[fora do tópico] contratos entre CAPES e grandes casas editoriais são sigilosos

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Hermógenes Oliveira

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Jul 23, 2016, 3:12:54 PM7/23/16
to logi...@dimap.ufrn.br
Olá, pessoal.

Há alguns meses atrás, por sugestão do João Marcos, solicitei à CAPES
informações sobre os contratos vigentes assinados com as quatro
maiores casas editoriais acadêmicas: Elsevier, Springer, Thomsom
Reuters e Wiley & Sons.

Após ser inteirado do resultado da solicitação, João Marcos me
encorajou, em conversa privada, a dar mais visibilidade ao assunto.
Embora meu primeiro impulso fora simplesmente deixar a coisa de lado,
resolvi deixar um registro público na esperança de que as informações
possam ser úteis a alguém, senão agora, talvez no futuro.

Entendo que esse assunto não seja de interesse particular da
comunidade de lógicos brasileiros, mas, como não participo de outra
comunidade acadêmica brasileira de interesse mais geral, decidi
registrar aqui os meus achados juntamente com alguns comentários.
Sintam-se à vontade para compartilhar essa mensagem em outras
comunidades acadêmicas, caso julguem de interesse. O que se segue é
baseado em recortes de mensagens que enviei em conversa privada com
João Marcos.

***

Informações gerais sobre os contratos assinados pela CAPES com casas
editoriais acadêmicas podem ser encontradas no Portal da
Transparência[1]. As informações ali não vão muito além de prazos e
valores. Porém, para que possamos saber as exatas condições de
barganha e também para determinar com precisão o que o contribuinte
recebe em troca pelos recursos públicos dispensados, é necessário
examinar os contratos *na íntegra*. Por isso, solicitei à CAPES cópia
dos contratos, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) nº
12.527/2011.

A resposta da CAPES me surpreendeu[2]: esses contratos são sigilosos e
estariam, portanto, no mesmo patamar de outros segredos de Estado como,
digamos, detalhes de estratégia militar. :-o

Uma vez que a diretriz estabelecida na LAI é "observância da
publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção" (Art. 3),
fico me perguntando o que possivelmente poderia estar escrito nesses
contratos que justificasse sua classificação como secretos. Segundo a
CAPES, a classificação está baseada nos incisos II e VI do artigo 23º
da LAI:

[Início de citação]

II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as
relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em
caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

[...]

VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e
desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas,
bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

[Fim de citação]

Para mim, a ideia de que tornar públicos os contratos firmados entre
uma agência pública de fomento e editoras acadêmicas possa "pôr em
risco a condução de negociações" ou "prejudicar [...] desenvolvimento
científico e tecnológico" é surpreendente e curiosa. Ademais, me faz
especular que esses contratos contenham algo de perverso e/ou que a
CAPES participe das mesas de negociação com as editoras como a parte
frágil e intimidada, e que o sigilo dos contratos seja mais para
benefício das editoras do que da CAPES e da população brasileira (a
despeito do que diz a LAI).

Em vista de um anúncio recente da CAPES[3], creio que os contratos
contenham cláusulas nas quais a CAPES se compromete com um controle de
acesso mais rigoroso. Em troca, a CAPES teria conseguido um desconto
de US$ 20.000.000,00[4]. Sem acesso aos contratos, porém, não há como
ir além da especulação.

A maioria das bibliotecas de universidades federais são públicas. Por
isso, era possível a qualquer cidadão, como usuário da biblioteca, obter
artigos científicos e se beneficiar do acesso pago pelos cofres
públicos. Eu mesmo já me beneficiei desse acesso antes de entrar na
universidade e em períodos em que não tinha vínculo institucional. Isso
está mudando. A biblioteca da universidade federal onde eu estudei, por
exemplo, estava tomando medidas para evitar que usuários não
institucionais tivessem acesso a computadores com os quais pudessem
acessar periódicos pagos.

As informações disponíveis no Portal da Transparência Pública são, de
fato, úteis, mas é difícil falar em transparência dos gastos públicos
sem que os detalhes dos contratos estejam disponíveis. É inocência
pensar que a mera divulgação do total pago e do nome da editora
acadêmica que embolsou o dinheiro público seja suficiente para a
transparência, pois muitas questões de interesse público só podem ser
respondidas examinando os contratos: Quem está autorizado a acessar os
periódicos? Os preços são fixos ou são baseados numa estimativa dos
possíveis usuários? Como essa estimativa funciona? Como são
calculados os preços? Os preços incluem suporte de integração dos
bancos de dados tipo SCOPUS e Web of Science ao Lattes?

Pedir a desclassificação dos contratos é perda de tempo, pois, salvo em
caso de erro grosseiro ou casos específicos previstos em lei (como o
caso de informação necessária a tutela de direitos humanos), seria
necessário arguir contra a fundamentação da decisão de classificação, o
que é impossível, pois, segundo a LAI, a decisão tem o mesmo grau de
sigilo da informação classificada (Art. 28)! :-(

É irônico que nossas agências de fomento, para as quais precisamos
implorar recursos para pesquisa e formação, seja compelida a ceder
milhões de dólares em mesas de negociação a casas editoriais cujo poder
de barganha está apoiado, em grande parte, no nosso (e de cientistas
estrangeiros) *trabalho voluntário*. Creio que a CAPES esteja disposta
a ajudar-nos[5] se quisermos mudar esse cenário, mas a responsabilidade por
essa situação ridícula é mesmo toda nossa.

Espero que passemos a pensar menos superficialmente[6] e de forma mais
séria sobre nossos modelos de publicação e que modelos alternativos
continuem melhorando e amadurecendo[7][8].

Notas:

[1] Informações básicas dos contratos com endereço para o Portal da
Transparência:

Contrato 49/2015. Assinatura da Licença de Acesso à Base de Dados da
Contratada compreendendo o conteúdo Societies Journals (Elsevier). Valor
para 12 (doze) meses de Contrato: US$ 10.458.300,02.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230560

Contrato 50/2015. Assinatura da Licença de Acesso à base de dados
Societies Bases (Elsevier). Valor para 24 (vinte e quatro) meses de
Contrato: US$ 10.745.985,40.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230561

Contrato 51/2015. Assinatura da licença de acesso à base de dados
Springer Journals Archive. Valor para 24 meses de contrato: US$
2.153.620,00.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230562

Contrato 52/2015. Assinatura da licença de acesso à base de dados da
Thomsom Reuters (Scientific) LLC. Valor para 24 meses de contrato: US$
5.597.047,44.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230563

Contrato 33/2015. Assinatura da licença de acesso ao conteúdo eletrônico
da base de dados Web of Science, fornecida pela THOMSOM REUTERS
SCIENTIFIC. Valor para dois anos de contrato: US$ 9.548.648,20.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230551

Contrato 29/2015. Assinatura de licenças de acesso ao conteúdo
eletrônico que compõe a WILEY SUBSCRIPTION SERVICES. Valor para 24 meses
de Contrato: U$8.367.370,70.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230548

Contrato 11/2015. Contratação do direito de acesso as BASES de dados
eletrônicos em texto completo SCOPUS, COMPENDEX e REAXYS (Elsevier).
Para atender aos dispêndios decorrentes da execução desta contratação,
serão necessários recursos financeiros da ordem de US$ 5.957.309,40.
http://www3.transparencia.gov.br/jsp/contratos/contratoExtrato.jsf?consulta=3&CodigoOrgao=26291&idContrato=230184

Informações sobre demais contratos com editoras acadêmicas podem ser
consultados selecionando a CAPES como órgão e a modalidade
"Inexigibilidade de licitação".

[2]
https://web.archive.org/web/20160723190242/http://sdf.org/~hhebert/SIC-CAPES-relatorio.pdf

[3]
http://capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/7908-acesso-aos-conteudos-cientificos-sera-realizado-exclusivamente-pelo-portal-de-periodicos

[4]
http://www.diretodaciencia.com/2016/05/18/capes-negocia-reducao-de-us-20-milhoes-em-contratos-e-mantem-portal-de-periodicos/

[5]
http://capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/7929-capes-lanca-novo-edital-para-apoiar-publicacao-de-periodicos-cientificos

[6]
https://scholarlykitchen.sspnet.org/2016/05/23/publishing-politics-and-reason/

[7]
http://www.nature.com/news/open-access-index-delists-thousands-of-journals-1.19871

[8]
http://abcnews.go.com/Technology/wireStory/biden-unveiling-public-database-clinical-data-cancer-39643084

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