[ Continua aqui a discussão sobre o documento com proposta de "regras
de convívio" para esta lista:
https://docs.google.com/document/d/1nXljf_KASE8xIY9Vh8rrlTAPwZ7X9HnEzjTRNM7hWe4/edit?usp=sharing
]
Olá, Carlos:
Seguem algumas *considerações gerais*, seguidas da minha
*opinião/relato pessoal* sobre o tópico tratado pela REGRA 1.
* * *
Por um lado, o item IV do artigo 5o da Constituição Brasileira de
1988, em um capítulo intitulado "Dos direitos e deveres individuais e
coletivos", tratando do tema da "igualdade perante a lei", postula que
"é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
Note-se que esta é a mesma constituição que bane censura de qualquer
natureza (artigo 220). Por outro lado, a chamada Lei de Imprensa (lei
que "regula a liberdade de manifestação do pensamento e de
informação", promulgada em 1967 e julgada inconstitucional em 2009),
em seu artigo 7o, rezava que "No exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e de informação, não é permitido o
anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto
às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por
jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas."
Nota-se portanto que a matéria é motivo de alguma ---justificável---
controvérsia, e poderia gerar muita discussão (sem interesse imediato
para o tópico central desta lista), principalmente no que diz respeito
à veiculação de textos jornalísticos não assinados e informações com
fonte não identificada:
http://www.igutenberg.org/lei6.html
Vale acrescentar que a vedação da anonimidade também foi usada muitas
vezes para declarar inválidas ou ilícitas "delações anônimas", no
decurso de investigações ou processos criminais. Como eu disse, há
amplo espaço para discussão jurídica sobre a interpretação da doutrina
correspondente.
* * *
De minha parte, passei anos nesta lista empenhado em garantir a "livre
manifestação do pensamento", em combate a abusos de poder. Eu próprio
muitas vezes sofri publicamente ataques vis de alguns colegas, e os
tolerei em nome da liberdade de expressão. Também acho detestável,
Carlos, a tendência à idolatria ou "fanatismo científico", típicos da
Academia brasileira, mas não acho que haja muito que possamos fazer
com relação a isto, além de batalharmos incessantemente pela
importância do respeito (crítico) à opinião ou à crítica alheia.
Discussões bastante interessantes sobre os temas da "proteção da
privacidade", da "proteção da liberdade de expressão" e da "garantia
neutralidade da rede" tiveram lugar em anos recentes, aquando do
debate público sobre o Marco Civil da Internet. Mais uma vez, não me
parece que esta lista seja o fórum adequado para tratar mais
profundamente destes temas. Gostaria apenas de chamar a atenção aqui
para o entendimento comum de que a liberdade de expressão traz consigo
um *dever de responsabilidade com relação às manifestações emitidas*.
Dito tudo isto, confesso que não compreendo a que serviria o "direito
de postar anonimamente à lista". Se desejamos que as pessoas se
*responsabilizem* pelas opiniões por elas emitidas então _não_ é
suficiente a REGRA 3, que impõe o *registro perene* das mensagens
enviadas para a lista, mas é igualmente fundamental que os
responsáveis por estas mensagens *possam em princípio ser
identificados* pela administração (mesmo que se façam valer de
pseudônimos, cujo uso é perfeitamente válido). No caso de editoriais
não assinados de jornais, por exemplo, a responsabilidade pelo seu
conteúdo recai sobre os redatores das respectivas seções em que o
material é publicado, ou sobre o diretor / gerente da publicação.
Quem seria o *responsável* por um post (semi-)anônimo, no caso de uma
lista de discussão com conteúdo técnico-profissional como a nossa?
Se as estruturas de poder estabelecidas geram em alguns membros desta
lista o receio de que críticas contundentes possam ter um resultado
negativo para os seus autores, há de fato razão para nos preocuparmos.
No passado, a maneira como tentei ajudar a lidar com isto foi
costumeiramente através do recebimento em OFF, por parte de colegas,
de críticas ou sugestões que foram encaminhadas para a lista por mim
mesmo após a devida anonimização. Para garantirmos que tal
dispositivo continuará existindo (e poderá até ser ampliado) em uma
próxima administração da lista, a solução passaria pela implantação da
REGRA 11 do documento proposto à apreciação dos colegas, segundo a
qual passaria a haver a figura do ombudsman, que se encarregaria de
cuidar para que não houvesse abusos nem por parte de membros (anônimos
ou não), nem por parte da própria administração da lista. No ponto em
que estamos parece importante registrar práticas que já vêm sendo
implementadas há anos ou que desejamos ver implementadas no futuro.
Eu, particularmente, considero o (ab)uso da anonimidade inteiramente
deletério para *esta* comunidade. Sob tal ponto de vista, a REGRA 1
tem por principal objetivo estabelecer uma prática de
*responsabilidade individual* que me parece apenas desejável para a
saúde desta mesma comunidade. Tenho a esperança de que com isto
possamos evitar a evolução em direção à moderação discricionária, com
todos os riscos que isto pode trazer.
_Pessoalmente_, nada tenho a interpor contra os membros "anônimos
silenciosos". Ninguém pode ser obrigado a falar, se não quiser!
Aqueles que desejarem se manifestar publicamente, contudo, _na minha
opinião_, devem ser em princípio *identificáveis* (REGRA 1) para que
se possa imputar eventualmente a eles a responsabilidade pelo conteúdo
por eles criado (REGRA 3). Ainda, se a manifestação for contenciosa,
deve haver a possibilidade de recurso ao ombudsman (REGRA 11).
As opiniões dos demais colegas sobre este tema são bem-vindas.
Joao Marcos