnologias
da informação não são somente ferramentas a serem usadas, mas
processos a serem desenvolvidos. Usuários e desenvolvedores tornam-se
o mesmo. Assim, os usuários podem tomar o controle da tecnologia, como
no caso da Internet. Ocorre uma aproximação entre a cultura (criação e
manipulação de símbolos) e a produção de bens e serviços (as forças
produtivas). Pela primeira vez na história, diz Castells, a mente
humana é uma força produtiva direta, não somente um elemento decisório
do sistema de produção. (Os bens são a informação, ou as formas de
processamento da informação).

Nesse quadro, parece-me consistente com a lógica interna desse
paradigma da Tecnologia da Informação o cultivo da subjetividade como
produto - já que a produção da cultura, a criação de símbolos, e a
produção dos bens e serviços tendem a se confundir.

Vejamos, agora, uma variação do diário online. Trata-se de um "site",
que foi bastante comentado há algum tempo, em que uma garota comum de
seus 20 anos, americana, colocou uma câmara sobre seu computador, em
seu quarto. Ela deixa a câmara ligada o tempo todo, mostrando seu
quarto, e o que ela estiver fazendo que esteja no campo de visão da
câmara. Essa imagem pode ser acessada por qualquer pessoa, de qualquer
lugar do mundo.

Trata-se, de fato, de um registro "diário". Mas o interessante é que
não se trata de compartilhar a intimidade de pensamentos, sentimentos
complexos, interpretações dos eventos intensamente vividos, como no
caso do diário fruto da cultura letrada tradicional. Mas sim, procura-
se mostrar, dar a conhecer, os detalhes materiais e aparentes, como é
o quarto, a cama, o namorado, a escova de dentes.

A bem da verdade, devemos lembrar que existe associado a essa câmara,
agora, um diário escrito, mas que não é a atração principal, nem
existia no começo da experiência desse site. (http://www.jennicam.org
- atente bem para o endereço porque existem "sites" pornográficos com
endereços eletrônicos parecidos, que não são objeto desta análise).

O interessante nesse site da JenniCam é que todo o aparato material
supostamente privado (ou associado à vivência da vida privada urbana
acima delineada), como a cama, a estante, a mesa de trabalho, o
quarto, a sala) perde o sentido primário ao se tornar público, ao ser
acessível para qualquer pessoa (há uma espécie de "explosão" do
conceito de privado; mas ainda sabemos que aqueles são índices da vida
privada. Isso cria uma tensão, uma oposição meio paradoxal que talvez
explique em parte o grande sucesso de audiência que Jenni tem na
Rede).

Uma digressão: essa confusão (ou a exploração da confusão) entre vida
privada e vida pública esteve presente no recente caso de exposição do
presidente americano. Trata-se de um fenômeno superficialmente
parecido. Digo superficialmente, porque no caso do presidente
americano há motivações políticas de direita muito bem arquitetadas
(com a devida exploração de um fenômeno possível e previsível na atual
configuração da sociedade de massas).

Voltando a atenção para as características da escrita na nova cultura
letrada, podemos dizer o seguinte: uma característica é o
favorecimento da padronização em detrimento da caligrafia, da
embalagem em detrimento do conteúdo verbal. Os textos (hipertextos,
emails, mensagens em chats), com isso, revelam que são produto de uma
sociedade capitalista. Podemos comparar, por exemplo, esse tipo de
tipografia padrão, industrial, do hipertexto, com a importância que a
caligrafia tem ainda hoje entre os povos árabes, como forma de
expressão visual e de estilo do artista, como forma de expressar
realidades sagradas ou existenciais. É uma arte que se baseia numa
rede de crenças, tradições, e instituições, como escolas de caligrafia
e religião, assim como o hipertexto se baseia numa rede de suporte, de
produção industrial e informacional, em uma cultura que se sustenta
nos computadores em uma miríade de aspectos. (nota 1)



Quais são as características mais gerais dessa cultura? Quais os
fatores tecno-econômicos que condicionaram essas novas formas de
cultura letrada?

Castells (1998, vol. 1) lembra que uma revolução tecnológica, centrada
nas tecnologias da informação, está reformulando, em passo acelerado,
a base material da sociedade. As economias ao redor do mundo tornaram-
se interdependentes, e surgiram com isso novas formas de
relacionamento entre economia, estado, e sociedade. No entanto, alerta-
nos, não podemos dizer, simplesmente, que a tecnologia causou isso
tudo. A tecnologia - em todas as épocas - permeia a sociedade, de
forma que não podemos nos ater a um determinismo simplista. Existe, de
fato, um certo entusiasmo milenarista ou profético, e uma manipulação
ideológica que caracterizam a maioria dos discursos sobre a revolução
da tecnologia da informação, prometendo uma "nova era" magistralmente
inaugurada pela expansão tecnológica e seus efeitos mágicos. No
entanto, se por um lado criticamos o milenarismo, também não podemos
subestimar a Revolução da Tecnologia da Informação. Para Castells
trata-se de fato de um acontecimento histórico maior, como foi a
Revolução Industrial no século XVIII. Só que, segundo ele, não podemos
falar de causalidade, porque as mudanças ocorridas na base material da
sociedade (nos dois casos) tornam a tecnologia, não uma fonte exógena
de impacto, mas o tecido mesmo no qual a atividade humana está
entretecida .

Mesmo assim, mesmo não se falando de causalidade, podemos rastrear a
história desses desenvolvimentos. No caso da Revolução da Tecnologia
da Informação, houve duas fases recentes importantes. Uma, entre 1940
e 1960, foi o impulso dado pelo chamado "complexo acadêmico-industrial-
militar", conforme nos mostra Paul N. Edwards em The Closed World. O
Estado americano, na forma das agências do Departamento de Defesa,
investiu consideráveis quantias de dinheiro em contratos com
Universidades e Institutos de Pesquisa, como o MIT, Harvard, e outros,
para a criação do computador e sua utilização num sistema de defesa,
bem como na aplicação do conceito de Comando e Controle nas guerras
como a do Vietnã.

Uma segunda fase ocorreu em 1970, que Castells chama de "a revolução
dentro da revolução". Ocorreu no chamado Silicon Valley, o Vale do
Silício na Califórnia, uma região que se mostrou propícia ao avanço
tecnológico pela concentração de institutos de pesquisa e ensino
superior, e novas empresas, mais ágeis e dinâmicas que as grandes
corporações. Nesse local, foi inventado o microprocessador, por um
engenheiro da Intel, em 1971, o que então possibilitou a criação do
primeiro microcomputador, o Apple, por Steve Wozniack e Steve Jobs em
1976. Castells nos lembra que mesmo o microprocessador foi um avanço
tecnológico possibilitado pelo acúmulo de tecnologia, desde a invenção
do transistor, em 1947, em New Jersey pelo Bell Laboratories, a
introdução do uso do silício pela Texas Instruments, até a invenção do
processo planar pela Fairchild Semiconductors (no Silicon Valley, em
1959), que possibilitou a integração de componentes miniaturizados com
precisão, o que possibilitou a criação do circuito integrado por Jack
Kilby, da Texas Instruments, e Bob Noyce, um dos fundadores da
Fairchild, do Silicon Valley, e o primeiro a fabricar circuitos
integrados usando o processo planar. O passo seguinte foi a mencionada
invenção do microprocessador pela Intel, também no Silicon Valley.

O interessante a notar é que, apesar do financiamento militar que
promoveu os estágios iniciais da cultura do computador, a "revolução
dentro da revolução" que ocorreu no Silicon Valley trouxe consigo uma
certa cultura da liberdade, da inovação individual, associada à
cultura nos campus universitários dos anos 60. Apesar de o Silicon
Valley ser um reduto do voto conservador, e da maioria dos inovadores
não ter atitudes políticas explícitas, "tinham uma atitude de quebra
de padrões de comportamento estabelecidos, tanto na sociedade em geral
quanto no mundo dos negócios" (p. 5). Isso explica, segundo Castells,
a ênfase em aparelhos personalizados, na interatividade, na formação
de redes (tanto físicas quanto comunitárias), e a busca frenética por
novidades tecnológicas mesmo quando não pareciam comercialmente
vantajosas. Assim, continua, "embora tenha sido o estado, e não o
empreendedor inovador em sua garagem, o iniciador da Revolução da
Tecnologia da Informação, sem os empreendedores inovadores essa
Revolução teria provavelmente características muito diferentes, e
provavelmente não se teria desenvolvido na direção de recursos
tecnológicos descentralizados e flexíveis que estão se difundindo em
todos os aspectos da atividade humana". (p. 60)

Podemos dizer que a revolução dentro da revolução marca a passagem do
computador de ferramenta (de comando e controle) para meio de
expressão individual, meio maleável a partir da criatividade
individual e palco para a encenação de dramas pessoais e criação de
personagens para veicular a experiência vivida, emocional, a
imaginação mesmo caótica.

Como diz Castells, o paradigma da tecnologia da informação não evolui
na direção do fechamento como um sistema, mas na direção da abertura
como uma rede de muitas beiradas.

Chamo a atenção para o seguinte: este artigo (bem como a palestra no
qual ele se baseou) faz parte do paradigma anterior, do modelo do
texto fechado cultivado no período da Revolução Industrial. Alguns
pesquisadores da cultura letrada, como Jay Bolter, já mostraram como
os hábitos de pensamento criados com o cultivo da escrita acabam
influenciando as formas de falar das pessoas letradas, mesmo em
situações informais e cotidianas. E, claro, também influenciam na
criação de gêneros discursivos orais da cultura letrada, como a
palestra. Assim como ocorre com o ensaio e o livro, o espaço
conceitual da palestra é um espaço fechado (com começo, meio e fim) e
argumentativo, isto é, possui certas regras de coesão e encadeamento
lógico entre unidades de texto/discurso. Esse tipo de cultura letrada
é, como indicamos, típico do paradigma tecno-social criado pela
Revolução Industrial. Já o paradigma tecno-social da Revolução da
Tecnologia da Informação favorece o modelo da rede (nas organizações
sociais, nas formas de aprendizagem e também na estrutura dos textos).
O modelo da rede é aberto, multi-direcional, sem fechamento e, numa
certa medida, imprevisível. É a experiência caótica dos "chats", por
exemplo. Traz a excitação da descoberta, da aventura.

O modelo da rede é aberto tanto com relação a possibilitar múltiplas
entradas quanto no sentido de que a direção de seu desenvolvimento
(discursivo, organizacional, etc.) é criada a cada momento, é
imprevisível de antemão. É "emergente", para usar um termo corrente na
Ciência Cognitiva atual.

Não vamos, no entanto, nos deixar enganar com essa característica de
"abertura". "O paradigma da tecnologia da informação é poderoso e
impositivo em sua materialidade", diz Castells. Isto é, permeia a base
material de nossa cultura, sociedade, etc., não podemos ignorá-lo nem
"saltar fora", porque não há fora. "Mas é adaptativo e aberto em seu
desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e formação de
redes são suas qualidades decisivas", ele continua.

Chamo a atenção para o aspecto que considero mais importante, abordado
por Castells em sua trilogia (The Rise of the Network Society, The
Power of Identity, e The End of Millenium), que é o seguinte:

Dado o caráter de abertura, múltipla participação e múltiplos pontos
de vista do modelo da rede, pode-se facilmente ser levado a acreditar
que se trata de um modelo democrático. O que Castells nos mostra em
sua obra, pela análise de vários casos específicos, empíricos, do uso
da tecnologia das redes (especialmente da Internet) em vários locais
do mundo, é que a rede se presta igualmente aos movimentos
democráticos quanto reacionários, aos reativos quanto aos pró-ativos,
aos de esquerda clássica (como o movimento camponês-indígena de
Chiapas, no México) quanto à nova direita (como os movimentos de
milícia americana, que tanto preocupam o governo federal dos Estados
Unidos). Em todos esses casos, o caráter aberto e descentralizado das
redes foi aproveitado com eficiência, mas em função de movimentos
políticos ideologicamente muito diferentes, muitos dos quais
essencialmente antidemocráticos.



Acho importante chamar a atenção para isso porque considero que, à luz
dessa análise, é uma ilusão pensar que o uso do modelo das redes no
ensino, por exemplo (Internet, hipertexto, hipermídia/multimídia) será
automaticamente, por direito próprio, democrático. Pode muito bem não
o ser, ou ser o contrário disso (mesmo em se tratando de um ambiente
restrito como uma sala de aula de colégio de elite; nem estou
considerando, ao dizer que pode ser não-democrático, o fato concreto
de exclusão material de um grande contingente humano do acesso às
redes e à nova cultura letrada). A única coisa que a introdução do
modelo da rede no ensino favorece é o adestramento dos alunos nos
comportamentos requeridos pela lógica interna do paradigma da
tecnologia da informação. Talvez um adestramento necessário para a
sobrevivência no mundo de hoje, mas que no entanto nada diz, nada
ensina e nada transmite, automaticamente, a respeito de valores e
afetos. A atuação da comunidade rodeante (família, professores,
colegas, líderes) é fundamental, ainda, para a direção em que a
tecnologia será usada, e para determinar se os afetos relacionados a
ela serão vividos de forma saudável ou indesejável.


Uma observação, agora, a respeito do termo paradigma, tantas vezes
utilizado aqui. Refiro-me ao uso adotado por Castells, mas
desenvolvido por três pesquisadores, Carlota Perez, Christopher
Freeman e Giovanni Dosi, que adaptaram a análise clássica das
revoluções científicas de Kuhn, aplicando-a às transformações
tecnológicas maiores nas sociedades. (nota 2)





A interação no cyberespaço: real ou virtual



Como prometido, vamos agora nos deter sobre os termos utilizados no
título deste artigo. Primeiro tomaremos o termo "cyberespaço" e o
dividiremos:

Espaço: o termo espaço sinaliza a mudança do computador "ferramenta"
para o computador "meio", tanto meio de comunicação e expressão quanto
meio ambiente, palco, espaço para a vivência dramática: vivência de
emoções e de personagens que projetamos nesse meio.

Espaço que, no entanto, deixa de ser literalmente espacial, perde suas
presumíveis características geográficas quando podemos saltar, em um
instante, da minha casa até uma universidade em Berlim, de lá até um
comitê político de mulheres na Palestina ou a um convento de
missionárias na China. Todas essas "mudanças" espaciais não são
perceptíveis na tela do computador, que mostra a cada momento uma
página mais ou menos parecida (a despeito da criatividade dos
webmasters), em seqüência rápida: o tempo transcorrido no percurso,
que dava a idéia de deslocamento espacial, é praticamente nulo; a
instantaneidade, a velocidade absurda abolem o espaço, ou a percepção
do espaço tradicional. Então, afinal, que espaço é esse? Cria-se uma
percepção espacial diferente, com suas possibilidades e limites
próprios. Para alguns autores (como Jay Bolter) cada forma de escrita
cria seu próprio espaço conceitual. O espaço conceitual do livro é o
de um argumento amarrado com começo, meio e fim. O espaço conceitual
do computador é o da deriva e simultaneidade de pontos de vista
possibilitada pelo hipertexto, pelo modelo da rede.

Cyber remete à cibernética. Para a cibernética, a separação interno-
externo não é a tradicional. Importam os fluxos e as regulações.

"Uma propriedade fundamental das máquinas é poderem ser acopladas.
Podemos acoplar duas ou mais máquinas inteiras de modo a formar uma
única máquina; e qualquer máquina pode ser encarada como constituída
pelo acoplamento de suas partes, por sua vez concebíveis como pequenas
submáquinas. O acoplamento é de profunda importância na ciência, pois
quando o experimentador desenvolve uma experiência ele se acopla
temporariamente ao sistema que estuda". W. Ross Ashby, 1970

E, acrescentaríamos, o humano ao usar o computador forma uma máquina,
um único sistema para determinado nível de análise. Lembremos que o
conceito de máquina em cibernética é um conceito formal, não tem
necessariamente a ver com um aparato físico específico.

Juntemos agora as duas expressões: Cyberespaço. Eis uma palavra
híbrida, uma mistura de inglês e português. O uso do inglês, é
evidente, remete ao traçado histórico do desenvolvimento dessa
tecnologia, de que não devemos nos esquecer; e também remete a uma
determinada situação geopolítica (afinal, quem determina os rumos do
capitalismo mundial, mesmo ou principalmente no novo paradigma tecno-
político? Acreditar que, de fato, qualquer um pode contribuir e
determinar a direção de seu desenvolvimento é mais uma das ilusões do
milenarismo na nova era tecnológica, mais uma ilusão que devemos
descartar).

Finalmente, o hibridismo também nos remete a um outro conceito menos
óbvio, a diluição das fronteiras, um fenômeno abstrato típico do
cyberespaço. Trata-se da diluição das fronteiras entre humano e
máquina, mas também, menos obviamente, entre humano e animal, diluição
essa proporcionada pelo paradigma cibernético (em que um mesmo sistema
formal pode ser usado para descrever robôs, computadores, máquinas, o
corpo humano, a mente humana, o organismo animal, a população de
animais, a sociedade, etc). Estou aqui pensando tanto na cibernética
clássica, como nos seus desdobramentos na Ciência Cognitiva atual, a
cultura das simulações, etc. A utopia (ou distopia) aqui é a busca da
engenharia social, individual, mental, além de organizacional,
técnica.

A diluição das fronteiras, ou o hibridismo, implica na concepção de
espaços impuros, categorias não dicotômicas, lembra-nos de um fenômeno
recorrente no cyberespaço que é o passar-se por um animalzinho, por um
robot (programa que responde automaticamente), ou por uma pessoa de
outro gênero sexual. Remete, aqui, à vivência das multiplicidades. A
expressão da multiplicidade já tinha sido anteriormente possibilitada
no paradigma da cultura letrada tradicional (Revolução Industrial):
isto é, a expressão de diversas vivências individuais possibilitava a
expressão da multiplicidade no corpo coletivo. Agora, a multiplicidade
pode ser expressa por cada indivíduo, pois sua expressão no
cyberespaço é multi-direcional, multi-participativa. Cada indivíduo
pode ser vários.

Em suma, a pessoa pode expressar-se de formas múltiplas no
cyberespaço, ou, como dissemos anteriormente, pode criar personagens,
torna-se ela mesma um personagem. Vamos aqui citar um caso famoso,
contado por Sandy Stone. Em seu livro, The War of Desire and
Technology at the Close of the Mechanical Age (A guerra entre desejo e
tecnologia no final da era mecânica), Sandy Stone conta-nos o caso de
um certo psiquiatra chamado Sanford que em 1982 adquiriu uma conta de
acesso no provedor CompuServe, e se conectou com o "nickname"
"Doctor" (uma prática comum nos chats, por exemplo). Sanford começou a
conversar no chat, uma mulher passou a conversar com ele no reservado
(nos chats, podem se conectar várias pessoas ao mesmo tempo e a
conversa pode ser pública, ou tornar-se reservada entre duas pessoas
quando elas assim selecionam). Sanford achou a conversa muito
reveladora, diferente de qualquer conversa que ele tinha tido antes.
Não sabia por que, até que percebeu que a mulher pensava que ele era
também mulher, porque o nick Doctor em inglês é neutro para gênero.
Sanford - depois relata - achou que podia se conectar passando por
mulher, para ter mais acesso às mulheres e assim poder ajudá-las com
seus problemas emocionais, empregando sua formação de psiquiatra.
Passou a conectar-se como Julie, e criou toda uma história e uma
apresentação para ela. Para não se revelar, ele teria que ter uma
desculpa plausível para que Julie nunca pudesse estar presente nas
reuniões ao vivo que os amigos que fez no chat freqüentemente
realizavam. Julie era então apresentada como uma mulher muito
inteligente e dinâmica, mas que havia sofrido um acidente terrível que
a deixara desfigurada e paralítica, o que a impedia de ter vida
social. O acesso ao computador era, então, a única vida social que ela
podia ter. E ela aproveitava bastante. Fez muitas amigas, dava-lhes
conselhos, por exemplo, estimulando uma amiga de meia idade a voltar a
estudar, apesar da oposição do marido dela. O personagem Julie - que
se apresentava como uma pessoa "real" - foi se desenvolvendo, ela era
espirituosa, imprevisível, às vezes conectava-se "viajando" por ter
fumado maconha, ou então, emitia opiniões fortes, dizia ser atéia;
tinha contatos bastante "quentes" de "sexo virtual" com seus amigos
online, e mesmo as amigas, etc. Foi desenvolvendo uma história, disse
ter conhecido pela rede um rapaz que era policial, bonitão, e que não
se importara com sua deficiência física e casou-se com ela. Julie foi,
então, viajar - apesar da inconsistência com a fase inicial da
personagem, que por ser supostamente desfigurada nunca saía de casa -
e enviou cartões postais, de fato, para os endereços reais de seus
amigos virtuais.

Aos poucos, o autor dessa personagem cada vez mais real, Sanford, foi
se sentindo desconfortável. Ele não era como Julie, tinha pouco
impacto social quando se conectava como Sanford mesmo. Ele não era
ateu, era judeu crente. Era careta, anti-drogas, nunca iria entrar em
uma interação de sexo virtual. Ele queria ir pouco a pouco abandonando
a representação de Julie, e se apresentar como Sanford, mesmo. Tentou
fazer com que Julie apresentasse Sanford como um amigo "incrível,
fantástico", só que sua atuação na rede não ficou à altura da
apresentação. Julie já era muito mais forte, mais "real" do que
Sanford na rede. Julie tinha se tornado uma persona paralela, algo
entre um personagem literário e uma persona social. Mas sua interação
com a vida das pessoas era real.

Então Sanford tentou "matar" Julie. Inventou que ela tinha ido parar
no hospital - o suposto marido policial conectou-se com a conta de
Julie e avisou seus amigos online. A comoção foi muito grande. Todos
queriam enviar cartões postais para ela. Como um hospital tinha sido
mencionado, enviaram cartões postais para lá. Tanto foi a comoção, que
Sanford voltou atrás e não teve coragem de "matar" Julie. No entanto,
algumas pessoas foram ficando desconfiadas. Alguém obteve o telefone
do hospital, e descobriu que não tinha nenhuma Julie de Tal internada
lá. Outras pessoas, mulheres que eram deficientes físicas na vida
real, e conheciam os problemas pessoais e interpessoais de serem
deficientes, também desconfiavam. Finalmente, veio à tona o "fato" de
que Julie "não existia".

Mas como "não existia", se tinha feito tantas amizades ao longo do
tempo, tinha até mudado a vida de algumas de suas amigas, por exemplo,
convencendo uma delas a voltar a estudar, dando conselhos afetivos
para outras amigas, etc? Os amigos - e principalmente as amigas -
passaram por um processo de luto pela "perda" da amiga Julie, e de
revolta por terem sido "enganadas", mesmo as que foram "ajudadas".

Stone relata um outro caso parecido, um outro caso de persona
artificial criada no Research Lab da Atari, em que o chefe do
laboratório foi apresentado para a empresa toda, Arthur Fischell, com
todo um perfil pessoal e profissional, interagia por email, telefone,
aparecia em videoconferência... mas era uma persona artificial e
ninguém percebeu. A pronúncia de Arthur Fischell, em inglês, é próxima
de "artificial". No caso, era um personagem/persona com criação
coletiva. As pessoas interagiam de fato com Julie, com Arthur
Fischell, como com outros seres humanos, normalmente.

Voltando um pouco do anedótico para o teórico, fica a questão: Julie e
Arthur Fischell são ou não reais?

Edwin Hutchins pergunta: por que os seres humanos atuais são mais
inteligentes do que os homens da caverna? Ele sugere que isso se deve
não porque sejamos mais inteligentes, mas porque desenvolvemos
ambientes culturais mais inteligentes nos quais funcionar. (segundo
Hayles, 1998) . Lucia Santaella chama de "expansão da noosfera", a
expansão do universo dos signos, a multiplicação de signos culturais
possibilitada pela fotografia, jornais, livros impressos, etc. que
mudaram os ambientes onde vivemos e funcionamos. Sem entrar numa
discussão filosófica sobre o que é real (mas podemos entrar logo mais
nessa discussão), podemos dizer que era tão real a interação dos
usuários da CompuServe com Julie, quanto com as manchetes do jornal
matinal.

Um pouco mais teoricamente, pelo paradigma cibernético, tratam-se de
signos sendo transferidos, todos são reais, todos podem interferir na
vida prática das pessoas. Todos criam possibilidades de resposta e de
regulação (social, pessoal).

Para finalizar, vamos agora introduzir uma distinção filosófica entre
real e virtual. Essa distinção serve para resgatar o conceito de
realidade objetiva, independente das interpretações e atuações
humanas.

Há algum tempo vi alguém propor a distinção entre real e virtual com
base em uma dicotomia simples: o real não depende de nós, o virtual
depende de nós. "Nós", imagino, referia-se a "seres humanos". Em
resposta, propus o seguinte: essa dicotomia é muito simples, vamos
aplicar a distinção que Searle propõe em The Construction of Social
Reality. Suponhamos que exista uma realidade objetiva independente da
existência de seres humanos (isto é, na terminologia de Searle,
fazendo referência a Putnam, o que existe para o "olho-de-deus").
Searle chamou-a de ontologicamente objetiva. Contrasta com o
epistemologicamente objetivo, que é o que existe somente porque os
seres humanos convencionaram que se trata de tal coisa, ou usam tal
coisa como parte da existência humana (que é ao mesmo tempo simbólica
e prática, cultural e ativa). Por exemplo, uma chave-de-fenda só é
chave-de-fenda porque existem seres humanos que tratam esse arranjo de
matéria (no exemplo de Searle, metal e madeira) como chave-de-fenda.
Mas, para o "olho-de-deus", só existe o metal e a madeira (são
ontologicamente objetivos).

Julie também existe somente porque acreditamos que existe (ou enquanto
acreditamos que existe). O virtual, portanto, é epistemologicamente
objetivo - e ontologicamente (inter)subjetivo, como a Julie de
Sanford, para os que interagiam com ela. Mas, ontologicamente
objetivo, talvez, seja só uma certa configuração de elétrons, silício
e carbono.





Maria Elisa Marchini Sayeg

psicóloga, doutora em Educação pela USP

palestra apresentada integralmente no I PsicoInfo - Seminário Nacional
de Psicologia e Informática

Conselho Federal de Psicologia

Centro de Convenções Rebouças, 1998

palestra disponível em vídeo





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASHBY, W. Ross (1970) Introdução à cibernética, São Paulo,
Perspectiva.

BOLTER, Jay D. (1991) Writing Space: The Computer, Hypertext, and the
History of Writing, Hillsdale, New Jersey, Lawrence Earlbaum
Associates.

CASTELLS, Manuel (1998) The Rise of the Network Society (Vol. 1 da
trilogia The Information Age: Economy, Society and Culture), USA/UK,
Blackwell Publishers (publicado inicialmente em 1996).

CASTELLS, Manuel (1997) The Power of Identity (vol. 2 da trilogia) USA/
UK, Blackwell Publishers.

CASTELLS, Manuel (1998) The End of the Millenium (vol. 3 da trilogia)
USA/UK, Blackwell Publishers.

EDWARDS, Paul N. (1996) The Closed World - Computers and the Politics
of Discourse in Cold War America, Cambridge, Mass., and London,
England, The MIT Press.

HAYLES, N. Katherine (1998) "Posthuman" email para a lista de
discussão do "Critical Forum <artistic practice in the network>
<eyebeam> < blast> " do Atelier Eyebeam (1 Feb to 30 April 1998)
eye...@list.thing.net [http://www.thing.net/eyebeam/msg00041.html] 09
Feb 1998

SANTAELLA, Lúcia (1996), Cultura das mídias, São Paulo, Experimento.

STONE, Allucquère Rosanne (1996) The War of Desire and Technology at
the Close of the Mechanical Age, Cambridge, Mass., and London,
England, The MIT Press.

SEARLE, John (1995) The Construction of Social Reality , New York,
Free Press.

TUMAN, Myron C. (1992) WordPerfect: Literacy in the Computer Age
University of Pittsburgh Press







NOTAS

nota 1

Calígrafo Árabe

O jornal Folha de S. Paulo publicou entrevista com Hassan Massoudy,
por Aida R. Hanania
Folha de S.Paulo, 10 Mar 1996, Mais!, p. 5-8. Hassan Massoudy é "o
calígrafo árabe mais conceituado da atualidade e, sem dúvida, o mais
destacado do Ocidente". Um traço marcante de sua obra é "(já pelo
conteúdo, já pela forma) a presença do Oriente e do Ocidente", sem
contradição mas em relação de complementaridade. A partir da
entrevista, faço algumas observações [grifos meus nas citações].

Destaco do relato de Hassan Massoudy sobre a arte da caligrafia,
algumas características:

1) A importância do aspecto sensorial - cores, lidar com os materiais
diferentes, talhar o instrumento ao seu gosto

Hassan Massoudy - "As letras têm ritmos visuais de grande beleza. Cada
letra, palavra ou frase, tem sua geometria latente; cada estilo
caracteriza-se por um aspecto que é reconhecido por todos: a
sensualidade das curvas para a escrita (estilo Diwani); traços curtos
e aproximados para o estilo da administração local (estilo Roq'a)
etc... Numerosas outras regras passaram a reger esta arte, sendo,
desde o século 10 até hoje, seguidas e valorizadas pelos estilos
farsi, thulthi, kufi etc. "

Massoudy - "(...) Talho o bico em viés, de maneira levemente
diferente, seguindo o estilo da caligrafia que pretendo fazer. É um
instrumento que se pode adaptar à sua própria mão, às próprias
necessidades. É um instrumento fantástico e o utilizo com freqüência.
Entretanto, ele tem uma limitação: sua largura. No passado, quando o
calígrafo desejava fazer grandes caligrafias, escrevia com dois
cálamos afastados por um pedaço de madeira da largura desejada para a
escrita; depois, enchia o espaço com pincel.


"No que me concerne, quando quero caligrafar palavras cuja largura é
maior que a do caniço, procuro materiais que, por sua textura, podem
substituí-lo. Experimento. Faço testes com vários materiais: esponja,
madeira, cartão, escova... e às vezes descubro novos materiais com
novos efeitos sobre o papel; são verdadeiros achados que jamais
imaginava descobrir. Quanto às tintas, eu mesmo as preparo (seguindo,
de perto, processos milenares), com pós coloridos e colas,
basicamente. "



2) A importância das conotações emocionais - trata-se de um belo
instrumento, que o homem usou para construir abrigos, fazer
flautas...

Massoudy - "Tradicionalmente, o calígrafo árabe utiliza um caniço
talhado (cálamo) para escrever. Gosto muitíssimo deste instrumento; de
início, porque é belo: é de madeira clara e reluzente; por outro lado,
trata-se de uma planta que o homem utilizou muito, desde a pré-
história, para construir abrigos. O caniço foi ainda, um dos primeiros
instrumentos de música: a flauta. Quando os homens puseram-se a
escrever, deixaram a marca de um caniço na argila fresca... "

3) A importância da inserção cultural e da criação de códigos - toda
uma estética foi criada nessa época, os califas davam recursos para os
calígrafos realizarem pesquisas, os calígrafos intercambiavam suas
experiências e estabeleciam códigos

Massoudy - "No primeiro século do Islã, a administração utilizava
muito a língua grega. Havia muitos tradutores gregos que trabalhavam
para os árabes. Eles introduziam em países do Islã numerosos
conhecimentos referentes à escrita. Mais tarde, a caligrafia tornou-se
a primeira arte do poder islâmico, concedendo muitos recursos aos
calígrafos para fazerem pesquisas. Conta-se que alguns ganhavam uma
quantidade de ouro equivalente ao peso dos livros que caligrafavam.
Toda uma estética foi criada nessa época. De início, os diferentes
estilos, isto é, as diversas interpretações gráficas de cada letra
relativamente à utilização variada da escrita: um estilo para o texto
sagrado, um para a correspondência do califa, outro para a poesia...

"No século 9º o Islã era um cruzamento dinâmico de encontros
culturais. Os calígrafos intercambiavam suas experiências. Códigos
foram estabelecidos para cada estilo; proporções ideais entre a
largura e altura, a forma interna da letra. Igual pesquisa foi feita
em face da construção de versos, da métrica em poesia e dos ritmos
musicais. (...) curvas para a escrita (estilo Diwani); traços curtos e
aproximados para o estilo da administração local (estilo Roq'a) etc...
Numerosas outras regras passaram a reger esta arte, sendo, desde o
século 10 até hoje, seguidas e valorizadas pelos estilos farsi,
thulthi, kufi etc. "



A escrita no computador também tem aspectos sensoriais (mais voltados
para o visual do que o lidar com os materiais), tem conotações
emocionais (mas talvez mais ligadas ao status, mas também ao
dinamismo, modernidade, velocidade), e depende da inserção cultural e
da criação de códigos, convenções, protocolos, e da criação de redes
de intercâmbio de experiências.



nota 2

As principais características do novo paradigma tecno-econômico para
Perez, Freeman e Dosi são:

1. "a informação é a matéria prima. Tratam-se de tecnologias para
lidar com a informação, ao invés de somente informação para lidar com
a tecnologia, como nos paradigmas anteriores."

2. "difusão ampla dos efeitos das novas tecnologias. Já que a
informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os
processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente
moldados (embora não determinados) pelo novo meio tecnológico. "

3. "a terceira característica refere-se à lógica de redes de qualquer
sistema ou conjunto de relacionamentos que usem essas novas
tecnologias da informação. A morfologia da rede parece ser bem
adaptada à crescente complexidade da interação e a padrões
imprevisíveis de desenvolvimento que surgem do poder criativo de tal
interação." [algo que já comentei neste artigo].

Castells, Manuel The Rise of the Network Society p. 61





Revista Tesseract

ISSN 1519-2415

www.tesseract.psc.br

Edição 5 - julho 2001

edit...@tesseract.psc.br






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