Coletivo Lógica Viva: sobre infinitos, números e provas

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Marcos Silva

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Jul 3, 2023, 9:28:37 AM7/3/23
to logical logical, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
É hoje! :-)

Convidamos todas e todos para o nosso bate papo segunda-feira, 03 de julho. Conversaremos com Samuel Gomes da Silva (UFBA) sobre infinito, números e provas, como se um matemático e um filósofo tivessem entrado em um bar. 
 
O que te levou pra matemática? E pra a lógica? Por que o infinito é tão fascinante? Existem infinitos de tamanhos diferentes? Como a gente pode saber isto? Onde estão os infinitos? Na nossa cabeça? Na realidade? Em computadores? Quais são alguns paradoxos e coisas contraintuitivas da aritmética transfinita? Quais são os limites pra demonstrações matemáticas? Voce de fato tem máxima certeza e segurança na verdade de um teorema? Ou pensa ás vezes, será que isto é verdade mesmo? Você usa intuições e afetos pra suas provas matemáticas? O que é a hipótese do contínuo? Ela pode ser provada? Por que não? E se a gente tiver um super computador? É só uma questão de tempo ou não da mesmo? O matemático é um criador ou um descobridor? Como a matemática pode ser tão útil pra ciência e pra previsões sobre a realidade?



https://www.instagram.com/p/CuDIdM1pSyN/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==

--
Marcos Silva (UFPE/CNPq)
Philosophy Department
Federal University of Pernambuco, Brazil 
President of the Brazilian Society for Analytical Philosophy (SBFA)
Director of Graduate Studies (PPGFIL/UFPE)
"amar e mudar as coisas me interessa mais"

Daniel Durante

unread,
Aug 3, 2023, 11:24:58 PM8/3/23
to LOGICA-L, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA

Grandes Samuel, Marcos Silva e Colegas,


Parabéns pela conversa de bar online, Samuel e Marcos. Ouvir o Samuel é sempre um grande prazer, e ouvi-lo respondendo as perguntas perspicazes do Marcos Silva é muito melhor. Pena que perdi ao vivo. Adorei o papo. Ouvi hoje.


Tá aqui o link para quem quiser assistir. Recomendo:

https://www.youtube.com/live/fHihPJqhsfA?feature=share


Deixa eu fazer uma pergunta, Samuel. Quando você diz, meio provocativo, que a matemática é ZFC ( ou a TC) o que você quer dizer com isso?


Você quer dizer que a matemática é UM dos tabuleiros (ou modelos) onde as regras de ZFC se aplicam?


Ou você quer dizer que a matemática é a própria ZFC (as regras)?


Acho que é o primeiro caso. Afinal, você é um matemático, não um lógico, ou um computeiro, ou um filósofo que não entende nada de matemática (como eu).


Mas você, num dado  momento, disse que o pessoal da Teoria de Conjuntos —  incluindo você mesmo — costuma se ver como semantista e, questionado pelo Marcos, você disse algo que eu entendi como afirmando que ser um semantista significa privilegiar as estruturas nas quais as regras se aplicam, e não as próprias regras.


Mas aí eu fico confuso, Samuel. Porque se a matemática é ZFC e se você é um semantista, então a matemática é o tabuleiro onde ZFC pode ser jogada, e não as regras do jogo ZFC.


Mas se ZFC não decide sentenças fechadas de sua linguagem, tal como a hipótese do contínuo, então as regras de ZFC não determinam univocamente o tabuleiro onde ela pode ser jogada. E então, há muitas matemáticas. Cada tabuleiro diferente em que ZFC pode ser jogada é uma matemática diferente.


E sabemos que alguns desses tabuleiros são ESSENCIALMENTE diferentes, ou seja, que não são isomórficos, porque sabemos que alguns deles são compatíveis com a hipótese do contínuo enquanto outros são incompatíveis com a hipótese do contínuo (compatíveis com sua negação).


Mas se você é um semantista, com tendência realista, isso me parece uma posição bem estranha. Você seria um pluralista matemático. 


Me parece que você se compromete com a seguinte concepção: “não é que existe uma realidade matemática objetiva e independente da mente. Na verdade existem pelo menos duas. “


Talvez existam muitas. Você diz que gosta de resultados de independência. Então talvez saiba se existe alguma sentença fechada S da linguagem de ZFC que é independente tanto de  (ZFC + HC) quanto de (ZFC + ¬HC)? Se houver, então já teríamos pelo menos 4 matemáticas — 4 tabuleiros não isomórficos para ZFC. Talvez haja infinitas matemáticas?


Mas, para além de 1, a quantidade não importa. Este caso me parece contradizer o famoso ditado. Dois não é bom. Dois já é demais.


Eu, que entendo quase nada de TC, prefiro interpretar os resultados de independência como provas de "inacabamento" da teoria -- inacabamento para  não falar incompletude, já que você mesmo disse que não há uma interpretação canônica para ZFC.


Os caras não terminaram a teoria. Faltam axiomas. Eu concordo com “seu amigo de Brasília” que é um absurdo ZFC não decidir a hipótese do contínuo.


Isso só pode ser preguiça ou covardia dos matemáticos 🙂 

Façam aí uma convenção internacional e decidam. Você disse, ou pelo menos foi assim que eu entendi o que você disse, que nos tabuleiros mais quentes do momento, aqueles que parecem mais promissores, com mais aplicações e conexões, a hipótese do contínuo é falsa. Pois então, decidam aí entre os notáveis, ou em uma votação democrática (não, matematicocrática) que só são aceitáveis tabuleiros isomórficos incompatíveis com a hipótese do contínuo. Declarem os demais ilegais e aceitem a inscrição da negação da hipótese do contínuo no clube dos  axiomas.


É tipo o que fizeram com Plutão. O pobre foi expulso do clube dos planetas e, que eu saiba, nada aconteceu em Plutão para justificar a expulsão. O que os astrônomos fizeram foi complementar com  novas cláusulas as regras de admissão no clube dos planetas mesmo. Dizem que depois Plutão foi readmitido com ressalvas… não sei, parei de acompanhar.


Por que os matemáticos não fazem isso? Por que eles não admitem que ZFC está inacabada e declaram a Hipótese do Contínuo ou sua negação como axioma? Acho que é porque quase todos eles são, assim como você, semantistas. Um axioma é apenas uma descrição linguística desengonçada, feia, formal de um aspecto  da realidade matemática abstrata objetiva, bela, harmônica e perfeita.


Primeiro viria o tabuleiro, a realidade matemática, depois as regras, as teorias matemáticas. Só dá para acabar (ou incrementar) ZFC depois de saber com qual das duas sentenças, HC ou ¬HC o tabuleiro é compatível. Mas, como tem mais de um tabuleiro, alguns compatíveis com HC outros com ¬HC, e nenhum deles é considerado canônico, os matemáticos ficam paralisados e não decidem a questão.


Eu entendo e admiro esta postura dos matemáticos. Eles são como músicos que tiram as harmonias de ouvido, que têm sensibilidade musical. Eu não tenho. Nem na música, nem na matemática. Posso até brincar um pouco com as duas, mas preciso de cifras, partitura, de regras de teoria musical para me ajudar a tocar. Não tenho sensibilidade musical para tirar de ouvido ou propor do zero uma harmonia, tanto quanto não tenho sensibilidade matemática para perceber entender e intuir o tabuleiro sem as regras, para “fazer uma prova do livro”. Preciso consultar as regras para conseguir brincar.


Mas do mesmo jeito que músicos de tradições musicais diferentes harmonizariam “de ouvido” diferentemente uma mesma melodia, matemáticos imersos em tabuleiros diferentes poderiam intuir diferentemente sobre alguma questão matemática, tal como qual é a cardinalidade do contínuo.


A diferença é que diferentes tradições musicais podem conviver bem (embora não harmonicamente, com perdão do trocadilho), já diferentes matemáticas não convivem tão bem assim. É mais fácil ser eclético (pluralista) em música do que em matemática.


Mas por que, por exemplo, aceitamos o axioma do infinito em ZFC? Bem, porque concebemos o infinito e o infinito é independente dos demais axiomas.


É legal brincar com o infinito, conseguimos fazer isso, concebemos estruturas infinitas interessantes, belas, promissoras, cheias de relações e aplicáveis. Por que, então, proibi-lo? Eu “não sei harmonizar o infinito de ouvido”, mas eu consigo “ouvir, achar belas e até tocar harmonias para o infinito”, se estiverem em uma partitura ou cifras. Então, mesmo de modo grosseiro, desconfiando, tendo dificuldade com ele, eu aceito o infinito no jogo da matemática.


Por outro lado, um matemático harmoniza o infinito de ouvido, já o incluiu em suas intuições e considera que qualquer tabuleiro que se preze deve ser infinito. É por isso que o infinito é um axioma de ZFC.


Quem não curte muito o infinito pode até protestar e criar versões alternativas de ZFC incompatíveis com as usuais, com tabuleirinhos finitos, minúsculos, e estranhos, pensam os demais matemáticos.


Mas, no fundo, no fundo, para mim, tanto o axioma do infinito, quanto o axioma da escolha são ESCOLHAS já feitas. A hipótese do contínuo, ou melhor, a negação da hipótese do contínuo, pode também, aliás, deve, ser ESCOLHIDA.


Se você, Samuel, pensasse que ZFC são as regras e não o tabuleiro, seria muito mais fácil defender essa liberdade de escolha axiomática. É assim que eu penso.  Mas eu não sou um matemático e o que penso vale muito pouco aqui. O que importa é que mesmo quem pensa como você, como os matemáticos em geral pensam, pode com algum esforço concordar que a hipótese do contínuo é uma questão de escolha, e que ela pode ser feita. 


Qual desses tabuleiros aí é o mais legal, é aquele com o qual vale a pena a gente brincar? Escolham ele e peguem o axioma compatível com ele.


Desculpem a verborragia e as muitas “barbaridades” que certamente eu disse aqui.


Mais uma vez parabéns Marcos e Samuel pela conversa.

Grande abraço,

Daniel.

samuel

unread,
Aug 4, 2023, 9:37:15 AM8/4/23
to LOGICA-L, dura...@gmail.com, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Salve Daniel, prazer falar com você, como sempre também, e pelo visto se você estivesse na live ela não terminaria pois seus
questionamentos são bastante interessantes e a coisa iria embora no tempo... 

Primeiro, registrar que "o meu amigo de Brasília" já me deu bronca dizendo que não era exatamente aquilo que ele me disse
anteriormente, hahaha, 

Então, eu desde o final do meu doutorado (2004), início da minha carreira na UFBA (2006), tenho essa visão da matemática que eu falei na live
(eu lembro que no começo do mestrado eu pensava diferentemente, de modo bastante mais ingênuo),

E tenho primeiramente que dizer: eu não me coloco como "o porta-voz de como os matemáticos pensam", e nem "de como os teoristas de conjuntos pensam", quase tudo que eu coloquei na live são visões "personalíssimas" (pra usar essa palavra que está na moda...) minhas. E sim, ter uma visão
pessoal ajuda a passear por esse ambiente cheio de ovos no chão - mas, uma coisa eu posso dizer, eu como matemático vindo da Lógica
e ativo na comunidade brasileira de Lógica e tendo por isso bastante contato com a Filosofia, o matemático padrão, "establishment", não
tem essas preocupações com fundação da matemática não e, mais importante, em geral o matemático padrão não é chamado a se posicionar
"filosoficamente" sobre sua epistemologia própria do que seja a matemática, isso eu sempre faço por questão por gostar mesmo desse tipo
de discussão (sempre gostei, talvez por isso enveredei pela Teoria dos Conjuntos...)  e por minha atuação dentro da lógica como um todo. 

Então vamos lá: tem uma frase que eu gosto muito que é "eu sou eu e minhas circunstâncias" (que acabei de colocar no Google aqui, não conhecia
o autor e não sei qual a teoria na qual ela se coloca, então não posso nem comprar nem vender essa teoria na sua completude...), mas é uma frase que eu gosto.

Pra mim, matemática é meio assim: é ela e suas circunstâncias...

Aí, por facilidade mesmo (o que concordo que alguém pode achar que é "preguiça ou covardia", touché), eu coloco: matemática é ZFC. 

Na minha analogia com tabuleiros, matemática é O JOGO, o qual pode ser jogado EM QUALQUER TABULEIRO QUE NÃO VIOLE AS
REGRAS. 

Aí, quando eu digo que sou semantista, pra mim não tem existe contradição nisso porque porque, exatamente por gostar muito de resultados de consistência, qualquer coisa que não leve a contradição TERÁ O SEU TABULEIRO ESPECÍFICO ONDE ELA VALE (e aí nesse caso a noção de "verdade" é
mais de "ser válido em algum modelo" - o que, pelo Teorema de Completude, equivale a não levar a contradição...). É nessa pegada que eu digo
que sou semantista. Se vale em algum modelo, eu considero DO JOGO. 

Essa coisa do JOGO, a gente pode pensar também em O ESPORTE.

Futebol é um ESPORTE, e que é jogado em todo o mundo, alguns lugares na areia, alguns lugares na grama, alguns lugares na grama
sintética (para desespero do Zico), em alguns lugares a trave é de madeira, noutros lugares não tem trave e a gente coloca duas
pedras no chão onde a bola tem que passar... Mas tudo isso é FUTEBOL. 

E o FUTEBOL existe como jogo, e pode ser jogado EM MUITOS AMBIENTES - cada quadra/campinho de futebol pelo mundo seria UM MODELO. 

Em todas essas instanciações do jogo, eu não posso pegar a bola com a mão. "Não pegar a bola com a mão" é um axioma. É da base
da teoria. Isso vai valer EM TODOS OS AMBIENTES. (Seria o "ZFC absoluto", algo que, como consequência sintática de ZFC, é 
também consequência semântica e valeria em todos os ambientes... Tem muito do Teorema de Completude embutido aí no que
estou dizendo, como podem perceber...)

Se a gente levasse a ferro e fogo e quisesse que O FUTEBOL DECIDISSE TUDO, que a REGRA FOSSE ATÉ OS ÚLTIMOS DETALHES, a gente acabaria chegando na conclusão que "o futebol só pode ser jogado com essa bola, por estes jogadores e no maravilhoso estádio monumental de Wembley,
na Inglaterra, onde o jogo foi criado"... Isso seria meio reducionista, não ?

Então pra mim A MATEMÁTICA É O ESPORTE... Onde ele puder ser jogado sem violar as regras básicas, "é do jogo". Mesmo que
esse jogo não me diga exatamente qual é o tamanho da reta... 

Aí a coisa da Hipótese do Contínuo que você disse, só aí já teríamos uma quantidade "do tamanho do universo" de matemáticas
possíveis se pensarmos no tamanho da reta ("o continuum"): por um resultado de Easton, "o contínuo pode ser tudo o que ele pode ser", no sentido
de que a única restrição é que o tamanho da reta não pode ter cofinalidade enumerável. Nesse sentido, começando com um modelo
da Hipótese Generalizada do Contínuo de "ground model", a gente pode fazer um forcing até que simples (um forcing pra cada valor
que eu queira, no caso) e fazer com que o contínuo seja aleph_2, ou aleph_3, ou aleph_4, ou aleph_{omega + 1} - aleph_omega não
pode ser pela questão da cofinalidade -, e a quantidade de ordinais de cofinalidade não enumerável é a mesma quantidade de ordinais
que é a mesma quantidade de conjuntos no universo (nessa última passagem estou roubando um pouco e considerando o 
Axioma da Escolha Global, mas tudo bem né 8-) ).

Qualquer valor que o contínuo pode ter, ele terá em algum modelo - isso tudo é matemática pra mim. Eu não sinto necessidade que
a Matemática me diga exatamente "qual aleph" é o tamanho da reta. Eu não sinto falta "que a Matemática me diga qual o
valor do continuum". Eu gosto que sejam "infinitos valores possíveis"...!!!

(Eu não lembro se eu cheguei a fazer essa analogia na live, mas eu sempre gosto de fazê-la: "a teoria dos anéis (ou mesmo dos
corpos) não consegue decidir se existe um x tal que x^2 = 1 + 1 - pois existem corpos onde esse x existe, e existem corpos
onde esse x não existe. Porque deveríamos esperar que a Teoria dos Conjuntos decidisse se 2^{aleph_0} = aleph_1 ? Ou porque
deveríamos esperar que só existisse uma possibilidade de resposta ? No caso dos corpos não esperamos isso..." Obviamente
a complicação aí é que a Teoria dos Conjuntos é frequentemente encarada como sendo "a Matemática" como se fosse uma
tal "verdade objetiva" e tal, é aí que pega a coisa, eu sei disso também...)

... Mas, como eu disse lá em cima, isso tudo sou eu, eu não posso dizer que isso é a visão dos matemáticos, ainda mais que,
em geral, os matemáticos não estão preocupados com isso de forma alguma, não existe preocupação com fundamentos da
matemática,  eles só querem colocar toda manhã o uniforme de onde eles jogam o jogo e jogar o jogo...

E, mais ainda, eu raramente sou chamado a justificar formalmente essas visões, num paper por exemplo (o máximo é alguma
discussão nesta lista, como a que estamos no momento...). Nos últimos dez anos tenho me interessado mais por aspectos filosóficos, mas nessa
área sou apenas um diletante...

E, só pra terminar, eu recomendo algumas leituras sobre gente de Conjuntos que sim tem uma visão bem mais completa e
justificada do que a minha, em alguns casos similar e em outros não,

---> O Joel David Hamkins tem uma visão do "multiverso de conjuntos", tem esse paper dele no arXiv:


Eu nunca li inteiro, nunca passei do abstract, mas o que tem mais ou menos em comum com essa minha visão é de
que existem vários universos possíveis para a teoria dos conjuntos "acontecer".

(Apesar das semelhanças, com certeza é diferente do meu ponto de vista porque mesmo "a noção de conjunto em si" ele acredita que 
seja diferente em cada universo, eu não penso assim)

Mas pelo menos como "slogan" eu acho a idéia interessante - o multiverso dos conjuntos se parece com a minha
idéia da infinidade de tabuleiros, ou da infinidade de quadras/campos de jogo.

---> tem um pessoal de Teoria dos Conjuntos (que eu deveria em algum momento tentar sugerir que um deles
fosse chamado para um EBL...), que é o pessoal que frequenta o Artic Workshop de Conjuntos, e se você falar
com qualquer um deles, eles têm sim uma noção do que seria "a verdade em Teoria dos Conjuntos", de uma maneira bastante
diferente da minha, de modo que eles podem pegar um resultado de Teoria dos Conjuntos e dizer "para onde ele está 
apontando".

Nesse sentido, muitas vezes aparecem "dicotomias" - que seriam momentos em que a teoria dos conjuntos apontaria
"ou para um lado ou para o outro". Parece confuso né ? Pois é, e tem muita matemática técnica embutida nisso.

Nos últimos anos, tem por exemplo "a dicotomia HOD", introduzida por Woodin, e aí tem este paper aqui por exemplo explicando:


O "lado" para o qual a Teoria dos Conjuntos se inclinaria, lá na frente, decidiria também a Hipótese do Contínuo
(pois se relaciona ao tal "Ultimate L Project" de Woodin também...).

No caso, o paper acima expõe alguns resultados de Large cardinals os quais, assumindo a consistência deles, o caos prevaleceria
e a Hipótese do Contínuo seria falsa (!!!).

Observo, porém, que essa visão do pessoal do Artic Workshop é uma visão mais pura sobre "qual seria a melhor Teoria
dos Conjuntos para se trabalhar" - até onde eu entendo, é uma busca por "uma Teoria dos Conjuntos legal", eles não se
arvoram em dizer que com isso eles estão decidindo "o que é a matemática". Por facilidade, medo ou preguiça, meio
que eles concordam comigo que "a matemática é ZFC", mas que sim é possível debater o que deveria ser
verdade "numa Teoria dos Conjuntos legal"... Não está sendo decidido como deveria ser a Matemática, mas
sim como deveria ser "a Teoria dos Conjuntos"... Que nesse caso seria ZFC + algumas coisas.


... Enfim, pra falar de Filosofia de Teoria dos Conjuntos tem gente na comunidade melhor do que eu pra falar
(Giorgio, Rodrigo, Alfredo, pra começar...)

Abraços ! Até

[]s  Samuel















Daniel Durante

unread,
Aug 4, 2023, 7:36:43 PM8/4/23
to LOGICA-L, samuel, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Salve Samuel,

Obrigado pela paciente resposta, pelas explicações e referências. Você sempre me surpreende com suas respostas de matemático. Claro, o JOGO!! Eu aqui, com minha mentalidade de contabilista, só pensando em tabuleiros e regras e me esquecendo do JOGO. O jogo real, para o qual as regras apenas delimitam as possibilidades e os tabuleiros apenas registram as jogadas. A matemática não é nem as regras de ZFC nem os diferentes tabuleiros em que dá para jogar ZFC, é o jogo que se joga com essas regras nesses tabuleiros.

Acho que o seu exemplo do futebol me ajudou a entender. Há o futebol de campo com as regras FIFA (11 jogadores por time, campo de um certo tamanho, determinado tempo de jogo...), há o futebol de salão (5 jogadores, quadra pequena, bola pequena, tempo de jogo reduzido...), há o futebol suíço (7 jodadores, outras especificidades...). Na base dessas variações, compatível com todas elas, haveria uma concepção essencial do jogo de FUTEBOL (vou usar maíuscula para essa concepção essencial) que é compatível com todas as versões e variações do jogo.

Esses futebois são incompatíveis uns com os outros em detalhes que a concepção essencial (o FUTEBOL) não decide: o número de jogadores o tamanho do campo, o tempo de jogo, o tamanho do gol, o peso da bola... O FUTEBOL é jogado em qualquer dessas versões, qualquer desses tabuleiros. Na sua metáfora, o FUTEBOL é o "jogo", e cada variação (futebol de campo, de praia, suíço, de salão,...) é um "tabuleiro" diferente do mesmo jogo. Acho que é isso né?!

Quando você diz que a matemática é ZFC e que você não se importa muito com o fato de ZFC não decidir algumas coisas, tipo a hipótese do contínuo, você está querendo dizer que ZFC não se interessa em estipular a cardinalidade do contínuo tanto quanto o FUTEBOL não se interessa em estipular o número de jogadores de cada time. Seja com 11 ou com 7 jogadores, ainda é FUTEBOL. Seja qual for a cardinalidade do contínuo, ainda é ZFC, ainda é matemática.

Então, os axiomas de ZFC seriam como aquelas regras fundamentais compatíveis com todos os futebóis. E por isso, eles não decidem algumas minúcias. Eles admitem variações. Já a hipótese do contínuo seria como a regra que diz o número de jogadores. Pode ser diferente para versões diferentes.

Ok. Isso é bem interessante mesmo. Nunca tinha pensado assim. Mas tem uma coisa. Quando a gente tira par ou impar e vai jogar de verdade, a gente SEMPRE vai ter que ESCOLHER alguma dessas variantes que decidem as coisas que o FUTEBOL não decide. A flexibilidade (o inacabamento) do FUTEBOL cobra um preço. Ninguém, nunca, jamais joga SÓ FUTEBOL. A gente sempre joga alguma versão do FUTEBOL. Mesmo em uma pelada de rua onde se inventa regras na hora.

Se você acha que a matemática é ZFC e aceita que ZFC não decide algumas coisas. Então eu acho que você está se comprometendo com o seguinte fato:

(*) Tanto quanto não dá para jogar só FUTEBOL, não dá para fazer só matemática (jogar só ZFC). Sempre que a gente usar ZFC, a gente precisa também complementar as suas aberturas.

Por que? Porque se estamos em uma abordagem ortodoxa, que assume a lógica clássica, a verdade como correspondência, e trata ZFC como uma teoria de primeira ordem, então:

(1) Sendo HC (a hipótese do contínuo) uma sentença de primeira ordem fechada, HC é ou verdadeira ou falsa, não há outra opção.

(2) Dizer que HC é verdadeira é dizer que a sentença que exprime HC corresponde aos fatos, e dizer que HC é falsa, é dizer que a sentença que a exprime não corresponde aos fatos.

(3) Mas quais são esses fatos? Você mesmo disse que ZFC não tem um modelo canônico. Cada interpretação que verifica todos os axiomas de ZFC é um "tabuleiro", uma versão do jogo ZFC que decide as coisas que ZFC não decide. Fecha suas aberturas.

(4) Isso significa que sem ser heterodoxo (sem abandonar a lógica clássica, ou a verdade como correspondência) ninguém nunca joga só ZFC. A gente sempre ESCOLHE alguma versão de ZFC para jogar. Porque em qualquer contexto em que ocorra a sentença que exprime a hipótese do contínuo, esta sentença estará vinculada a alguma interpretação específica que faz o que ZFC se nega: decide se esta sentença é verdadeira ou falsa.


Eu acho isso bom e ruim:

- É BOM, porque coloca lá dentro da matemática a possibilidade de escolha, a liberdade. E quem é que não gosta de escolha e liberdade?

- Mas é RUIM, porque onde há escolha e liberdade, sempre há também limites. Cada vez que a gente "joga" matemática e tem que complementar as aberturas de ZFC com nossas escolhas, a gente, junto com isso, delimita e restringe nossos resultados ao alcance das escolhas que fizemos. E assim a gente diminui a generalidade da matemática.

Mais uma vez, obrigado pelo papo. Adoro conversar com você sobre essas coisas que entendo muito pouco. Suas respostas quase sempre apontam para algum lado que eu nunca tinha olhado.

Saudações,
Daniel.

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 5, 2023, 8:25:18 AM8/5/23
to Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Salve Daniel,

Incrível como entre nós, brasileiros, o FUTEBOL consegue explicar tantas coisas né?

Você pegou a ideia, sim é isso mesmo.

Matemática é um trabalho, e os ambientes de trabalho são os modelos... Os matemáticos, somos jogadores profissionais de futebol (com o BOM e o RUIM da sua mensagem, é a tal coisa da dor e a delícia de ser o que é...).

Mas pra além daquele BOM e RUIM tem mais uma coisa: existem esses momentos (e na verdade os matemáticos fora da área de fundamentos sempre vivem esse tipo de momentos) nos quais o teorema que provamos vale em todos os tabuleiros, em todos os campos de jogo.

Isso acontece quando provamos algo "ZFC puro", sem hipóteses adicionais.

Pelo Teorema da Completude, algo que provamos "ZFC puro" é válido em todos os tabuleiros (e reciprocamente).

Nossos cursos de graduação em Análise, Topologia, Geometria... Esses valem em todos os tabuleiros porque estão todos em ZFC puro. É o básico...

Então talvez nessa visão semantista, ZFC tem mais a cara de "o que é comum a todos os tabuleiros" do que uma lista de axiomas e a teoria correspondente.

Eu, por exemplo, por minha área de atuação, normalmente trabalho diretamente em modelos onde a Hipótese do Continuo não vale (meus resultados, nem que seja por uma questão de contexto, fazem muito mais sentido se HC não vale - minha dissertação de mestrado começava com um diagrama com 6 cardinais entre aleph_1 e c (que agora são 5 depois do recente p = t, um salve a Malliaris e Shelah) os quais, se vale HC, colapsam tudo para um ponto só, de modo que minha dissertação de mestrado inteira teria falado todo o tempo sobre um cardinal só...).

Mas veja, é aí que eu acho que o RUIM da sua mensagem não é tão ruim assim,

Se alguém produz bons teoremas sobre o futebol suíço com 7 jogadores, pelo menos essa área do futebol fica mais compreendida, e não deixa de ser uma contribuição ao futebol como um todo que
uma parte (consistente!) dele seja melhor compreendida - pois, tem mais essa também,

"Se mostramos que algo que vale para o
futebol suíço, então estamos mostrando que não existe nas regras algo que garanta que sua negação fosse válida em todos os tabuleiros"

- ou seja, mesmo que indiretamente, olhando para as negações,trabalhar aí no futebol suíço fala sim sobre o jogo como um todo, vejam só!

... Sempre boas nossas conversas mesmo, valeu !

Até mais,

[]s Samuel






















































----- Mensagem original -----
De: Daniel Durante <dura...@gmail.com>
Para: LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>
Cc: samuel <sam...@ufba.br>, Daniel Durante <dura...@gmail.com>, Marcos Silva <marcos...@gmail.com>, pin...@googlegroups.com <logi...@dimap.ufrn.br>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>
Enviadas: Fri, 04 Aug 2023 20:36:43 -0300 (BRT)
Assunto: Re: Coletivo Lógica Viva: sobre infinitos, números e provas
>> Isso só pode ser preguiça ou covardia dos matemáticos ??
>>> <https://sites.google.com/view/sbfa-sbpha/in%C3%ADcio?authuser=0>)
>>> Director of Graduate Studies (PPGFIL/UFPE
>>> <https://www.ufpe.br/ppgfilosofia/>)
>>> Editor-in-chief Revista Perspectiva Filosófica
>>> <https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica>

Daniel Durante

unread,
Aug 5, 2023, 10:06:16 AM8/5/23
to Samuel Gomes da Silva, Lista Lógica, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA
"Se mostramos que algo que vale para o 
futebol suíço, então estamos mostrando que não existe nas regras algo que garanta que sua negação fosse válida em todos os tabuleiros"

- ou seja, mesmo que indiretamente, olhando para as negações,trabalhar aí no futebol suíço fala sim sobre o jogo como um todo, vejam só!

Perfeito, Samuel! Você me convenceu. O aspecto bom é mesmo muito bom e o ruim, ainda que exista, não é tão ruim assim. De novo eu estava olhando a coisa por uma janelinha menor do que a sua varanda panorâmica!

Abraços,
Daniel.

Valeria de Paiva

unread,
Aug 5, 2023, 11:38:36 AM8/5/23
to Samuel Gomes da Silva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
oi Samuel,
Desculpe, mas aqui eu vou dar meu pitaco de ignorante, porem convicta.
Eu concordo plenamente que para um matemático-padrão ZFC e' a medida, o básico. MAS com o abaixo não concordo não.

>Pelo Teorema da Completude, algo que provamos "ZFC puro" é válido em todos os tabuleiros (e reciprocamente).
Nossos cursos de graduação em Análise, Topologia, Geometria... Esses valem em todos os tabuleiros porque estão todos em ZFC puro. É o básico...
Então talvez nessa visão semantista, ZFC tem mais a cara de "o que é comum a todos os tabuleiros" do que uma lista de axiomas e a teoria correspondente.

ZF e' básico, o C(choice) tem muita gente que não quer não, que prefere botar um asterisco numa prova qdo precisa de choice, pra alertar os distraídos. e o número dessas pessoas, que se preocupam com resultados mais construtivos, ou baseados em formulações alternativas de fundamentos e' cada vez maior. não sei se significativamente maior no "rank and file" dos matemáticos tradicionais, mas certamente bem maior nessa comunidade entre matemática e informática que diz q trabalha com ciência da computação.

Tem muita gente, que nem você, cuja pesquisa só faz sentido se certas premissas tradicionais não valem: a maioria do pessoal de "teoria de tipos" se enquadra nessa. (pra não falar dos sub-estruturalistas!) E mesmo todo mundo nessa nova onda de 'Proof Assistants' pra uma nova matemática "(https://www.nytimes.com/2023/07/02/science/ai-mathematics-machine-learning.html)
 faz parte da turma.

Então concordo sim que a matemática e' o jogo e não os tabuleiros ou os campos ou as regras, mas essa essência do jogo muda, se os jogadores mudarem.

abraços,
Valeria

--
LOGICA-L
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Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 5, 2023, 12:22:04 PM8/5/23
to Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Oi Valéria,

Pois é, em ambiente de pesquisa eu concordo que a teoria básica é ZF (ainda mais se a pesquisa é lógico orientada, digamos),

Porém, porém, porém, para o tal matemático establishment que eu sempre falo,

O Axioma da Escolha está lá, mesmo que o matemático establishment não perceba (porque muitas vezes ele usa o Axioma da Escolha sem perceber, é preciso um certo "treino" e esforço pra ver quando o Axioma da Escolha foi necessário ou não).

Por exemplo: pra quem nunca pensou nisso, procure ver exatamente onde se usa o Axioma da Escolha para mostrar que "a reunião enumeravel de enumeraveis é enumeravel", é um uso um pouco sutil.

Aí, nos livros de graduação em matemática, o Axioma da Escolha está lá escondido. "Todo espaço vetorial tem base" - não só usa lá um Leminha de Zorn na prova padrão, como foi mostrado que é uma equivalência do Axioma da Escolha (Blass, 1984).

Então, para o matemático establishment, acaba sendo ZFC sim.

Abraços

[]s Samuel




















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De: Valeria de Paiva <valeria...@gmail.com>
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Enviadas: Sat, 05 Aug 2023 12:38:19 -0300 (BRT)
Assunto: Re: [Logica-l] Re: Coletivo Lógica Viva: sobre infinitos, números e provas

Jorge Petrucio Viana

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Aug 5, 2023, 1:54:19 PM8/5/23
to Samuel Gomes da Silva, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Boa tarde!

Uma dúvida honesta (não é, simplesmente, uma provocação):
O que vocês estão chamando de ZFC?

Se for o que está, por exemplo, no livro do Devlin (ou seja, First Order Logic ZFC), não concordo que "para um matemático-padrão ZFC e' a medida, o básico" (ou algo semelhante).

Pelo que vejo, matemáticos padrão trabalham, pelo menos, em terceira ordem e usam "naive set theory" (uma versão mais próxima de Cantor do que de Zermelo).

Um adendo:
Uma vez eu desafiei uma plateia de matemáticos (uns 40 mais ou menos) a listarem 3 (apenas 3) axiomas da Teoria dos Conjuntos.
O máximo que consegui foi: Axioma da Escolha.

P

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 5, 2023, 3:05:57 PM8/5/23
to Jorge Petrucio Viana, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Oi Petrucio,

Da mesma forma que ninguém lê as letrinhas pequenas de nenhum contrato,

O matemático establishment sabe (na maioria das vezes) que trabalha em ZFC, mesmo que só saiba dar como exemplo o Axioma da Escolha.

(Muitos deles acham que a Hipótese do Continuo vale "na prática", mas isso é ainda outra história...)

Sobre a coisa de ordem, pelo menos nisso o matemático establishment tem sorte, pois como os subconjuntos dos conjuntos são conjuntos, as (subfamilias das) famílias de subconjuntos são conjuntos, etc., dá pra fazer tudo em primeira ordem.

Atés

[]s Samuel
----- Mensagem original -----
De: Jorge Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>
Para: Samuel Gomes da Silva <sam...@ufba.br>
Cc: Valeria de Paiva <valeria...@gmail.com>, Daniel Durante <dura...@gmail.com>, Marcos Silva <marcos...@gmail.com>, pin...@googlegroups.com <logi...@dimap.ufrn.br>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>
Enviadas: Sat, 05 Aug 2023 14:54:05 -0300 (BRT)

Jorge Petrucio Viana

unread,
Aug 5, 2023, 3:18:51 PM8/5/23
to Samuel Gomes da Silva, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Oi Samuel,
pelo que vejo, esse seu raciocínio (letrinhas de contrato) vale para qualquer outra formalização da matemática...
Por ele, eu concluo que para um matemático-padrão, o sistema $\mathcal{L}^x$ usado for Tarski e Givant no seu livro "A formalization of set theory without variables" é a medida do básico.
"Set theory" aqui não significa ZFC, mas qualquer sistema onde a existência de "uma certa noção relaxada de par ordenado" é um (axioma ou) teorema.
Incluindo sistemas formulados na teoria das categorias e mais...

P

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 5, 2023, 4:30:31 PM8/5/23
to Jorge Petrucio Viana, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Oi Petrucio,

Possivelmente sim, se formaliza pares ordenados, relações e funções, a coisa vai embora.

Talvez por influência do livro do Halmos (que curiosamente se chama Teoria Ingênua dos Conjuntos), o "xiszinho" que o matemático establishment colocaria pra falar qual é a formalização de matemática pra ele, ele colocaria em ZFC.

(ZFC a gente escuta ouvir falar nas salas de café de vez em quando...)

É como o Lema de Zorn, para 99 por cento das aplicações a formulação já era conhecida por Kuratowski 15 a 20 anos antes do artigo de Zorn. O que "pegou" foi o enunciado de Zorn.

Para fundamentação de matemática, o que "pegou" é ZFC.

Também observo que, a princípio, os resultados "independentes da Matemática" são aqueles mostrados "independentes de ZFC", então esse é outro critério que acaba contribuindo para essa identificação
entre "ZFC" e "matemática".

Até

[]s Samuel


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De: Jorge Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>
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Enviadas: Sat, 05 Aug 2023 16:18:37 -0300 (BRT)

Márcio Palmares

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Aug 6, 2023, 9:03:19 AM8/6/23
to Samuel Gomes da Silva, Jorge Petrucio Viana, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
E quanto à matemática dos séculos 17, 18 e 19 de antes da aritmetização da análise e do surgimento da lógica moderna?
 
Newton, Leibniz, Gauss... Nenhum deles ouviu falar sobre ZFC. Se a matemática é ZFC, o que eles praticavam? E quanto aos antigos? Arquimedes, que nem algarismos indo-arábicos possuía?

Será que quando identificamos a matemática com algum sistema fundacional não estaríamos apenas confundindo nossas ideias com uma particular "implementação" delas? Parece que estaríamos confundindo a informação tratada por um computador com seu particular sistema operacional: seria o mesmo que dizer "a informação é Linux". Outra pessoa diria: "a informação é Windows". 

Apenas razões pragmáticas decidem por uma implementação ou outra. Mas parece que quando olhamos a coisa do ponto de vista histórico, nenhuma apresentação ou implementação captura inteiramente o que é a matemática. Da mesma forma, um sistema de escrita de música, sejam partituras ou cifras ou outros, não é a própria música.

Li a lista de resultados originais de Newton nos Principa apresentada pelo Morris Kline naquele livrão sobre o pensamento matemático da antiguidade aos nossos dias... Fico imaginando um matemático de hoje voltando no tempo e dizendo a ele: "Cara, muito legal isso aí, mas deixa eu te ensinar a verdadeira matemática, vamos começar falando sobre o axioma de extensionalidade".

:-)

M.
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Samuel Gomes da Silva

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Aug 6, 2023, 11:40:50 AM8/6/23
to Márcio Palmares, Jorge Petrucio Viana, Valeria de Paiva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Olá Márcio,

Touché, talvez uma melhor frase seja "hoje a Matemática é ZFC".

E sim, claro, estamos possivelmente falando de um melhor desenho do cachimbo que possamos dar, e não do cachimbo em si.

Abraço

[]s Samuel


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Enviadas: Sun, 06 Aug 2023 10:03:13 -0300 (BRT)
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Valeria de Paiva

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Aug 6, 2023, 12:10:29 PM8/6/23
to Márcio Palmares, Samuel Gomes da Silva, Jorge Petrucio Viana, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Muito boa, a comparação, Marcio! 

mas me parece que o nível está um pouco errado. os sistemas fundacionais seriam mais como as linguagens de programação, do que como sistemas operacionais. a matemática sempre pode ser feita numa linguagem diferente, mas fica com uma cara diferente se for feita em C ou Haskell ou Python. 

Acho que o nível importa, porque sistemas operacionais parecem estar cada vez mais poderosos, mas linguagens não e' tao claro como elas se relacionam umas com as outras. Então e'  mais uma questão de gosto. e os pros e cons são mais complicados.

Mas gente pode traduzir a matemática do seculo 17, por exemplo, em ZFC e essa foi uma grande conquista matemática do final do seculo 19, certo? acho esse paper do Quinn muito interessante
A Revolution in Mathematics? What Really Happened a Century
Ago and Why It Matters Today, Frank Quinn 2012
Nao concordo com tudo o que ele fala, mas acho tudo bem interessante e provocativo, no bom sentido, de provocar questionamentos.

abraços,
Valeria

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Itala Maria Loffredo D'Ottaviano

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Aug 6, 2023, 4:09:09 PM8/6/23
to Valeria de Paiva, Márcio Palmares, Samuel Gomes da Silva, Jorge Petrucio Viana, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Marcos:

Esta discussão, provocada pelo bate-papo com o Samuel, ficou tão interessante, que sugiro a você que programe um bate-papo conjunto entre você, Samuel e Daniel. 
Que tal?

Abraços,

Itala

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Prof. Dr. Itala M. Loffredo D'Ottaviano
Full Professor in Logic and the Foundations of Science 
Member and Researcher of the Centre for Logic, Epistemology and the History of Science at the University of Campinas
Research Fellow of the Brazilian National Council for Scientific and Technological Development
Titular Member, Brazilian Academy of Philosophy (Rio de Janeiro)
Emeritus Member, Académie Internationale de Philosophie de Sciences (Bruxelles)
Titular Member, Institut International de Philosophie (Paris-Nancy)
Editor of Coleção CLE, by the Centre for Logic, Epistemology and the History of Science. 

Itala Maria Loffredo D'Ottaviano

unread,
Aug 6, 2023, 4:10:29 PM8/6/23
to Samuel Gomes da Silva, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Marcos:

Esta discussão, provocada pelo bate-papo com o Samuel, ficou tão interessante, que sugiro a você que programe um bate-papo conjunto entre você, Samuel e Daniel. 
Que tal?

Abraços,

Itala

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Márcio Palmares

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Aug 6, 2023, 4:12:09 PM8/6/23
to Valeria de Paiva, Samuel Gomes da Silva, Jorge Petrucio Viana, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Oi, pessoal!

Obrigado, Valeria, pela correção!

Ainda fico um pouco em dúvida, porém, pois quando escrevemos algo em determinada linguagem de programação, normalmente nos adaptamos à sintaxe e temos mais de uma implementação em mente, em linguagens rivais, e essa pluralidade de opções nos permite ver que a ideia matemática é independente da linguagem escolhida...

O que parece acontecer com ZFC é algo mais profundo: parece implicar uma forma ou estilo de praticar matemática que contém uma "ontologia" (tudo é conjunto) e um arcabouço de técnicas de demonstração que parecem regular as relações entre o pensamento (softwares) e o cérebro (hardware). Por isso pensei que seria algo como um sistema operacional... Mas deve estar errada mesmo a minha analogia, hehe.

Mas a provocação que eu gostaria mesmo de fazer é a seguinte:

(I) Uma construção lógica da matemática, independente da intuição matemática, é 
impossível, pois por este método não se obtém mais do que uma estrutura linguística, 
que permanece irrevogavelmente separada da matemática — e, além disso, é uma 
contradictio in terminis — porque um sistema lógico precisa da intuição básica da 
matemática tanto quanto a própria matemática precisa dela.

(II) A matemática é independente da lógica.

(III) A lógica depende da matemática.
 
(BROUWER, On The Foundations of Mathematics, 1907, tradução minha.)

Eu concordo inteiramente com essas três teses do Brouwer.

Não poderia ser, portanto, que a matemática fosse identificada com ZFC ou com a teoria de categorias (vista como sistema fundacional) ou com outros sistemas rivais (HoTT).

Creio que quando o Samuel diz "a matemática atual é ZFC" talvez esteja dizendo que ZFC é o paradigma dominante. Mas ZFC é só uma "estrutura linguística" por meio da qual falamos sobre matemática, e não a própria matemática.

Por exemplo, criaturas matemáticas interessantíssimas precisam ser expulsas de campo se quisermos jogar com ZFC (infinitesimais, o conjunto de todos os conjuntos). Isso mostra que o pensamento matemático frequentemente precisa romper as restrições impostas pela gramática da linguagem em que é escrito...

Abraços!

M.




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Valeria de Paiva

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Aug 6, 2023, 4:52:23 PM8/6/23
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oi Marcio,
não foi correção não, foi so' a minha versão da sua ótima metáfora!

Porque a gente quer mesmo saber que teoremas, que propriedades se mantém invariantes quando pensamos nas diferentes implementações da matematica, não e'?

eu não quero muito pensar nas máximas do Brouwer não, mas concordo plenamente com
>quando o Samuel diz "a matemática atual é ZFC" talvez esteja dizendo que ZFC é o paradigma dominante. Mas ZFC é só uma "estrutura linguística" por meio da qual falamos sobre matemática, e não a própria matemática.
Por exemplo, criaturas matemáticas interessantíssimas precisam ser expulsas de campo se quisermos jogar com ZFC (infinitesimais, o conjunto de todos os conjuntos). Isso mostra que o pensamento matemático frequentemente precisa romper as restrições impostas pela gramática da linguagem em que é escrito...

verdade, e dai segue se que?....
(como eles dizem nos cursos de improvisação)

tudo de bom,
Valeria

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Samuel Gomes da Silva

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Aug 6, 2023, 8:46:44 PM8/6/23
to Valeria de Paiva, Márcio Palmares, Jorge Petrucio Viana, Daniel Durante, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA
Caros,

Mais do que "paradigma dominante", é mais "ambiente de trabalho", quase que "o ambiente oficial de trabalho" (isso de "ser independente da Matemática é ser independente de ZFC" é algo que eu nem lembrei de comentar na live em si, me surgiu essa observação durante está discussão na lista agora).

Até mais,

[]s Samuel




----- Mensagem original -----
De: Valeria de Paiva <valeria...@gmail.com>
Para: Márcio Palmares <marciop...@gmail.com>
Cc: Samuel Gomes da Silva <sam...@ufba.br>, Jorge Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>, Daniel Durante <dura...@gmail.com>, Marcos Silva <marcos...@gmail.com>, pin...@googlegroups.com <logi...@dimap.ufrn.br>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>
Enviadas: Sun, 06 Aug 2023 17:52:06 -0300 (BRT)
Assunto: Re: [Logica-l] Coletivo Lógica Viva: sobre infinitos, números e provas

Cassiano Terra Rodrigues

unread,
Aug 7, 2023, 8:17:48 AM8/7/23
to LOGICA-L, samuel, marciopalmares, Petrucio Viana, dura...@gmail.com, Marcos Silva, pin...@googlegroups.com, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva
Camaradas, bons dias! 
Acompanhei com vivo interesse a palestra com o Samuel e agora essa maravilhosa conversa aqui. Agradeço a vcs, todos e todas. 
A mensagem do Marcio com os pontos de contato com Brower contemplou o q eu estava ensaiando para escrever, de modo que escrevo apenas para complementar e lançar algumas perguntas, já q eu não sou matemático e nem lógico. Perdoem então a minha ingenuidade filosófica. 
O argumento do Samuel para o Daniel me parece funcionar na seguinte base "metafísica" : uma vez que é provado, então é possível para além do provado. Isso faz da distinção entre lógica e matemática algo menos nítido do q as nossas classificações disciplinares parecem sugerir, não? 
Ao mesmo tempo, a ideia de "ambiente de trabalho" preserva a distinção entre a linguagem e a atividade científica da matemática em si, digamos assim, se for permitido. Pois o q ressalta aos meus olhos é q não se deve confundir a própria ciência com a linguagem da qual ela se utiliza, em outros termos, uma coisa é o que o matemático faz com o cálculo, outra é o próprio cálculo que ele usa. Mas inventar a própria linguagem é algo q os matemáticos fazem desde sempre, não? Então, esse aspecto criativo me fez pensar q realmente a lógica é q está dentro da matemática, como Brower (e Peirce) defendiam, já q os lógicos, para descrever os raciocínios, quando inventam linguagens, agem como matemáticos. E me fez pensar ainda no que significa dizer q a matemática é ciência, o que é descoberta ou invenção ou constatação etc. Não tenho mesmo melhor resposta do q a do Márcio, são critérios pragmáticos q decidem isso (ou valores, como quer Kuhn). O que não me parece contradizer a ideia de q a matemática nos revela coisas q de outra forma não saberíamos (há verdades matemáticas q não dependem de arbitrariedades humanas, ainda q sejam verdades puramente hipotéticas). 
Agora, puxando a sardinha pra brasa q eu conheço um pouco melhor, Peirce afirma o seguinte sobre a prática da matemática: diante de um estado de coisas confuso e intrincado, um físico, um médico ou um filósofo convocam um matemático cujo trabalho é desemaranhar essa confusão em termos tão simples e relações tão abstratas quanto o permitam as premissas dadas. É a criação de um estado de coisas hipotético. Desse modo, evidenciam-se relações de outra maneira obscuras e as conclusões podem ser generalizadas e esse é o interesse primordial do matemático: extrair conclusões que podem ser generalizadas para outros "ambientes de trabalho".
Faz sentido isso? A pergunta se dá em razão de que recentemente convidei o Odilon (Odilon Luciano, da USP, pra quem não sabe) pra uma palestra de um Pint of Science e ele lembrou q a maior parte da matemática q se faz atualmente era desconhecida até a aurora do século XX. E penso ainda q os desenvolvimentos em teoria das categorias pode levar essa situação muito adiante e daqui a 100 anos alguém poderá dizer o mesmo do século XXI. Estou delirando muito?
Antes de terminar, aproveitando o outro fio, essa seria uma boa temática, penso eu, para uma mesa na SBPC, não? 
Novamente, deixo os agradecimentos. 
Abraços,
cass. 



Márcio Palmares

unread,
Aug 7, 2023, 9:30:57 AM8/7/23
to Cassiano Terra Rodrigues, LOGICA-L, samuel, Petrucio Viana, dura...@gmail.com, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva
Oi Cassiano,

Eu não sabia nada sobre o Peirce até encontrá-lo no livrinho do John Lane Bell sobre o cálculo com infinitesimais nilpotentes (A primer of infinitesimal analysis).

De acordo com o John L. Bell, Peirce percebeu antes mesmo que Brouwer que uma análise do contínuo como tal, o contínuo geométrico, da noção propriamente geométrica de continuidade, acarretaria necessariamente o abandono da lei do terceiro excluído. E Peirce teria sido um defensor dos infinitesimais, contra os preconceitos introduzidos pela aritmetização da análise.

Noutras palavras: muitas vezes queremos praticar matemática e lidar com criaturas rebeldes (infinitesimais, conjuntos que pertencem a si mesmos, lembrando o Peter Aczel, contradições, etc.) e vemos que o ambiente de trabalho padrão nos proíbe de fazer isso, porque, a bem da verdade, o nosso paradigma dominante serve, em última instância, para preservar a lógica clássica: é completamente subordinando a ela.

A concepção de Brouwer, por sua vez, ao subordinar a lógica à matemática, e não o contrário, nos permite trafegar com mais naturalidade por diferentes mundos e assim não precisamos banir as criaturas rebeldes. Sacrificamos a lógica clássica e não as ideias matemáticas.

Esta é a vantagem, ao meu ver, do paradigma categorial inaugurado pelas pesquisas fundacionais do William Lawvere e que culminaram com o desenvolvimento da teoria dos topos, topos theory (não sei qual a expressão corrente em português).

Mas há muito mais filosofia e epistemologia da matemática por trás dessa cristalização de paradigmas. Remonta à diferença entre a concepção de universo de Parmênides (que levaria à matemática clássica) e concepção de universo de Heráclito (que levaria à matemática categorial).

Abraços!

M.

Daniel Durante

unread,
Aug 7, 2023, 9:41:05 AM8/7/23
to LOGICA-L, marciopalmares, LOGICA-L, samuel, Petrucio Viana, Daniel Durante, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Oi Marcio e colegas,

Eu acho, Marcio, que quando Samuel fala que a matemática é ZFC, ele não está querendo dizer isso literalmente, no sentido de que os números são certos conjuntos e que as funções são conjuntos de pares com certas propriedades,... Ele está falando de um jeito menos literal. Os números são qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos se comportam em ZFC e as funções são qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos de pares se comportam em ZFC.

Porque veja, junto com dizer que a matemática é ZFC ele diz também que ZFC não tem modelo canônico e que a matemática não são nem as regras do jogo, nem os diversos tabuleiros onde o jogo é jogado - nem os axiomas de ZFC, nem seus muitos modelos.

A matemática não é a formalização de ZFC e também não é cada uma das possíveis estruturas que verificam os axiomas. A matemática seria aquilo que todas as estruturas que verificam os axiomas têm em comum.

Aí, cabe tanto os matemáticos contemporâneos que nem sabem quais são os axiomas de ZFC, mas que os respeitam, porque vivem em (jogam) versões desse jogo, ainda que talvez nem saibam disso. E cabe também, em certo sentido, os matemáticos do passado que também jogavam versões desse jogo sem saber.

Talvez, se a gente procurar na história, a gente encontre os momentos em que as regras do jogo foram se estabelecendo, e o jogo foi sendo consolidado. Nessa visão dá para entender até o protesto de Valéria, por exemplo, que nos lembrou que muitos matemáticos se recusam a utilizar o axioma da escolha e se limitam a jogadas que cabem em ZF, uma versão simplificada do jogo.  

E protestos desse tipo ajudam também a explicar e acomodar as abordagens fundacionais alternativas. Qual seria a principal motivação de quem pensa em fundar a matemática na Teoria das Categorias, ou na Teoria dos Tipos? Eu acho que a principal motivação é ajustar o JOGO para alguma divergência que não se encaixa perfeitamente em ZFC.

Acho que um bom exemplo para entender isso é a relação da geometria com a álgebra. Veja, não sou matemático e se eu tiver falando bobagem, vocês simplesmente desconsiderem. Mas vejo a afirmação de que a matemática é ZFC de um modo paralelo à afirmação de que a geometria é álgebra.

Em um certo sentido, isso está correto. Que eu saiba, não há nada na geometria que não caiba na álgebra, no sentido de que não há nenhum resultado geométrico que não tenha contrapartida algébrica. Então, em um sentido matemático, de resultados, geometria é álgebra. Mas é claro que Euclides, ou os geômetras de régua e compasso não são algebristas e não estavam fazendo álgebra. É claro que conseguimos entender certas estruturas, relações e conceitos muito melhor e mais claramente na geometria que na álgebra, que todos temos intuições geométricas, mas que só alguns poucos de nós, matematicamente treinados, têm as intuições algébricas equivalentes.

Então, em um outro sentido muito forte, geometria não é álgebra. Mas esse outro sentido muito forte, não é o sentido matemático. Em um sentido matemático, de resultados matemáticos, geometria é álgebra.

Então, pensando nesses termos, eu concordo com a tese de Samuel de que a matemática é ZFC. Mas isso não me impede de concordar se o Eduardo Ochs ou alguém da teoria das categorias me disser que a matemática é Teoria das Categorias ou outra teoria qualquer, desde que as eventuais divergências extensionais entre a teoria nova e ZFC sejam convincentemente justificadas.

Não sei se o Samuel, que é o "pai da criança", enxerga sua própria abordagem desse jeito. Mas é assim que eu vejo. E nesses termos, eu concordo com ela.

Saudações,
Daniel.

Joao Marcos

unread,
Aug 7, 2023, 11:29:20 AM8/7/23
to Daniel Durante, LOGICA-L
Viva!

Contribuo meus dois centavos à conversa, também.

> Aí, cabe tanto os matemáticos contemporâneos que nem sabem quais são os axiomas de ZFC, mas que os respeitam, porque vivem em (jogam) versões desse jogo, ainda que talvez nem saibam disso. E cabe também, em certo sentido, os matemáticos do passado que também jogavam versões desse jogo sem saber.

Talvez não possamos dizer, neste caso, que se tratam de versões do
_mesmo_ jogo? Permanece aberta, por exemplo, a discussão sobre se os
antigos matemáticos hindus ou gregos faziam demonstrações por *indução
matemática*. Parece-me bem difícil defender tal coisa. E talvez seja
no mínimo anacrônico falar no uso, digamos, do *método da
diagonalização* antes do século XX...

> Que eu saiba, não há nada na geometria que não caiba na álgebra, no sentido de que não há nenhum resultado geométrico que não tenha contrapartida algébrica. Então, em um sentido matemático, de resultados, geometria é álgebra. Mas é claro que Euclides, ou os geômetras de régua e compasso não são algebristas e não estavam fazendo álgebra.

A comparação é interessante, já que há muitas alternativas às
construções com régua-e-compasso (mais fracas, como o uso exclusivo do
compasso), ou mais fortes, como o uso exclusivo de uma régua graduada,
ou o uso irrestrito de dobraduras de origami. Também parece
importante apontar aqui que a geometria que se faz hoje (com o auxílio
da abordagem algébrica, e mais) transcende muito o que a turma do
Euclides podia fazer. Este seria mais um caso em que não temos
exatamente o _mesmo_ jogo? Outra situação similar estaria talvez no
contraste entre o silogismo aristotélico e a lógica contemporânea: em
que sentido seriam "versões do mesmo jogo"?

Joao Marcos

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 7, 2023, 1:47:25 PM8/7/23
to Daniel Durante, LOGICA-L, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Caros,

A mensagem do Cassiano eu preciso digerir mais, hehe,

Daniel, sua analogia com "geometria é álgebra" é pertinente sim,

E na verdade me lembrou do prefácio de um excelente livro de graduação de Teoria dos Conjuntos, o do Enderton: se não me falha a memória, vai na seguinte linha:

"Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas:

A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos;

A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos;

A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos"

Apesar do que alguém poderia pensar, mesmo com o meu "matemática é ZFC", eu tendo a pensar mais pela segunda alternativa, talvez nesse espírito de "ambiente de trabalho".

(E como pintura do cachimbo, claro...)

Abraços

[]s Samuel

PS: Ah sim, isso de "geometria é álgebra"
tem a haver com a internalização da geometria dentro da álgebra, aí da mesma forma a pessoa pode decidir entre "está", "pode ser", "deve ser"...

















----- Mensagem original -----
De: Daniel Durante <dura...@gmail.com>
Para: LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>
Cc: marciopalmares <marciop...@gmail.com>, LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>, samuel <sam...@ufba.br>, Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>, Daniel Durante <dura...@gmail.com>, Marcos Silva <marcos...@gmail.com>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>, valeria.depaiva <valeria...@gmail.com>, Cassiano Terra Rodrigues <cassian...@gmail.com>
Enviadas: Mon, 07 Aug 2023 10:41:05 -0300 (BRT)
Assunto: Re: ao

Márcio Palmares

unread,
Aug 7, 2023, 3:45:05 PM8/7/23
to Samuel Gomes da Silva, Daniel Durante, LOGICA-L, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Oi, Samuel, obrigado pela gentileza das suas respostas anteriores que eu não comentei muito diretamente. :-)

Agradeço também ao Daniel por oferecer mais elementos para a discussão. Obrigado! :-)

Tenho um amigo que escreveu recentemente um livro sobre como ZFC se infiltra no solo e contamina toda a matemática que cresce nesse solo (contamina no bom sentido, de permitir que se escreva a matemática com essa linguagem). O livro começa com uma sentença mais ou menos assim (citando de memória): "a matemática tem dois aspectos essenciais, lógica e linguagem".

Pois bem. Ao meu ver, é um paradigma, exatamente o paradigma predominante.

Eu olho a coisa sob outro ponto de vista, o paradigma "intuicionista fraco" (inventei esse nome agora), cujos fundamentos seriam as três afirmações anteriores de Brouwer mais as três seguintes (seriam seis postulados epistemológicos, digamos assim):

(a) A matemática lida com construções mentais, que são imediatamente apreendidas pela mente; matemática não consiste na manipulação formal de símbolos, e o uso da linguagem matemática é um fenômeno secundário, induzido por nossas limitações (quando comparadas com um matemático ideal com memória ilimitada e perfeita), e o desejo de comunicar nossas construções matemáticas para outros;

(b) Não faz sentido pensar em verdade ou falsidade de uma afirmação matemática independentemente de nosso conhecimento sobre a afirmação. Uma afirmação é verdadeira se tivermos uma prova dela, e falsa se pudermos mostrar que a suposição de que existe uma prova para a afirmação leva a uma contradição. Para uma afirmação arbitrária, portanto, não podemos afirmar que ela é verdadeira ou falsa;

(c) A matemática é uma criação livre: não é uma questão de reconstruir mentalmente, ou compreender a verdade sobre objetos matemáticos que existiriam independentemente de nós (isso está em contraste com, por exemplo, os empiristas franceses; cf. 4.2).

(TROELSTRA e van DALEN, Constructivism in Mathematics. An Introduction, p. 4)

Pela cláusula (a) acima, a linguagem não é tão importante assim para a matemática... Na verdade, a linguagem às vezes cria embaraços e nos deixa atolados em paradoxos e nos faz perder muito tempo com preciosismos... Por isso, muitas vezes os físicos colaboram mais para o surgimento de matemática nova do que os próprios matemáticos, já que eles não se importam nem um pouco com as regras da linguagem e inventam as coisas de que necessitam (função delta de Dirac, por exemplo). Também a lógica não pode ser assim tão decisiva, pois ao menos para Brouwer, a lógica é que deriva da matemática (esse ponto do pensamento de Brouwer não é capturado nessa síntese de Troelstra e van Dalen).

A cláusula (b) joga fora a lei do terceiro-excluído, e assim batemos de frente com o paradigma dominante, em que a lógica clássica é "subjacente".

Finalmente, a cláusula (c) força-nos a uma colisão com o platonismo e o realismo, e por essa via colidimos também com o paradigma dominante.

Eu chamo esses 6 postulados de "intuicionismo fraco" pois não precisamos do pacote completo das ideias filosóficas de Brouwer e seus seguidores, estes 6 pontos bastam.

Com isso, podemos praticar matemática em diferentes ambientes, e lidar com criaturas que precisam ser banidas em ZFC para preservar a lógica clássica.

E uma vez que ZFC necessita banir certas criaturas matemáticas inteiramente legítimas, embora marginais do ponto de vista da "ciência padrão" (Kuhn), não pode conter toda a matemática. Pode conter apenas os ramos considerados principais na atualidade...

Agora se acabaram de vez meus dois centavos... :-)

M.  

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 7, 2023, 5:06:58 PM8/7/23
to Márcio Palmares, Daniel Durante, LOGICA-L, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Olá Márcio,

Pontos de vista anotados, agradeço igualmente ! E seus seis pontos dizem diretamente do cachimbo, e não dos retratos dele, muito bem !

Como últimos centavinhos também, concordo que ZFC tem essa cara standard, quadradinha, como um transatlântico que se move lentamente sobre águas não tranquilas.

Mas pois é, também serve como base de lançamentos para algumas lanchinhas não-classicas.

Fazemos aí umas ultrapotencias espertas com ultrafiltros livres e pimba, obtemos modelos com infinitesimos (ou seja, representações não standard brotando da matemática standard).

Topologias fornecem exemplos de Álgebras de Heyting. Espaços topológicos fornecem semânticas para lógicas modais.

E muitos livros de categorias começam observando que com uns dois cardinais inacessíveis pelo menos podemos modelar classes e conglomerados e trabalhar com categorias nesse ambiente. E mais interações entre inacessíveis e categorias vêm aparecendo nos últimos anos.

Então o transatlântico standard também serve como base de lançamento para essas lanchinhas não-standard.

Abraços

[]s Samuel



----- Mensagem original -----
De: Márcio Palmares <marciop...@gmail.com>
Para: Samuel Gomes da Silva <sam...@ufba.br>
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Enviadas: Mon, 07 Aug 2023 16:44:51 -0300 (BRT)

Cassiano Terra Rodrigues

unread,
Aug 7, 2023, 8:36:10 PM8/7/23
to Samuel Gomes da Silva, Márcio Palmares, Daniel Durante, LOGICA-L, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva
Caros, boas noites. 
Vou gastar então meus parcos centavos, na verdade, não são meus e sim de Peirce, q tinha mais do q centavos pra gastar nesse assunto. 
Desculpem a autocitação, acho ruim fazer, mas nesse caso não é por presunção. 
Eu trabalhei com a filosofia da matemática de Peirce em um artigo, há tempos, e agora fiquei impressionado com a similaridade das ideias de CSP com as afirmações do Márcio. 
Márcio, o q vc diria? O meu artigo é o seguinte: https://revistas.pucsp.br/index.php/cognitio/article/view/5719
não é lá grandes coisas, mas tem uma apresentação razoável, penso eu, do cerne das ideias de CSP sobre o assunto. 
Da perspectiva dele, o dualismo contrucionismo / intuicionismo não faz muito sentido, até onde consigo perceber. Mass a ideia de construir diagramas hipotéticos e extrair deles as consequências me parece muito próxima do q vc afirmou. O Hintikka dizia q a distinção de Peirce entre dedução corolarial e teoremática (explico no artigo) era a mais importante descoberta de CSP. Esse é o ponto q me sugere a comparação com o q vc defendeu aqui. 
Abraços,
cass. 


Cassiano Terra Rodrigues
Prof. Dr. de Filosofia - IEF-H-ITA
Rua Tenente Brigadeiro do ar Paulo Victor da Silva, F0-206 
Campus do DCTA
São José dos Campos
São Paulo, Brasil
CEP: 12228-463
Tel. (+55) 12 3305 8438

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lealdade, humildade, procedimento

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07/08/23, 21:28:09

Julio Stern

unread,
Aug 8, 2023, 6:54:10 AM8/8/23
to Daniel Durante, Samuel Gomes da Silva, LOGICA-L, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
> "Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas:
> A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos;
> A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos;
> A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos" 

Car(a/o)s: 
Permitam-me apresenta uma visao alternativa: 

-- A maioria dos matematicos, simplesmente Nao esta interessada nesta questao. 
Esta questao eh pertinente para -- Fundamentos da Matematica -- , 
uma Area Especifica muito interessante, para uma minoria que gosta do assunto,   
mas provavelmente desnecessaria para o trabalho da maioria dos matematicos.  
  
Reproduzo a seguir um pequeno trecho do artigo: 
 
 
------------------------------------

2.3.  [Terceira Licao:] 
Em engenharia, a construção de uma casa começa pelo trabalho nos fundamentos. 
Em matemática, os fundamentos são feitos no final, para suportar a casa que já temos! 
   
Enquanto fazia meu mestrado, tive notícia de uma suposta prova topológica de inconsistência de ZFC (a teoria de conjuntos de Zermelo–Fraenkel acrescida pelo Axioma da Escolha), uma ferramenta padrão de fundamentos da matemática. Lá fui eu, muito preocupado, conversar a respeito com meu orientador. 
O Harle logo me tranquilizou, explicando que, verdadeira ou não, a notícia pouco impacto teria sobre nosso trabalho em geometria [Lorentziana/ Riemanniana]. 
Para o Harle, o papel da geometria seria o de tratar racional e sistematicamente uma classe de problemas que se nos apresentam no mundo em que vivemos; situação semelhante à de outras disciplinas científicas ou especialidades da matemática. 

Na visão do Harle, o papel da área de fundamentos seria o de prover uma base comum que atendesse às necessidades de um programa avançado e abrangente de axiomatização de todas estas disciplinas. 
Tal programa seria altamente meritório; todavia, eu deveria ter sempre em mente a terceira lição, como acima enunciada. 

Muito mais tarde na vida, encontrei uma perspectiva (em minha visão) semelhante, na citação seguinte atribuída a Kurt Gödel, vide Mehlberg (1962, p.86), Lakatos(1978, p.27) e Stern (2011, p.645-647). Mais uma vez, esta lição, que aprendi com o Harle, sobre o papel que cabe em ciências exatas a seus fundamentos axiomáticos, veio a influenciar significativamente meu trabalho futuro. 

[...] o papel das assim chamadas ‘fundações’ é comparável à função exercida, nas teorias físicas, por hipóteses explicativas. [...] A real função dos axiomas é a de explicar os fenômenos descritos pelos teoremas deste sistema, e não o de prover uma genuína ‘fundação’ para estes teoremas. (Kurt Gödel) 
   
--------------------------------------

No artigo seguinte, faco uma analise mais detalhada desta (minha?) visao "empiricista" da matematica:  


Como referencia fundamentais (pun intended) para esta posicao, cito: 

Arpad Szabo (1978). The Beginnings of Greek Mathematics; Akademiai Kiado:  Budapest, Hungary.  

Imre Lakatos, J. Worall, E. Zahar, eds. (1976). Proofs and Refutations: The Logic of Mathematical Discovery;  Cambridge University Press: Cambridge, UK. 

Imre Lakatos (1978). Philosophical Papers. V.1 -- The Methodology of Scientific Research Programmes. V.2. -- Mathematics, Science, and Epistemology. Cambridge University Press: Cambridge, UK. 

------------------------------------------ 

Notem ainda que Logica tem varios papeis relevantes nesta discussao. 

- Um papel, aceito e tradicional, da Logica e teoria dos conjuntos eh justamente o de construir ferramentas para Fundamentos Axiomaticos da Matematica, sendo ZFC o paradigma mais conhecido. 

Outros papeis relevantes (na minha opiniao) da Logica seriam os de: 

> Estudar os processos -- Indutivos -- (sim, sim; Indutivos, nao dedutivos!) que levam a abstracao de estruturas matematicas a partir da formalizacao de teorias Fisicas (ou em outras ciencias empiricas), e 
 
> Estudar a melhor forma de construir e oganizar Ontologias da (ou de partes da) Matematica e a melhor forma para sua  insercao nas ou interacao com as ontologias de ciencias empiricas.       
 
Tudo de bom, 
---Julio Stern 
    


From: 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>
Sent: Monday, August 7, 2023 5:45 PM
To: Daniel Durante <dura...@gmail.com>
Cc: LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; marciopalmares <marciop...@gmail.com>; LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>; Marcos Silva <marcos...@gmail.com>; Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>; valeria.depaiva <valeria...@gmail.com>; Cassiano Terra Rodrigues <cassian...@gmail.com>
Subject: [Logica-l] Re: ao
 
--
LOGICA-L
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Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+u...@dimap.ufrn.br.

Daniel Durante

unread,
Aug 8, 2023, 8:27:07 AM8/8/23
to LOGICA-L, jmstern, LOGICA-L, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues, Daniel Durante, samuel
Concordo com você, Julio. Os lógicos e o pessoal dos fundamentos não são legisladores e nem juízes da matemática. São apenas cronistas.

Saudações,
Daniel.

Daniel Durante

unread,
Aug 8, 2023, 8:45:55 AM8/8/23
to LOGICA-L, Daniel Durante, jmstern, LOGICA-L, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues, samuel
Ah! Faltou dizer que uma boa crônica não só ajuda a gente a entender o mundo, como talvez até a melhorá-lo. 🙂

Samuel Gomes da Silva

unread,
Aug 8, 2023, 10:26:08 AM8/8/23
to Daniel Durante, LOGICA-L, jmstern, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Oi gente,

Sim, mesmo que o matemático establishment faça aquela escolha sobre "estar"/"pode ser"/"deve ser" do prefácio do Enderton, pra a maioria isso é só um xiszinho numa resposta que ele não está interessado na pergunta, é isso mesmo. Acho que eu falei isso na live também.

Abraços

[]s Samuel
----- Mensagem original -----
De: Daniel Durante <dura...@gmail.com>
Para: LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>
Cc: Daniel Durante <dura...@gmail.com>, jmstern <jms...@hotmail.com>, LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>, marciopalmares <marciop...@gmail.com>, Petrucio Viana <petruci...@id.uff.br>, Marcos Silva <marcos...@gmail.com>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>, valeria.depaiva <valeria...@gmail.com>, Cassiano Terra Rodrigues <cassian...@gmail.com>, samuel <sam...@ufba.br>
Enviadas: Tue, 08 Aug 2023 09:45:55 -0300 (BRT)
Assunto: Re: ao

Ah! Faltou dizer que uma boa crônica não só ajuda a gente a entender o
mundo, como talvez até a melhorá-lo. ??
>> <https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/12/Ste20RMU.pdf>
>> doi: 10.21711/26755254/rmu202025
>> <https://doi.org/10.21711/26755254/rmu202025>
>> Induction, and Falibilist Deduction: A Threefold Contrast. *Information*,
>> 2, 4, 635-650.
>> <https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/10/Ste11Axi.pdf>
>> doi:10.3390/info2040635 <http://doi.org/10.3390/info2040635>
>>
>> Como referencia fundamentais (pun intended) para esta posicao, cito:
>>
>> Arpad Szabo (1978). The Beginnings of Greek Mathematics; Akademiai
>> Kiado: Budapest, Hungary.
>>
>> Imre Lakatos, J. Worall, E. Zahar, eds. (1976). Proofs and Refutations:
>> The Logic of Mathematical Discovery; Cambridge University Press:
>> Cambridge, UK.
>>
>> Imre Lakatos (1978). Philosophical Papers. V.1 -- The Methodology of
>> Scientific Research Programmes. V.2. -- Mathematics, Science, and
>> Epistemology. Cambridge University Press: Cambridge, UK.
>>
>> ------------------------------------------
>>
>> Notem ainda que Logica tem varios papeis relevantes nesta discussao.
>>
>> - Um papel, aceito e tradicional, da Logica e teoria dos conjuntos eh
>> justamente o de construir ferramentas para Fundamentos Axiomaticos da
>> Matematica, sendo ZFC o paradigma mais conhecido.
>>
>> Outros papeis relevantes (na minha opiniao) da Logica seriam os de:
>>
>> > Estudar os processos -- Indutivos -- (sim, sim; Indutivos, nao
>> dedutivos!) que levam a abstracao de estruturas matematicas a partir da
>> formalizacao de teorias Fisicas (ou em outras ciencias empiricas), e
>>
>> > Estudar a melhor forma de construir e oganizar Ontologias da (ou de
>> partes da) Matematica e a melhor forma para sua insercao nas ou
>> interacao com as ontologias de ciencias empiricas.
>>
>> Tudo de bom,
>> ---Julio Stern
>>
>>
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>> *From:* 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>
>> *Sent:* Monday, August 7, 2023 5:45 PM
>> *To:* Daniel Durante <dura...@gmail.com>
>> *Cc:* LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; marciopalmares <
>> marciop...@gmail.com>; LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; Petrucio Viana <
>> petruci...@id.uff.br>; Marcos Silva <marcos...@gmail.com>; Grupo de
>> pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>; valeria.depaiva <
>> valeria...@gmail.com>; Cassiano Terra Rodrigues <cassian...@gmail.com>
>> *Subject:* [Logica-l] Re: ao

Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz

unread,
Aug 8, 2023, 10:58:58 AM8/8/23
to Samuel Gomes da Silva, Daniel Durante, LOGICA-L, jmstern, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Caros,

Peço permissão para acrescentar um elemento a essa bela troca de ideias: os questionamentos de Brouwer no que diz respeito ao papel da linguagem na matemática estimulam uma grande reflexão, e, na minha opinião, não é à toa que Wittgenstein é levado a retomar o trabalho sobre a relação "linguagem vs mundo/realidade" ao ser "provocado" pela palestra de Brouwer em Viena. O que me ocorre nesse momento é o papel da linguagem enquanto instrumento de perceber e raciocinar sobre uma realidade. Não apenas em seu aspecto estritamente "sintático", mas sobretudo na sua dimensão de significado, propósito, etc. E aqui entra o papel das conexões entre "linguagens" (ou "jogos de linguagem") e as pontes construídas entre "áreas" da Matemática, entre elas: geometria vs álgebra (Descartes), cálculo diferencial vs geometria (Poincaré, Chern, et al.), lógica matemática e conjuntos (Cantor, Hilbert, Zermelo, Fraenkel), curvas elípticas e formas modulares (Taniyama-Shimura), topologia algébrica vs categorias, etc. Mais recentemente, lógica/teoria da prova vs homotopia, permitindo a revelação e/ou consolidação de pontes que permitem vislumbrar "generalizações" nunca dantes percebidas, nem tanto por seus aspectos estritamente de formato, mas sobretudo de utilização dos seus elementos na revelação e utilidade de conexões entre diferentes "mundos" da matemática.

Ruy


Mayk Alves de Andrade

unread,
Aug 30, 2023, 6:13:28 PM8/30/23
to Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz, Samuel Gomes da Silva, Daniel Durante, LOGICA-L, jmstern, marciopalmares, Petrucio Viana, Marcos Silva, Grupo de pesquisa CLEA, valeria.depaiva, Cassiano Terra Rodrigues
Olá a todos!

Queria me delongar em algumas reflexões, se me permitem. Lembro que a Filosofia Analítica surgiu quando Frege, fazendo uma releitura do que havia defendido Kant, quis demonstrar que a aritmética seria analítica. Para Kant, um juízo analítico é aquele no qual o predicado está contido no sujeito, ou seja, estamos quebrando um "conceito maior" em "conceitos menores". Para Kant, matemática seria sintética e a priori. Já Frege defendeu que seria analítica, mas para ele ser analítico é ser derivável apenas de leis lógicas gerais e definições. ZFC é um produto do desenvolvimento e reformulação do programa filosófico de Frege (certamente com influência de inúmeros outros pensadores, como Cantor, Hilbert e Russell para citar somente três).

Para mim, a questão central da Filosofia Analítica é o fato de que, no decorrer de seu desenvolvimento, ela transformou a ontologia em pura epistemologia. O pontapé foi dado por Frege, como disse na passagem acima, mas ainda mais radical foi o pensamento de Wittgenstein que originou o positivismo lógico. No fim, parou-se de falar em ontologia. Tudo passa a ser tido como um fenômeno estritamente linguístico, como acreditam os formalistas ou nominalistas. Na verdade, o que ocorreu não foi a destruição da ontologia, mas a ontologização da linguagem. Vejam, por exemplo, a ideia de "compromisso ontológico" de Quine. Outro exemplo é a ideia de matemática como jogo. 

Já Brouwer resistiu à tentação analítica. O Ruy disse algo que não sabia, que foi ele quem fez Wittgenstein voltar a falar de "realidade", ou seja, de ontologia. Brower era resistente a qualquer tipo de formalização da linguagem. A lógica intuicionista que conhecemos hoje foi formalizada por seus seguidores. Aparentemente, a ideia que Brower tinha da matemática era mais próxima do idealismo de Kant.

Pois bem, Lawvere foi um matemático que buscou basear seu trabalho fundacional em Hegel. Na verdade, o Lawvere foi além, pois Hegel era um idealista e, para o Lawvere a realidade material (e.g. a física) cumpria um papel relevante nas formulações matemáticas. Lawvere foi um dos primeiros a perceber o poder expressivo que a teoria de categorias trazia para a lógica. Mais que isso, viu como a teoria de topos da geometria algébrica fornecia uma ponte entre a lógica e a geometria.  

Já conversei um pouco sobre isso com o Márcio. Ele citou os textos de Bell sobre os infinitesimais. Guardarei para leitura futura. Até onde sei, nos modelos da Geometria Diferencial Sintética de Kock-Lawvere (que são topos), os infinitesimais surgem a partir da dupla-negação. São o "conjunto" que corresponde à sentença "x tal que ¬¬(x=0)", i. e., os elementos que não são diferentes de 0. Percebam que, na lógica clássica, esse conjunto só possui o 0, mas na intuicionista não. Logo, a lógica adequada para o tratamento sintético da geometria, assim como fez Leibniz e Newton, é intrinsecamente intuicionista.

De fato, podemos dizer que as construções de Lawvere foram fortemente guiadas pela tentativa de capturar a filosofia de Hegel, mas com um viés de fortemente materialista. Foi surpreendente para mim descobrir que, na verdade, Lawvere se baseou nos Manuscritos Matemáticos de Marx (onde ele trata do cálculo infinitesimal), e possivelmente também na filosofia de Engels, Lenin e Mao, para formular sua axiomatização da geometria diferencial. 

Na China, inclusive, o cálculo diferencial é ensinado sob a perspectiva marxiana. Ou seja, o padrão na China é estudar a análise não-padrão. Ainda não tive o prazer de ler esses manuscritos, ou mesmo os livros de cálculo da China, mas parece valer a pena. Outro grupo que seguiu a linha de tentar fundamentar a matemática com a influência de Hegel surgiu a partir dos trabalhos de Sofya Yanovskaya, a responsável pelos estudos em lógica matemática da URSS e pela edição dos Manuscritos Matemáticos de Marx. O lógico húngaro Lakatos foi um de seus alunos, que também frequentava os seminários do filósofo Lukács. Glivenko, o pai da tradução da dupla negação, foi contemporâneo desse grupo. Uma pena que a burocracia estalinista destruiu a possibilidade de se avançar ainda mais.

Esse texto da Sofya ilustra bem o que se pensava na época:

Uma citação:

'I cannot pass over without a comment on old Hegel, who they say had no profound mathematical scientific education. Hegel knew so much about mathematics that none of his pupils were in a position to publish the numerous mathematical manuscripts among his papers. The only man to my knowledge to understand enough about mathematics and philosophy to be able to do that is Marx.' [Engels, Letter to A. Lange, March 29, 1865]

Assim como disse o Ruy, a mim também parece que, de alguma maneira, essa dualidade entre álgebra e geometria é a mesma dualidade que existe entre sintaxe e semântica, entre linguagem e produção de sentido. A teoria de categorias exerce uma função relevante nessa formulação, mas em especial a teoria de topos. Tem muita coisa interessante em teoria de topos que ainda há de ser explorada. Por exemplo, grosso modo, partindo de um topos no qual a HC é verdadeira, é possível construir topos no qual a HC é falsa usando o processo de feixificação pela topologia da dupla negação. 

Em termos filosóficos, porém, Lawvere era materialista. Sempre procurou aplicações da teoria de topos na física. Segundo ele, Cantor negou Mengen em Kardinalen, ou seja, desproviu a noção de conjuntos de qualquer "coesividade". Essa ausência de coesividade foi então negada quando ocorreu a fundamentação da matemática usual (em especial, da geometria) em termos da teoria de conjuntos. Mesmo Frege via como paradoxal a ideia de cardinal de Zermelo, já que seria uma coleção de objetos diferentes mas indistinguíveis (ou seja, um cardinal é uma coleção de objetos dos quais retiramos qualquer outra informação a não ser o fato de serem diferentes). Indo nessa linha de raciocínio, Lawvere chegou à formulação de "topos coesivo" como um ambiente no qual a filosofia hegeliana seria capturada (o quanto isso acontece de fato é algo que está muito além dos meus conhecimentos de causa).

A conclusão a que consigo chegar a partir das leituras que tive oportunidade de fazer por enquanto é que não existiria, nessa concepção, um "intelecto universal anterior", mas sim uma realidade única de que fazemos parte, a que todos temos acesso e com que nos relacionamos.  As construções matemáticas partem, antes de tudo, mas não exclusivamente, da interação entre intelecto e realidade "externa", material. O acesso é limitado e, portanto, o intelecto busca se aperfeiçoar de maneira dialética. 

Isso não nos impede de reconhecer "estruturas" intrínsecas à forma como pensamos, pelo contrário. A teoria de conjuntos captura grande parte do que há de mais essencial no pensamento humano, assim como a lógica. O que acontece é que não podemos negligenciar a ontologia, epistemologia e o papel que ambas cumprem no desenvolvimento da própria matemática e da lógica. Não dá para reduzir uma coisa na outra, muito menos separá-las completamente. Dessa forma, reduzir a teoria de conjuntos a ZFC é um tanto quanto restritivo. Seria reduzir algo muito mais complexo a uma determinada escolha em específico. Seria destruir a ontologia e a epistemologia, ou melhor, seria "ontologizar" ou "epistemologizar" a matemática e a lógica.

Enfim, há muito a ser explorado. Embora tenha fugido demasiadamente das formulações usuais, espero que possa ser útil de alguma forma.

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