O fanatismo é sempre um problema.
Imaginar que a teoria da Gramática Universal, que sugere que a
habilidade de aquisição de linguagem é inata ao ser humano, implique
que "precisamos de linguagem para pensar" parece um bom exemplo de
erro lógico. E concluir a partir de
"Se houver um déficit grave de linguagem, haverá um déficit grave de
pensamento",
que é impossível que um
"texto gramatical muito fluente"
possa existir sem que
"um pensamento subjacente coerente"
esteja na sua base parece um erro lógico pior ainda.
Além disso, hoje provavelmente temos contra-exemplos empíricos claros
para tudo isto.
Posso estar me lembrando mal, mas recordo-me claramente de Chomsky
apontar muitas vezes para o fato de que criaturas não-linguísticas
(como alguns animais) podem apresentar habilidades de resolução de
problemas e outras formas de raciocínio complexo, e também me recordo
de o próprio Chomsky ter chamado repetidamente a atenção para o fato
de que os seres humanos possuem diversas formas de raciocínio
não-verbal, por exemplo, com base visual ou abstrata. Então pode
haver um _pouquinho_ de sensacionalismo nestes anúncios feitos pelos
neurocientistas, né? Valerá a pena, de todo modo, conferir o artigo
desse pessoal, para avaliar qual seria seu real alcance, e avaliar se
os jornalistas não se perderam pelo caminho da "construção da
notícia":
https://www.nature.com/articles/s41586-024-07522-w
Haverá certamente gente muito melhor preparada do que eu nesta lista
para debater a hipótese chomskyana, com suposta base biológica, de que
a linguagem enriquece e expande as nossas habilidades cognitivas. Mas
é possível, também, que não haja muita gente aqui que duvide disso...
Não sou historiador, e talvez por isso desconheça a existência de
teóricos anteriores a Chomsky que tenham defendido de forma mais
explícita e clara, no campo da Linguística, a natureza *recursiva* da
linguagem humana. Saussure claramente não foi capaz de enxergar isso.
Isto, sim, foi uma verdadeira revolução, agitando as águas de uma
forma tão violenta que ainda hoje sentimos as marolas. Aqui na
Lógica, tendo em vista o trabalho igualmente monumental de Gödel e
Turing sobre a formalização da recursão, podemos fornecer
infra-estrutura teórica para tirar proveito deste movimento. E daí
nasceram contribuições importantes na fronteira entre Lógica e
Linguística, como a de Richard Montague (continuado por linguistas
como Barbara Partee, Irene Heim, Angelika Kratzer). Tendo tudo isso
em vista, eu diria: viva Chomsky! ;-b
Tendo me debruçado recentemente sobre textos escritos por linguistas
que trabalham na área de Semântica Formal, confesso que minha maior
preocupação tem sido a aparente débil formação lógica, que os leva com
alguma frequência a escrever algumas barbaridades...
[]s, Joao Marcos
On Sun, Jun 23, 2024 at 2:30 PM Carlos Augusto Prolo
--
https://sites.google.com/site/sequiturquodlibet/