Viva, Hermógenes, obrigado pela resposta. Quando mandei o link para
este artiguinho eu tinha a esperança de que ele pudesse realmente ser
lido de forma cuidadosa e comentado de forma responsável. Suas
presentes críticas são muito instrutivas!
>>> Discordo plenamente. O artigo é um desastre. Repleto dos disparates,
>>> hipérboles e sensasionalismos comuns em artigos de divulgação dos
>>> teoremas de Gödel.
>>
>> Pareceria ser agora então seu papel, como cientista e pregador moral,
>> mostrar exatamente *quais* seriam os "disparates"?
>
> Ótimo. Vamos lá, então.
>
> Problemas mais pontuais com o artigo de Lynch:
>
> "The axiomatic approach is inherently limited [...] *In essence,
> mathematics is incomplete!*"
>
> Non sequitur. Assume que a matemática está restrita aos sistemas
> axiomáticos afetados pelos teoremas de Gödel. Ainda que interpretada em
> termos "essenciais", essa tese, senão completamente incorreta, é
> certamente controversa.
Não sei se haverá tanto espaço para "controvérsia" assim, entre os
matemáticos, mas você tem toda a razão de apontar que as pré-condições
para os teoremas de incompletabilidade requerem apontar claramente
qual seria o "mínimo de matemática" contido em um determinado sistema.
Isto talvez pudesse ser feito em um parágrafo adicional, na coluninha
do autor?
> "[...] a second theorem of Gödel showed that the consistency of such a
> system of axioms can never be proved by working within the system
> itself. Thus, *we cannot be certain that the standard axiomatic systems
> of mathematics never lead to contradictions.*"
>
> Mais non sequitur. O fato de que argumentos pela consistência de
> sistemas como AP (Aritmética de Peano) não possam ser formalizados em AP
> não significa que não possam haver argumentos matemáticos que demonstrem
> a consistência de AP. Não creio que hajam muitas pessoas preparadas a
> negar que a demonstração de consistência de Gentzen seja um argumento
> matemático embora use métodos que extrapolam o que possa ser formalizado
> em AP (indução transfinita).
Bem, a demonstração do Gentzen não é feita "within AP itself". Não
está errado o que escreve o autor na frase antes do "thus". Mas, de
novo, você tem toda a razão em dizer que a asserção na frase que
começa com "thus" sobre as nossas certezas como cidadãos leitores de
jornal é largamente exagerada.
> "This axiomatic approach has been the model for mathematics ever since."
>
> Historicamente incorreto. O método axiomático só ganhou destaque em
> matemática fora da geometria a partir da segunda metade do século XIX,
> em grande medida devido ao trabalho do próprio Hilbert. Dizer que,
> mesmo antes desse período, o método axiomático era considerado como
> modelo de excelência e rigor matemático não é nada além de anacronismo
> histórico.
Corretíssimo.
> Problemas mais gerais com o artigo de Lynch:
>
> Como em toda pecinha de divulgação científica que se preze, o artigo tem
> aquelas frases de efeito, invariavelmente imprecisas, portanto imunes a
> ataques pontuais, que provoca aquela sensaçãozinha mística gostosa de se
> ter capturado algo aparentemente profundo e relevante, mas que, quando
> minunciosamente destrinchado, se desfaz em platitudes ou falsidades.
>
> "There are problems at the very core of mathematics that cast a shadow
> of uncertainty."
Não vejo nada de errado em usar algumas frases de efeito, para
conquistar o leitor (na verdade, não me incomodaria esta frase nem
mesmo se se tratasse de um artigo científico).
> Tentar descobrir o que exatamente Lynch quer dizer com sua "sombra de
> incerteza" e como essa incerteza seria supostamente provocada pelos
> teoremas de Gödel seria morder o anzol, engajando em vã especulação
> mística.
:-)
> Outro exemplo segue:
>
> "We can never be absolutely sure that the foundations of our subject are
> rock solid."
>
> Isso, obviamente, também *não* se segue dos teoremas de Gödel. Lynch,
> estritamente falando, não alega que seja uma consequência dos teoremas.
> Mas joga a frase de efeito lá no meio, pois, vai saber...
Corretíssimo, e este é exatamente um dos pontos levantados pelo
Franzén, como você bem apontou.
> É importante notar que muitos dos pontos que indiquei acima não são
> novos. Eles podem ser encontrados, por exemplo, no livro de Franzén já
> mencionado. Ademais, *não* faz parte do meu papel como cientista, ou
> como pregador, apontar os disparates.
Aqui discordamos. Se você for um bom moralista, *deve* apontar os disparates.
> Contudo, faz parte das
> prerrogativas daqueles que leram minhas alegações (de que o texto
> continha disparates e etc.) de exigir de mim justificativas e
> explicações. E eu, quando fiz as alegações, assumi tacitamente um
> compromisso público de fornecê-las [1]. Isso, no entanto, não é
> privilégio (ou deveria dizer aflição?) somente de cientistas ou
> pregadores.
De acordo.
>> Certamente tal tese carece de dados comprovatórios sobre o que gera
>> nas pessoas o "interesse por ciência". Eu próprio conheço várias
>> pessoas que se interessaram em procurar mais sobre aquilo que você
>> chama de "verdadeira ciência" justamente como efeito colateral da
>> leitura de artigos de divulgação que lhes imbuíram de suficiente
>> motivação (e não é fácil chegar a este nível de motivação) para
>> suplantar sua curiosidade a partir do duro trabalho de adquirir uma
>> formação científica adequada.
>
> Acho que você não compreendeu, ou eu me expressei mal, João Marcos. Não
> se trata de uma tese empírica sobre o que estimula "interesse por
> ciência". Estou rejeitando o *valor intrínseco* em se estimular o
> interesse por ciência.
Eu acho que entendi, sim. Estou de fato me posicionando contra o que
você disse, partindo da hipótese chã de que o "interesse por ciência"
eventualmente faz nascer alguns cientistas.
> Obviamente, não estou dizendo que *não se deve*
> estimular o interesse por ciência: estou apenas rejeitando a tese de que
> *se deve* estimular o interesse por ciência.
Não acho que o autor deseje estimular tal interesse baseado em algum
sentido de obrigação moral. Ele está apenas fazendo o que gosta.
> Isto é, não creio que haja
> qualquer valor social, moral ou ético que nos demande estimular o
> interesse por ciência, algo que você, aparentemente, assume como dado.
Aqui eu devo ter me expressado mal. Eu não acho que somos todos
*obrigados* a estimular tal interesse. Mas acho que precisamos de
gente que acredite valer a pena trabalhar nisso (e foi só isso que eu
quis dizer). De novo, estou me baseando na hipótese de que despertar
a curiosidade das pessoas pode ter um efeito positivo nas escolhas que
estas pessoas fazem nas suas vidas. (De onde será que nascem os
cientistas?)
> [1] Para ser sincero, fiz minhas alegações na esperança de que fosse
> cobrado por justificativas e, por esse meio, pudesse mostrar a todos
> como sou um cientista esperto e instruído que é capaz de desdenhar
> artigos de divulgação científica completamente bem intencionados, os
> quais eu mesmo não conseguiria melhorar sequer uma linha sem
> explodi-lo para as dimensões dos monólogos que escrevo para a lista
> de lógica.
Mas isto passou longe de ser um monólogo!
Abraços, e obrigado pela discussão,
Joao Marcos
PS: Eu poderia acrescentar aqui outras críticas pontuais ao
artiguinho, para ajudar na argumentação do Hermógenes, pois algumas
frases ali também me incomodaram e me pareceram inexatas. Mas não vou
fazê-lo. Ao contrário, vou terminar com um excerto do blog do Lynch,
ilustrando mais uma vez a simples intenção de gerar o tal "interesse
por ciência", que eu acho bonitinho e bacaninha --- e quiçá até útil.
* * *
Beautiful, useful and fun
https://thatsmaths.com/about/
ThatsMaths is the blog for a series of articles on mathematics to be
published in the Irish Times, starting on 19 July 2012.
Among the goals of the articles are to:
- Demystify Mathematics
- Show the breathtaking power of the subject
- Discuss a range of technological applications
- Enlighten readers about exciting developments
- Explain recent advances and developments
- Describe some major unsolved problems
- Inspire interest in the subject?
[...]
While a deep understanding of advanced mathematics requires intensive
study over a long period, we can appreciate some of the beauty of
maths without detailed technical knowledge, just as we can enjoy music
without being performers or composers. It is a goal of this series of
articles to aid in this appreciation.
* * *