Oi João!
Tou quase terminando de ler o livro da Jo Boaler que você recomendou,
o "Experiencing School Mathematics". Achei interessantíssimo!
Uma coisa que eu fiquei me perguntando é qual são os critério das duas
escolas do livro - Amber Hill e Phoenix Park - pra considerar que um
problema foi resolvido... deixa eu explicar isso melhor. Há uns
semestres atrás eu tentei usar esse livro daqui nos meus cursos:
http://hostel.ufabc.edu.br/~daniel.miranda/calculo/calculo.pdf#page=120aí na "#page=120" dele tem uns exemplos que eu pedi pros alunos
entenderem, completarem os detalhes e "traduzirem pra uma notação mais
matemática" - e pedi que eles fizessem do jeito deles, em grupo, e a
gente iria discutindo como melhorar. O resultado foi apavorante - o
máximo que eles conseguiam era escrever umas expressões matemáticas e
umas em português espalhadas pela página. Se eu tivesse um ou dois
meses pra trabalhar isso _talvez_ eles conseguissem chegar a algo
legível, mas a gente não tinha esse tempo...
Tem várias coisas que eu peço pra eles que deixam eles completamente
perdidos - e eu vejo que boa parte desse "perdidos" é porque eles não
fazem a menor idéia de como escrever, e quando eu disponibilizo alguns
exemplos de jeitos de escrever aí tudo funciona bem melhor. E
ultimamente eu tenho sempre disponibilizado exemplos escritos "do meu
jeito preferido", tanto no quadro, com uma letra feia e alguns erros,
quantos nos PDFzinhos LaTeXados que eu fiz, que são mais bonitos e são
revisados, e além disso eu dou links pra vários capítulos de livros -
então eles podem consultar tudo isso nos celulares deles durante as
partes da aula que são de exercícios e discussão. E eu tenho feito um
monte de comentários sobre porque nem sempre vale a pena copiar o
estilo dos livros... por exemplo:
1. Tem muitos pontos em que os livros escrevem algo difícil em uma
linha, de propósito e de sacanagem - o objetivo deles é fazer os
alunos estudarem, e aí pra entender aquela linha o aluno vai ter
que expandir ela - e ele vai levar várias horas pra fazer isso e
a expansão vai ocupar meia página, mas nesse processo o aluno vai
aprender um bocado...
2. Os livros tentam fazer com que o texto em português em torno das
expressões matemáticas (quase) nunca se repita, mas às vezes é
melhor só a gente usar umas poucas partículas em português, como
"então", "lembre que", "sabemos que", "seja", "queremos que",
"vamos supor que" e "vamos testar se",
3. Os livros falam muito pouco sobre coisas que dão errado - outro
dia eu fui procurar exemplos de "vamos verificar que a função tal
não é solução da equação diferenncial tal" e de encontrar
antiderivadas por chutar-e-testar, e não achei.
A Jo Boaler fala bastante no ESM sobre memória, retenção de
conhecimento e velocidade. Uma das coisas de Cálculo 1 que eu
precisaria que os alunos soubessem em Cálculo 2 é a regra da cadeia,
só que os alunos estão chegando em C2 só com lembranças super vagas do
que é a regra da cadeia, e eles aplicam ela errado. Pelo que eu
consegui descobrir em C1 eles aprenderam a regra da cadeia por um
método que só faz sentido 1) quando você decora ele bem e 2) quando
você vai precisa aplicar ele muito rápido e escrevendo o mínimo - é o
método em que você decora algo como "...o resultado é a derivada da
função aplicada na outra função vezes a derivada da outra função", e
como eles não guardaram nada do material do curso de C1 deles eles nem
sabem o que consultar pra reconstruir o que eles lembram desse método.
Eu tenho tentado fazer algo bem diferente disso: eu tou dando um curso
pra pessoas com memória ruim, em que elas sempre podem consultar os
exemplos que vão ser relevantes pra aula atual, e em que eu parto do
princípio de que elas vão esquecer tudo mas quando elas aprenderem de
novo elas vão reaprender bem mais rápido, e quando reaprenderem pela
segunda vez elas vão reaprender mais rápido ainda, e tal... e a cada
semestre eu vou melhorando mais o meu modo de expôr e os exemplos
consultáveis e os alunos de cada semestre seguinte conseguem aprender
mais do que os do semestre anterior...
Os meus cursos têm um monte de furos - por exemplo, eu até agora não
tenho material pra ajudar os alunos a entenderem coisas como isso
aqui,
http://hostel.ufabc.edu.br/~daniel.miranda/calculo/calculo.pdf#page=120e eu TENHO A IMPRESSÃO de que a maioria dos professores de Cálculo
trabalha muito a tradução entre "linguagem natural" e "linguagem
matemática"... só que eu nunca encontrei um que me mostrasse em
detalhes como ele faz isso. Imagino que se eu disponibilizar mais e
mais material bacana isso vai gerar bom karma e algum dia o universo
vai me pôr em contato com alguém que sabe me explicar como trabalhar
essa tradução. =/
Vou deixar as historinhas pra depois. Aliás não, vou contar uma agora.
Nos meus cursos eu insisto MUITO pros alunos aprenderem a nomear os
seus objetos, aviso que dá trabalho aprender isso mas é utilíssimo, e
tal... e eu tenho um aluno em Cálculo 2 que acha que o modo de
escrever que eu tento ensinar é péssimo, e aí ele tenta fazer tudo do
jeito dele. Pois bem, a prova de C2 foi ontem, e durante a prova ele
me perguntou se eu podia dar uma dicas sobre a questão 2. Na questão 2
eles tinham que lidar com duas EDOs e oito funções, e nas perguntas
dele pra mim ele chamava elas de: a equação, a equação, a função, a
função, a função, a função, a função, a função, a função e a função.
Depois de uns dois minutos eu disse que eu não ia conseguir ajudar ele
não, e que ele tentasse se virar.
"Aprender a nomear objetos" é uma das coisas que eu acho que vale mais
a pena fazer os alunos aprenderem - mesmo que eles esqueçam logo
depois eu acho que mesmo lembranças vagas disso vão ajudar eles
muitíssimo.
Mais depois =P,
[[]],
Eduardo