Como se tornou viva a vida?

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Jorge Mayer

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26 May 2023, 4:10:20 am26/5/23
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MEDITAÇÃO II

1. O universo espanta, assombra e esmaga o nosso entendimento. A Ciência não sabe como nasceu o universo, e sobretudo porquê. Pode alguma coisa vir do nada? Se o universo teve um começo, como defende a cosmologia científica do Big Bang, pergunta-se o que produziu esse começo. Os cosmólogos modernos parecem tão perturbados quanto os ateus sobre as potenciais implicações teológicas do seu trabalho. Alguns especulam que o universo emergiu do «nada». Mas o que é o « nada »? De onde surgem as leis da natureza? Porque temos estas leis e não um conjunto de leis diferentes? Como explicar que tenhamos um conjunto de leis que convertem gases inertes em vida, consciência e inteligência? A natureza aparece de tal forma ordenada, com regularidades tão matematicamente precisas e universais, que Einstein falou delas como «razão encarnada» e Mente de Deus. Afirmou o ateu Stephen Hawkins, na parte final da sua vida: «A impressão esmagadora é a existência de uma ordem. Quanto mais sabemos sobre o universo, mais percebemos que é governado por leis racionais». E noutra passagem: «Continuamos a ter pela frente a questão: porque é que o universo se dá ao trabalho de existir? Se quisermos podemos definir Deus como a resposta a esta pergunta». Cientistas geniais como Newton e Einstein, e mais recentemente os pais da Física Quântica, Max Planck, Heisenberg, Schrodinger e Paul Dira pronunciaram-se eloquentemente no sentido de uma íntima conexão entre as leis da natureza e a Mente de Deus. Os cientistas que falam de uma Inteligência Superior propõem uma visão da realidade que emerge do coração conceptual da ciência moderna e que se impõe à mente racional. O notável filósofo contemporâneo Antony Flew sustenta que se trata de uma visão imperiosa e irrefutável.

2. Como se tornou viva a vida? Questiona este filósofo. Como pode um universo de matéria inanimada produzir seres com propósitos intrínsecos, capacidade de replicação e com uma «química codificada»? Como surgiu o primeiro mecanismo genético? A vida só conseguiu sobreviver dadas as condições favoráveis do nosso planeta; mas não há lei da natureza que dê instruções à matéria para produzir entidades dirigidas para fins e que se auto-reproduzem. Como explicar a origem da vida? A ciência não sabe como começou, quando começou e em que circunstâncias. Em 2020, o geneticista e biólogo celular britânico Paul Nurse, Prémio Nobel, no livro que editou justamente com o título «O que é a Vida», sustenta que a vida deve ser definida com base em três princípios: a. A capacidade de evoluir mediante a selecção natural. Para evoluírem, os organismos vivos têm de se reproduzir, têm de possuir um sistema hereditário que exiba variabilidade; b. O segundo princípio diz que as formas de vida são entidades físicas delimitadas. Existem separadas dos seus ambientes, mas em íntima simbiose com eles. A vida na Terra pertence a um único ecossistema vastamente interligado que incorpora todos os organismos vivos; c. O terceiro princípio refere que as entidades vivas são máquinas químicas, físicas e informativas. Constroem o seu próprio metabolismo e utilizam-no para se sustentarem, para se desenvolverem e para se reproduzirem. Em conjunto, estes três princípios definem a vida tal como existe actualmente na Terra, e esta vida, sublinha o autor «começou apenas uma vez». Se toda a vida faz parte da mesma árvore genealógica, que tipo de semente originou essa árvore? Ou seja, como começou a vida? A esta interrogação crucial, Paul Nurce não faculta uma resposta cabal. Tece conjecturas sobre o tema, mas acaba por confessar ( pag. 151) : «é muito difícil saber o que estava a acontecer nos primórdios da vida». O fisiólogo George Wald, também vencedor de um Prémio Nobel argumentou, num comentário que ficou famoso, que «decidimos acreditar no impossível: que a vida surgiu espontaneamente, por acaso». Anos depois já sustentava que foi uma mente preexistente que constituiu um universo físico gerador de vida. Essa é também a posição de um lote notável de cientistas e de pensadores: a origem da vida encontrámo-la numa Mente infinitamente inteligente.

3. O que é a pessoa humana? Porque surgiu, e para que fim? Na visão materialista, o homem não difere do animal. Como este, não é um ser livre e indeterminado, mas exclusivamente prisioneiro de códigos genéticos e ambientais. Postula o materialismo que a vida do espírito é produzida e determinada pela matéria, pelo que o homem não constitui excepção no reino animal. Cabe perguntar: o animal é responsável, tem consciência moral, cuida dos mortos, utiliza a palavra ou símbolos na comunicação, faz perguntas, pode prometer, ri, odeia ou tortura em vão, contempla e cria beleza, ergue edifícios jurídicos, professa uma religião? É claro que não. O monismo físico não consegue explicar a excepcionalidade humana. O homem pertence a uma espécie singular e única no universo. Nas palavras de Pico della Mirandola: «Se dos animais se espera tudo aquilo que serão», a felicidade do ser humano vai no sentido de «ser aquilo que quer». Ou no entendimento de Ortega y Gasset: «O ser humano é feito de uma matéria tão estranha que em parte é aparentado com a natureza e em parte não, ao mesmo tempo natural e fora da natureza, de algum modo centauro ontológico com uma metade na natureza e uma outra que o transcende ».De facto, como sublinhou Oriana Fallaci «o bem e o mal não podem ser uma coisa meramente de hemoglobina e de clorofila». Não somos seres para a morte, como tanto insistiu a filosofia existencialista do século passado. Não aceito que não vimos de lado nenhum e que vamos para nenhum lado. Não acredito que nascemos por acaso, e que quando morremos nos extinguimos inexoravelmente. É antiquíssima a resistência humana ao destino niilista da vida, ao nada como origem e ao nada como destino. O pensamento do nascimento como iniciação e da morte como passagem sustentam, como afirma o teólogo Pierangelo Sequeri no seu livro «A Iniciação», que «não somos nada e que não acabaremos no nada». Somos, diz este teólogo, «uma paixão de Deus e não uma anomalia do Universo».

4. Num tempo em que impera um sentimento desesperado de orfandade num mundo que pretendeu abolir a Transcendência e substitui-la leviana e ingloriamente por sucessivas mitologias vazias e estéreis, como sublinhou George Steiner no seu famoso livro « Nostalgia do Absoluto», desde o marxismo, à psicologia freudiana, à antropologia de Lévi-Strauss e às mistificações orientais, a que eu acrescentaria, mais recentemente, a insanidade e o delírio do wokismo, o ser humano vai acabar por regressar às origens. Sondemos a profundidade da nossa intimidade. É aí que se joga o nosso futuro. É aí que travamos a luta entre o conhecimento e a ignorância, entre o bem e o mal, entre o amor e a indiferença, entre o justo e o injusto, entre a matéria e o espírito. É aí que podemos buscar a bússola que orienta, a candeia que ilumina e o bordão que nos ajuda a soerguer quando tombamos nos caminhos da vida. É aí que sabemos quem somos, e para onde caminha a caravana onde nos integramos. É aí que reconhecemos que a vida tem um desígnio, tem sentido. E que a morte é uma passagem para outra margem. É aí que então entendemos, com Dostoievsky, que « somos cidadãos da eternidade». E com Goethe, que «a vida é a infância da imortalidade». E com Fernando Pessoa que «morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada». Porque, como afirma Maria Zambrano no seu livro «O Homem e o Divino» no ser humano resplandece a sede e o anseio de uma vida divina sem deixar de ser humana, uma vida divina que o homem parece ter tido sempre como modelo prévio…». Como esta autora, entendo que o ser humano tem sede do sagrado e da transcendência, porque é obra divina. Quando se busca Deus, esvai-se o sentimento de orfandade. Por outro lado, « somos parasitas numa partícula do universo que é a Terra», assim se exprime Bertrand Russell no seu magistral conto « O Pesadelo do Teólogo». Insignificantes que somos, e profundamente ignorantes, porque preferimos a jactância à humildade, a soberba à modéstia, a arrogância à simplicidade? Porque tentamos ser deuses na nossa incomensurável pequenez e na nossa absoluta e arrasadora insignificância?

Dinis Freitas

(texto publicado no Facebook em 2023.05.20)
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