Mais uma excelente iniciativa! Parabéns aos incansáveis João Mendes, Evelyn Erickson e Mahan Vaz!
Gostaria de aproveitar o gancho para sugerir um tema adicional para discussão, ligado ao assunto *boas práticas em organização de eventos*. Contextualizo, antes de mais nada.
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Recentemente vi um evento brasileiro muito bacana ligado à área de Lógica, na Filosofia, ser divulgado com a informação de que "as palestras serão oferecidas em português". Também no último EBL, nosso grande evento nacional de Lógica, presenciei uma grande quantidade de palestras apresentadas em português (muitas vezes à despeito do fato de o resumo da palestra ter sido publicado em inglês, e a despeito da presença de vários estrangeiros não-falantes de português no evento). No mesmo evento também presenciei e ouvi reclamações de diversos colegas estrangeiros que _tentaram_ assistir palestras (com resumos em inglês!), mas chegaram às respectivas salas e encontraram as ditas palestras sendo surpreendentemente apresentadas *em português*.
Desde que cheguei à UFSC passei a ouvir o argumento, na graduação em Filosofia, de que a mera recomendação de um texto de estudos escrito em outra língua que não a brasileira consiste em uma iniciativa "contra a inclusão no ambiente universitário". Curiosamente, aparentemente não se considera que o uso de publicações escritas _unicamente_ na língua pátria acaba gerando uma *exclusão* dos nossos alunos e pesquisadores de tudo que ocorre no circuito mundial, bem como uma *exclusão* da participação de eventuais pessoas que não falam ou entendem português (no câmpus da UFSC, segundo pesquisa recente, há falantes de pelo menos 32 outras línguas [1]). De fato, destoando do resto da universidade, são _pouquíssimos_ os pesquisadores do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC que publicam rotineiramente em qualquer outra língua que não seja o português... (Vale recordar, a propósito desta conversa, que a UFSC nasceu no terreno de um _campo de concentração_ no qual ficaram internados cidadãos brasileiros [2], "uma parte expressiva presa por ter falado alemão ou por ter sido denunciada por falar alemão, ou ter livros em alemão ou em outras línguas".)
O fenômeno anti-multilinguista não é exclusivo da Filosofia. A Sociedade Brasileira de Matemática organiza periodicamente encontros bilaterais entre Brasil e o país X, onde X já foi Espanha, França, Itália, Portugal, etc. Participei da organização de sessões especiais de Lógica em vários destes eventos, mais recentemente do encontro Brasil-México. Na página deste último evento está escrito que "Brazil and Mexico play a leadership role in Latin American mathematics and have a strong tradition of fostering international partnerships. In particular, there has been longstanding collaboration between researchers from both countries. We believe that a dedicated bilateral event will strengthen existing partnerships and create opportunities for new forms of cooperation." Neste contexto, fiquei muito triste em receber de um participante da nossa sessão a reclamação de que Samuel e eu havíamos circulado por vezes as comunicações por correio eletrônico "exclusivamente em espanhol", por havermos assumido, para economizar trabalho, que os falantes brasileiros compreenderiam esta língua com mais prontidão do que os espanhóis entenderiam português (noto que a minha própria proposta, que repete o que tenho dito há mais de vinte anos, foi simplesmente de que cada um *se comunicasse e escrevesse mensagens na sua própria língua*). Além disso, reclamou-se do risco de que, na sessão que organizamos neste último evento bilateral com o México, uma palestra fosse eventualmente apresentada *em espanhol* (o que por fim não aconteceu, até onde sei).
Finalmente, vale notar que na pós-graduação o Brasil é um dos poucos países que eu conheço que exige proficiência em uma ou duas línguas estrangeiras. No entanto, a despeito desta exigência, o conhecimento prático destas línguas, por parte dos estudantes, é só "para inglês ver" (ou nem para isso!). Para quê serve tudo isso?
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A minha sugestão de tema para discussão para o evento que vocês estão organizando seria portanto a seguinte, que tem a ver com POLÍTICAS LINGUÍSTICAS:
<tema para discussão>
Até que ponto faz sentido anunciarmos ou mesmo organizarmos eventos científicos que decorram *exclusivamente em português* se almejamos fazer parte de uma comunidade mundial *multilíngue* e queremos conviver em um contexto de práticas acadêmicas de *internacionalização*?
Sobre a *necessidade* da prática plurilinguista em eventos científicos, e em particular nos eventos científicos organizados por nós-outros, gostaria de finalizar esta mensagem com um par de citações do colega Gilvan Müller de Oliveira, da UFSC, coordenador da Cátedra UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (ver [2]):
"Do ponto de vista epistêmico e estratégico, multilinguismo é, hoje, um paradigma para o tratamento da diversidade linguística e a ação sobre ela, paradigma associado nas políticas internas à democracia inclusiva e à superação das desigualdades sociais, muitas delas produzidas ou aprofundadas pela desigualdade linguística e, na política externa, associado à agenda de construção de um mundo multipolar, que coloque muitas línguas nos termos de troca entre as sociedades e os países, permitindo uma melhor circulação do conhecimento entre todos."
[...]
"Multilinguismo é, assim, antes de tudo um conceito político que tem a ver com o exercício da tolerância, da cidadania, do reconhecimento da diversidade e, nesse sentido, de denúncia e superação das políticas linguísticas monolíngues que tentaram – e tentam, porque muitas delas estão em curso – abafar essa pluralidade de manifestações."
Deixo aí, portanto, a questão para debate na comunidade. Abraços multilíngues e não-exclusivos,
João Marcos