Sofrimento e pensamento filosófico

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FMM

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May 7, 2009, 1:37:50 PM5/7/09
to com-versando
É inegável que o sofrimento é um dos temas tratados pela Filosofia ao
longo da sua História. Também o é que o sofrimento é uma das
experiências impulsionadoras do questionamento filosófico. É possível
que problemas tipicamente filosóficos possam ser descritos como parte
do conteúdo ou explicitação de certas formas de sofrimento.
Finalmente, é plausível que tais explicitações possam ser tomadas como
elementos ligados às causas dessas formas de sofrimento.

Posto isto, faz sentido perguntar se a Filosofia e o filosofar podem
ter algum impacto sobre o modo de experienciar o sofrimento. Mais
arrojadamente se pode perguntar se algum alívio se pode retirar da
Filosofia e se, por fim, algumas formas de sofrimento podem ser alvo
de um “tratamento filosófico”.

Gostaria de conhecer a impressão dos membros deste fórum. E, caso
algum de vós considere que a Filosofia e o filosofar podem contribuir
para uma suavização do sofrimento, então, seria importante procurar ir
ao concreto, apresentar casos particulares, dar exemplos de situações
vividas por conhecidos, amigos, familiares ou na primeira pessoa.

É claro que não se pede nem se pretende que as pessoas se exponham ou
exponham outras que certamente lhes merecem fidelidade. Assim, se
alguém quiser apresentar algum caso, deverá ter o cuidado de não
referir nomes nem dar qualquer indicação que permita aos leitores
identificar a pessoa ou pessoas em questão.

FMM

Paulo Carvalho

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May 7, 2009, 5:58:03 PM5/7/09
to com-ve...@googlegroups.com
Filipe,

tenho impressão que o texto que postei hoje no Perigo corresponde de certo
modo a este desafio teu...
Mais ainda o romance que cito. Porque da dor só se pode falar em nome
próprio.
E não se pode falar. E deve-se fazer com que fale: para que ganhe sentido.
Dar sentido à dor; é o que nos resta...

Abraço,

Paulo

Ricardo

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May 23, 2009, 8:38:59 PM5/23/09
to com-versando
Basta olhar a Boécio na sua consolação da filosofia.

Ou então Hannah Arendt e Simone Weil. Ou então à fase final de
Abelardo.

David Silva

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Jun 4, 2009, 12:52:24 PM6/4/09
to com-versando
A Filosofia é provavelmente uma das mais importantes, senão a mais
importante, ferramenta que nos ajuda em relação ao sofrimento, porque
talvez com a Filosofia podemos perceber o que é o sofrimento, ou se
haverá até razão para sofrer, porque eu costumo pensar para mim: "A
nossa vida é tão longa como uma formiga é grande no Universo", e se
formos a ver pensamos no porquê do sofrimento, um dia nós morremos e
todos os que conhecemos morrem também e ninuém se lembrará do nosso
sofrimento, nem nós por isso deixaremos de sofrer, o que me leva a
pensar que o melhor é mesmo aproveitar a vida ao máximo, da melhor
maneira que consigamos. Mas como desde sempre houve e haveram pessoas
insatisfeitas com certos aspectos da vida e tentam ao máximo superar
muitas barreiras da mesma tentando descobrir as mais variadas razões
acerca dos mais variados aspectos da vida. Assim sendo o "sofrimento"
tem uma defenição infinita, dependendo de pessoa para pessoa, porque
se perguntarmos a muitas pessoas que dizem que sofrem muito, se lhes
perguntarmos qual a defenição de sofrimento ou porque e como sofrem
provavelmente ficam sem palavras...

Esta é apenas a minha opinião...

Abraço a todos
David

FMM

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Jun 4, 2009, 5:19:12 PM6/4/09
to com-versando
Caro David

Retenho da tua observação o que me parece mais fecundo:

1. O sofrimento pertence ao indizível, ao absurdo, ao ridículo, ao
espúrio.

2. O sofrimento tudo absorve quando está presente.

3. O sofrimento é intolerável.

4. O sofrimento contém em si mesmo uma exigência de auto-refutação.

A lógica do sofrimento é a do paradoxo: ele é o não-sentido que se
expande com a mesma força com a qual exige ser anulado. O silêncio a
que nos obriga ressoa na voz dos gritos de quem sofre. Esses gritos
podem ser e muitas vezes são a única forma de lhe resistir. Outras
tantas vezes, é com palavras, com ideias, até com cânticos, que se
combate o sofrimento. Ou ainda com o próprio silêncio.

Em todas as suas diversas formas, é sentido é o combatente que desafia
o sentido. É a única forma de o reduzir. Nisso, dou-te razão, a
Filosofia pode contribuir para o armar.

Mas não esqueças todas as outras formas possíveis de combater o
sofrimento: pensa nos hospitais, pensa na ajuda humanitária, pensa na
amizade, no amor, ...

Quanto à "subjectividade do sofrimento", é mesmo uma combinação
perfeita e é impossível de a desfazer. O sujeito é o que está sujeito,
o que se sujeita, o que padece, o que sofre, o que recebe. Ao
contrário do que foi defendido pelos pensadores da Modernidade, o
sujeito não é fundamentalmente o lugar da razão, mas sim o do
sofrimento. E o sofrimento nunca pode ser objectivado nem vivido na
terceira pessoa. E a tua constatação de que é difícil dizer o
sofrimento, ir mais além do que um "eu sofro", é talvez sinal, por um
lado, da sua indizibilidade, por outro, da urgência de o reduzir
dizendo-o.

FMM

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Jun 4, 2009, 6:28:57 PM6/4/09
to com-versando
Errata:

As minhas desculpas pela gralha "é sentido é o combatente que desafia
o sentido", que torna o parágrafo ininteligível". Devia ler-se "o
sentido é o combatente que desafia o não-sentido".

ar-jg

unread,
Jun 30, 2009, 6:56:12 PM6/30/09
to com-versando
Caros amigos

O sofrimento, o meu e os alheios, sempre foram motivo de larga
reflexão. Daí o ter lido este tema com muita atenção.
Penso voltar a intervir assim que possível, já que, de momento, me é
impossível.

Por agora, porque não posso alongar-me, deixo apenas uma breve nota
sobre uma frase de FMM quando afirma "E o sofrimento nunca pode ser
objectivado nem vivido na terceira pessoa".

É que dei comigo a pensar que, quando nos solidarizamos com quem sofre
(a perda de um ente querido, por exemplo) não estamos a sofrer também?
Ou, dito de outra forma, ao apoiar quem sofre, não estamos a absorver
ume parte desse sofrer? Não é nesse sentido que se usa (ou usava) a
expressão "mitigar a dor alheia"?

Não é também por este "sofrimento por contágio", permitam-me a
expressão, que os profissionais de saúde, e o caso dos psiquiatras é o
mais flagrante, recebem formação específica para, na medida do
possível, se "imunizarem" contra o sofrimento dos seus pacientes.

"Distanciarem", é o termo mais corrente e alguns, tanto se distanciam
que acabam por parecer, quantas vezes injustamente, aos olhos de quem
deles precisa, frios, desinteressados, desumanos...

Ou seja, para concluir, concordo que é difícil objectivar o sofrimento
alheio, mas não estou de acordo quanto ao "viver" o sofrimento de
outrem.

Deixo a "provocação" e fico a aguardar os comentários.

À falta de expressão filosófica adequada, relevem-me o recurso à
expressão popular, mas cheia de sabedoria, que afirma que este tema
vai certamente "dar pano para mangas"!

Permitam-me um intervalo de 15 dias e, se também fôr o vosso caso,
boas férias!
Armando
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